Por Gonçalo Duarte Gomes Em visita ao Algarve, para promoção de um roteiro da água, e segundo citação nos meios de comunicação social (aqui), o Ministro do Ambiente e da Acção Climática declarou que ”a água é, de facto, um bem económico, quando chega às nossas torneiras”. Será? Corria o ano de 2002, quando o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas reconheceu a água como um direito humano universal, não subordinado a quaisquer condicionamentos económicos. Mais tarde, a 28 de Julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Resolução A/RES/64/292, intitulada “O direito humano a água e saneamento”*. Nesse documento (aqui), lê-se no ponto 1 o reconhecimento da água potável e do saneamento como direito humano que é essencial à plena fruição da vida e dos demais direitos humanos. A resolução colheu uma votação sem qualquer voto contra, com 122 nações a votarem favoravelmente, e 41 a absterem-se – estando 29 ausentes. Entre os países que votaram a favor, encontrava-se... Portugal! Em 2010, o Governo de Portugal era liderado por José Sócrates, com Dulce Pássaro a ocupar a pasta de Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território. Pese embora o actual Governo partilhe com o de então a filiação partidária, algo parece ser muito diferente. É que o entendimento expresso pelo Ministro vai mais em linha com o 4.º princípio da Declaração de Dublin (1992), que reconhece a água como um bem económico, e legitima ideias como a negociação da água em bolsa, do que com o entendimento desta como direito humano fundamental. Para sermos justos, há que reconhecer que a água nas torneiras tem, efectivamente, um custo associado, que a tarifa é uma ferramenta de gestão e que, como diria Adam Smith, o preço pago não reflecte o valor. Igualmente, é pouco provável que Portugal fosse a principal preocupação da ONU, quando aprovou a dita resolução. Mais certo é que a ONU não imaginasse que, neste recanto do Paraíso, a Sul do Tejo, nas célebres palavras de outro Ministro, só houvesse deserto. E que desconhecesse que no extremo meridional desse “deserto”, existe uma região que, tendo que conviver com relativa escassez e tremenda incerteza no que aos recursos hídricos diz respeito, adopta um modelo perdulário de utilização, com grandes dificuldades de gestão (um pequeno exemplo aqui, relativo a novas explorações de regadio) do crescimento dos consumos, sem adequação dos mesmos às disponibilidades, e com perdas absurdas. Talvez com todos esses problemas resolvidos a montante fosse possível aceitar o que nos diz o Ministro, e tudo o que implica. * Esta resolução seria mais tarde reforçada por uma tomada de posição do Conselho de Direitos Humanos da ONU (A/HRC/15/L.14, de 24 de Setembro de 2010), sublinhando a importância do acesso à água para a dignidade da vida.
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