Por Bruno Inácio Acabei de fazer o troço da Estrada Nacional 125 que liga Vila Real de Santo António e Olhão. Já era noite e a escassa iluminação da via não chegava para disfarçar os buracos que a suspensão do carro teimava em denunciar. Olhar atento para a frente, olhar atendo para trás, olhar atento para todos os lados. Entre cruzamentos e outras coisas parecidas com cruzamentos o perigo espreita a todo o instante. A sensação de que um qualquer descuido pode gerar um acidente é constante. Desacelero por força do carro que segue a minha frente o fazer também. Ultrapassar não é uma opção. Conheço a estrada e talvez por isso não arrisque tal manobra. Infelizmente, porque não é assim, não tem que ser assim, muitas pessoas, muitas delas de férias, não conhece a estrada e acaba por se aventurar sem saber que se está a aventurar quando o que afinal pensa que está a fazer é uma simples ultrapassagem. Não é. É uma manobra de risco. Sigo em frente procurando com atenção a tranquilidade de uma noite de verão na esperança que passe rápido e que Olhão chegue depressa. Não foi duradoura a minha tranquilidade. Uma sirene que de lá de longe para cá de perto chegou num instante dava o alerta e quebrava o alinhamento de carros que seguia. Talvez seja a GNR a dirigir-se para alguma ocorrência criminal, pensei eu na esperança de que não fosse a estrada o motivo de tal alarido. Infelizmente não era. Tinha sido mesmo a estrada a ditar tal pressa das autoridades. Uma curva, outra curva e os raios azuis das luzes das ambulâncias e da GNR começa a rasgar a noite num corte que nos alerta e automaticamente entristece. E revolta. Era mais um acidente. O aparato era grande. Passo com a velocidade possível seguindo as indicações da GNR. Num cruzamento, ou na beira da estrada, um carro terá chocado com alguém, com outro carro ou contra algo. Não percebi. O meu olhar deteve-se num grupo de socorristas que auxiliavam alguém que aparentemente estava ferido. Segui o meu caminho. Os carros a minha frente seguiram o seu caminho. Os carros atrás de mim seguiram o seu caminho. Tinha passado. Para nós tinha passado. Para quem lê este texto terá sido “apenas” mais um. Para a estatística é “apenas” mais um. Não foi mais um. Para quem nele esteve envolvido pode ser sido o momento fatal da vida, o momento em que tudo muda, em que tudo mudou mesmo. Em que nada será como de antes. Iremos amanhã ler nas notícias. Iremos suspirar de tristeza e pensar: mais um.
Não somos indiferentes. Somos humanos e a vida continua. Se assim não fosse, cada dia era uma catástrofe para todos e isso tornaria a vida inviável. Mas por vezes parece que somos demasiado indiferentes a esta triste sina que tantas vezes nos parecem querer mostrar que tudo isto é normal. Que é normal não haver mais uns milhões para meter uns quilómetros de tapete betuminoso novo. Que é normal não haver mais uns milhões para reforçar a iluminação. Que é normal não haver mais uns milhões para reforçar a sinalética. Que é normal não haver mais uns milhões para arranjar umas bermas. Que é normal não haver mais uns milhões para fazer uma rotunda naquele cruzamento que hoje provocou mais um acidente. Por esta altura os leitores já terão conjeturado que a culpa é do Sócrates que lançou um PPP ruinosa sobre a EN 125. Outros terão conjeturado que afinal a culpa é do Passos e do Portas que retiraram da concessão este troço por forma a concluir o restante. Outros ainda terão conjeturado que afinal a culpa é do Costa que prometeu resolver o problema e não resolveu. Ou ainda haverá outros que culpam o Jerónimo e a Catarina que tudo prometeram e agora com o poder que emprestam a maioria parlamentar, nada resolvem. Lamento, mas todas essas conjeturas são irrelevantes para o problema e acima de tudo são irrelevantes para quem hoje sofreu mais um acidente. Relevante é não sermos indiferentes e sabermos, enquanto povo, encontrar uma solução para o problema e efetivamente o resolver. Não falo de apresentar projetos, não falo de mostrar traçados em mapas, não falo de visitas de ministros a dizer que agora é que é. Falo de fazer. Meter lá as máquinas e fazer. Este não é um apelo de revolta. Este não é um texto populista. Este não é, de todo, um texto com um qualquer objetivo eleitoral. Este é um apelo ao bom senso, à sensatez, a lucidez de todos nós, enquanto povo que se organiza de uma determinada forma, para que consigamos parar para pensar que não é normal não haver mais uns milhões para acabar de vez com este martírio que já fez vitimas demais. Já fez vítimas demais a partir do momento em que fez a primeira. Mas depois veio a segunda, a terceira, a quarta… e damos por nós a pensar que milhares de vitimais afinal pode se “normal”. Não é normal, não tem de ser normal. Saibamos acabar de vez com isto. Arranjem lá mais uns milhões e façam lá as obras de requalificação da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António. Não o façam só por todos aqueles que sofreram acidentes. Façam-no também por aqueles que seja ainda possível evitar.
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