Por Gonçalo Duarte Gomes É incontornável, nestes dias, a discussão em torno da eleição de Donald Trump para o cargo de Presidente dos Estados Unidos da América. Aqui neste nosso cantinho, como no resto do Mundo, temem-se as possíveis ondas de choque deste anunciado início de Armagedão, como se da quebra do Primeiro Selo se tratasse, e aquela curiosa cabeleira encimasse nada mais do que o primeiro dos Quatro Cavaleiros. Mas tenho uma revelação bombástica: o Algarve tem culpas no Trumpocalipse que possa vir a sentir. Obviamente não foi de Vaqueiros ou Odiáxere que a pitoresca figura partiu à conquista do Mundo. Temos também a nossa quota-parte de alimárias bípedes – e quem a não tenha, que atire a primeira pedra – mas aquela é mesmo Made in USA. Não é portanto uma questão literal, mas antes conceptual. Porque quem diz o Trumpocalipse, diz outra peluda qualquer que, a nível regional, nacional ou internacional, coloque em causa a pacatez da alegre maionese em que assentam o ócio e o lazer global, de onde nasce, justamente, o nosso Alfa e Omega económico: o turismo. Pequeninos como somos, qualquer tempestade nos deixa à deriva. Porque em vez de construirmos uma economia regional diversificada e territorialmente abrangente e coerente, assente também na produção, e fundamentalmente nos recursos endógenos numa lógica que não apenas a dos serviços, temos os ovos todos no mesmo cesto, ficando completamente à mercê de variações do humor internacional. Tão pouco nos estruturamos (fisicamente, mesmo) para dotar o Algarve de flexibilidade e agilidade de processos, facilitando a capacidade de adaptação. Pelo contrário, somos uma região dada a estrangulamentos e constrangimentos. Pomo-nos portanto a jeito, mais por omissão do que por acção, gerando as condições para que todo o sobressalto, pequeno ou grande, aqui encontre reverberante eco… Esta reflexão deveria ser tanto mais aprofundada quanto são, justamente, os nossos principais mercados turísticos emissores os que se encontram sistematicamente na berlinda, o que nos trama porque é sabido que, na hora do aperto, a passeata é das primeiras coisas a ir à vida. Sendo certo que, no caso, as eleições americanas nos afectam, directa e indirectamente, sem que tenhamos voto na matéria, não é menos verdade que, importássemo-nos nós tanto com as eleições nacionais – onde temos esse voto – como nos importamos com as de fora (não vi vídeos de “give a f*ck” nas últimas legislativas, nem dissecações tão profundas dos perfis dos candidatos ou dos programas, ou análises do eleitorado e suas motivações), e se calhar estávamos mais blindados a oscilações externas, por força de uma situação nacional (e, no caso, regional) mais consolidada. E menos vulneráveis ao efeito do aparecimento dos Trumps da vida, que serão cada vez mais. Porque o problema da proliferação de figuras populistas resulta de uma pretensão de superioridade moral axiomática ostentada pelo status quo político-partidário. Sucede que esse establishment, pese embora ideologicamente ostente bandeiras de organização social ainda muito bafejadas (ou bocejadas, em linguagem corrente) por alguns dos ideais do Maio de 68, pratica o mais puro e desumano economicismo. Daí que a teoria de pináculo civilizacional que é alardeada, tenha cada vez menos clientes. Da hipocrisia resulta a saturação das pessoas que, fartas de ser números, estão já por tudo, nascendo então o ressurgimento do nacional-socialismo na Áustria, o crescimento da Frente Nacional em França, o Brexit na Grã-Bretanha e agora o surpreendente resultado das presidenciais nos Estados Unidos. E qual a reacção dos “detentores da verdade”? Descartam com desdém o resultado da soberana expressão democrática de nações inteiras como episódios periféricos, protestos inconsequentes, reaccionarismo de velhos ou ignorância de rednecks. Só que não. Como diria James Carville: “É a democracia, estúpidos!”. Alguns insistirão que é antes uma democracia de estúpidos, e que certos valores basilares foram colocados em perigo. Será, mas estamos então perante o dilema do limite do alcance da democracia: não gostando do resultado da vontade da maioria, é democraticamente legítimo à restante minoria impor a sua vontade, autoproclamada como correcta? Com que mandato? De que forma? Ditatorialmente repetindo actos democráticos até que se obtenha o resultado definido a priori como "certo"? Engavetando ou calando todos os que pensam errado? Este debate é vital, e ocupará as mentes dos grandes pensadores, sendo certo que, nos seus entretantos, e de vitória moral em vitória moral, o sistema caminha para o colapso final… a menos que se aposte na única arma realmente eficaz: a educação pelo e para o Humanismo, que afasta o medo e a intolerância, e conduz à elevação, progresso e evolução. Se o tipo é realmente perigoso? Difícil de saber numa figura que tem maior percentagem de show-off no corpo do que de água. E depois, muito sinceramente, se é para entrar em histeria pela ascensão de um “líder”, num mundo que tem Kim-Jong Un, Maduro, Putin, ou que teve um tal de George W. Bush... já vamos atrasados. Nunca houve mais princípio do que agora, Ainda assim, são obviamente tempos preocupantes. Principalmente ao nível da política ambiental, e da assustadora abordagem que faz ao fenómeno das alterações climáticas, colocando em cheque o Tratado de Paris, recentemente entrado em vigor e no qual os EUA têm papel fulcral. O próprio nome apontado como sendo a escolha de Trump para a Agência de Protecção Ambiental americana não vem aliviar tais receios.
De qualquer forma, se a globalização é inescapável, alguns dos seus efeitos mais negativos podem ser mitigados localmente. Assim, mais do que endemoninhar os “azares” que vêm de fora, saibamos olhar para dentro e estruturar-nos de forma a aumentar a nossa resiliência – a todos os níveis – para que não andemos recorrentemente com o credo na boca. No fundo, “Make the Algarve great again!”
2 Comments
Carla
14/11/2016 13:05:37
Muito bom!
Reply
Gonçalo Duarte Gomes
14/11/2016 23:27:52
Muito obrigado, Carla.
Reply
Leave a Reply. |
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|