Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

Minha aldeia, voltei!

7/8/2020

6 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes
Minha aldeia, voltei! Avé-Marias…
Teu crepúsculo de oiro até parece
Que me canta e me embala e me adormece,
A florir a amargura dos meus dias…
 
Como a urze das tuas serranias,
Poeta aqui nasci, sem que o soubesse,
E aqui, - visão de estrelas e de prece,-
Vi meu primeiro amor, quando me vias!
 
Minha aldeia, voltei! – Anoiteceu…
Sobre o meu coração como um ninho,
Estendes a asa de oiro do teu céu…
 
E ele dorme e sorri, - o abandonado!-
Como dorme e sorri um passarinho,
Sob a asa da mãe agasalhado.

Evocou-se em mim este poema de Bernardo Passos, intitulado “Regresso”, a propósito da notícia, fresquinha, de que quatro aldeias algarvias – Alte, Cachopo, Paderne e Parises, respectivamente dos concelhos de Loulé, Tavira, Albufeira e São Brás de Alportel – se vão preparar para integrar uma candidatura ao selo “Aldeias de Portugal”, uma rede nacional “de aldeias autênticas e genuínas”.

Não beliscando a bondade de qualquer iniciativa que pretenda dinamizar áreas de interior –mais ainda estando a sua dinamização por cá nas mãos da Associação In Loco, que tem provas dadas – há aspectos nestes programas que merecem alguma cautela.
Imagem
É destacado o enfoque que o título “Aldeias de Portugal” tem no potencial turístico de aldeias “autênticas e genuínas”, tendo por objectivo “preservar, valorizar e dar a conhecer a essência da vida nas aldeias”, através da consolidação dos “valores culturais” em que assenta a sua identidade e do incentivo à “partilha do estilo de vida dessas aldeias e dos seus habitantes, oferecendo aos visitantes uma experiência única de convivialidade e contacto com um Portugal autêntico”.

As quatro aldeias seleccionadas possuem claríssimas diferenças entre si, quer estruturais, quer funcionais. No entanto, partilham entre si – com excepção de Paderne – um padrão de desumanização e abandono.

Olhando para os dados dos censos populacionais à escala da freguesia, entre 1981 e 2011, Cachopo e Alte perderam, respectivamente, 63% e 51% da sua população. Em sentido contrário, em igual período Paderne aumentou a população em 13%. No caso da aldeia de Parises – a mais bonita de todas elas, digo desde já com confesso enviesamento – é mais difícil obter dados, já que o concelho de São Brás de Alportel possui uma única freguesia. No entanto, se considerarmos que nos dois terços da área desse concelho que são cobertos pela serra, correspondendo a cerca de 10.122 hectares, dificilmente se encontra 5% da população do mesmo, ou seja, nem 530 pessoas, dá para ter uma ideia do que por lá se possa estar a passar.

Se a isto juntarmos o padrão de regressão nas actividades tradicionais destas zonas rurais, nomeadamente na agricultura, pastorícia e silvicultura “tradicional” (termo arriscado, eu sei), falamos exactamente de quê, quando nos propomos preservar, consolidar, vivenciar e partilhar estilos de vida?

O próprio conceito das aldeias se proporem trabalhar para ser genuínas e autênticas é potencialmente problemático, pois faz imediatamente soar o alerta da folclorização, seja ela ao nível da arquitectura, dos hábitos, dos trajes, dos dizeres, entre muitas outras coisas. É que genuinidade e autenticidade construídas para uma candidatura… são artifícios. E parques temáticos já temos muitos.

Acresce que nestas coisas do turismo como fio condutor, é sabido – no Algarve de forma traumática – que a obsessão pela criação de “produtos” é meio caminho andado para esvaziar a essência das zonas bafejadas por tal milagre, deixando bonecos ocos que, em tempos como o presente, nem para miolo de enxergão servem e que o tempo apaga sem marca positiva deixada, de resto como outros programas no passado. Dir-se-á, até pelo cenário demográfico já invocado, que pouco há para estragar, nesse capítulo. E poderá até bem ser verdade, mas só se pede particular cuidado com isso.

Outra questão prende-se com o pensar as aldeias sem pensar as paisagens em que se inserem. Estando nós num contexto de vocação mediterrânica, a aldeia não existe sem a paisagem envolvente – de onde retira o sustento – da mesma forma que a paisagem depende em muitos aspectos das dinâmicas da aldeia, seja para organização e manutenção de estruturas ancestrais, seja para animação de vários processos. Há portanto uma dimensão telúrica e de profundidade paisagística que não pode ser esquecida.

Num programa como este, que pretende “estimular o surgimento de oportunidades locais de negócio através da valorização, promoção e comercialização de produtos locais, eventos tradicionais e serviços turísticos baseados nas experiências vividas”, como se processará este regresso ao campo, à aldeia, com turismo (lazer) a puxar por produção (labor)? Para onde se escoarão os produtos? Que camponeses híbridos daqui resultarão? i-agricultores, farm-villagers, de enxadas touch-screen? 

Poderemos ainda ser aquela “gente do campo”, simples e sem grande inquietação aparente, ao ritmo das estações, que “dorme e sorri [como] um passarinho, sob a asa da mãe agasalhado”? É que a sociedade da informação, nas suas diversas expressões, desassossegou-nos o espírito, e as alterações climáticas baralharam-nos as Primaveras e Outonos.

Ou os novos rurais “apenas” entregam chaves, mudam camas e informam sobre passwords de wifi?

Como (re)ruralizar? As paisagens resultantes da interacção da cultura contemporânea com um ecossistema em desequilíbrio e readaptação servirão este propósito?

Já agora, esta coisa do próprio conceito de “interioridade”, que no Algarve surge de forma cada vez mais vincada e inaceitável, por força das crescentes assimetrias regionais, comandadas pela maior ou menor proximidade do buliçoso litoral, tem muito que se lhe diga. Nesta nossa fímbria de terra, isto equivale a dizer que numa ridícula distância que oscila entre os 30 a 50 km na direcção latitudinal, a região se cliva por completo, passando da massificação para o despovoamento. Se pensarmos esta distância na unidade pela qual contemporaneamente a medimos, e que é o tempo, no intervalo de no máximo uma hora – mais coisa menos coisa – de caminho, o Algarve eclipsa-se.

A par de rejuvenescidas aldeias, e em seu auxílio, talvez a ideia de uma verdadeira coesão territorial no Algarve não fosse mal pensada… 

Bernardo de Passos era um poeta romântico, em que saudade e passado são temas constantes. E o romantismo é muito importante, na medida em que aporta a componente sentimental que é fundamental que esteja presente em tudo o que seja humano. Mas não pode estar só.

O delicado desafio que se coloca perante estas quatro aldeias, a equipa que vai gerir e acompanhar o processo e todas as comunidades e agentes envolvidos será o de descobrir as melhores respostas possíveis para estas, e muitas outras questões que seguramente surgirão, com o necessário compromisso entre esse romantismo bucólico e o necessário pragmatismo, fugindo ao pastiche e a uma interpretação urbana do rural.

Que o consigam, aqui se deixando votos de sucesso!
6 Comments
Filipe Monteiro
7/8/2020 18:40:14

Parabéns Gonçalo pela informação e pelo texto que não poderia ser mais claro.
Eu diria mesmo que seria necessário colocar algures avisos de
PROCURA-SE VIVO OU MORTO
"O delicado desafio que se coloca perante estas quatro aldeias, a equipa que vai gerir e acompanhar o processo e todas as comunidades e agentes envolvidos será o de descobrir as melhores respostas possíveis para estas, e muitas outras questões que seguramente surgirão, com o necessário compromisso entre esse romantismo bucólico e o necessário pragmatismo, fugindo ao pastiche e a uma interpretação urbana do rural."

Reply
Artur Gregório link
7/8/2020 20:28:16

Caro Gonçalo, obrigado pela preocupação com as Aldeias, as suas comunidades e a paisagem onde se integram. Partilhamos das tuas cautelas e receios, não fossem os nossos trinta e dois anos de experiência de animação territorial e de trabalho de intervenção direta neste território e o facto do conceito subjacente às Aldeias de Portugal estar testado e aperfeiçoado com muito sucesso, por outras associações de Desenvolvimento Local no Norte e Centro, o que nos dá confiança e segurança para os desafios da adaptação e implementação desta estratégia no centro do Algarve, em estreita parceria com todas as pessoas e organizações, públicas e privadas, de cada uma destas Aldeias. Estamos certos de que também aqui será um sucesso e que irá inspirar muitas outras Aldeias. Estás desde já convidado para acompanhar e colaborar nesta iniciativa! Toda a ajuda e colaboração será bem-vinda. De ti e de de quem mais se quiser juntar a esta iniciativa que pretende contribuir para a necessária e urgente revitalização cultural e económica das Aldeias de Portugal, um património esquecido mas fundamental para o equilíbrio e a sustentabilidade nacional. Obrigado pela disponibilidade e interesse.

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
21/8/2020 10:39:24

Artur, conforme destaquei no texto, são esses vossos pergaminhos que aqui alimentam a esperança de que este programa marque uma diferença positiva relativamente a outros anteriores.
Estas paisagens bem precisam, ainda para mais face ao cenário que se adivinha no rescaldo destes tempos ainda mais difíceis.
E para qualquer ajuda que entendam útil, disponham.

Gonçalo Duarte Gomes
21/8/2020 10:38:55

Muito obrigado, Filipe.

Reply
Miguel
8/8/2020 18:03:47

Uma iniciativa que, pelos seus objectivos, merece todos os aplausos, mas que gera sempre a inevitável desconfiança face à Realpolitik, com os receios que elucidou.
Como atrair e fixar gente para o interior sem infra-estrutura ou serviços? Sem perspectivas de emprego / rendimentos ou de criação do mesmo, que não passe pelo alojamento local? Com uma zona florestal depauperada que fornece metade dos serviços que poderia fornecer, de igual modo sem perspectivas ou interesse de mudança? Porque no fundo, para dar uma chance a estas zonas e a quem nelas se queira instalar, investir, seria necessário mudar o paradigma económico vigente, e esse é histórico também, no sentido de ser completamente errado e insustentável há décadas.

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
21/8/2020 10:37:59

Precisamente, Miguel. É que para manequim animado, estilo autómato em parque temático, pouca gente tem vocação...
Reforço a ideia da fé na experiência da In Loco na animação de iniciativas de âmbito análogo, ainda que tendo bem presentes os limites do alcance da sua intervenção, bem como a incapacidade para alterar deficiências que são estruturais do próprio País.

Reply



Leave a Reply.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    All
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    October 2021
    September 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    December 2020
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    August 2020
    July 2020
    June 2020
    May 2020
    April 2020
    March 2020
    February 2020
    January 2020
    December 2019
    November 2019
    October 2019
    September 2019
    August 2019
    July 2019
    June 2019
    May 2019
    April 2019
    March 2019
    February 2019
    January 2019
    December 2018
    November 2018
    October 2018
    September 2018
    August 2018
    July 2018
    June 2018
    May 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016

    RSS Feed

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen
Powered by Create your own unique website with customizable templates.