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Mãe, olha o Algarve no Prós e Contras a falar de Alterações Climáticas!

31/1/2020

6 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

O romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, intitulado “O Leopardo”, imortalizou literariamente a ideia de que tudo tem que mudar, para que tudo fique na mesma. A afirmação é feita, por outras palavras, por Tancredi, sobrinho do protagonista Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, membro da decadente aristocracia que, na Sicília e em pleno Século XIX, perspectivava no 
Risorgimento italiano e nos esforços republicanos de unificação de Garibaldi e companhia, o seu ocaso.

Este romance diz-se ter traços autobiográficos do autor, ele próprio membro de uma longa linhagem nobiliárquica siciliana. De tal forma, que o brasão da sua família é marcado por um... leopardo. E, como mote: spes mea in Deo est – deposito a minha fé em Deus.

Acontece que, embora possa não parecer à primeira vista, estas curiosidades traduzem na perfeição a atitude do Algarve perante os efeitos das alterações climáticas no nosso só por si caprichoso clima mediterrânico: nelas vislumbramos potenciais efeitos negativos para o nosso decadente – porque auto-destrutivo – status quo, mas apenas nos predispomos a mudar desde nada mude, porque, na verdade, deixamos o futuro entregue à fé e esperamos que, por obra divina ou acaso humano, tudo vá correr bem.
Imagem
"Navio dos Loucos", de Hieronymus Bosch (c. 1490 - 1500, óleo sobre madeira)
Por estes dias, o Algarve está no centro da discussão planetária em torno das alterações climáticas, graças aos mais de 250 especialistas reunidos em Faro até amanhã, num dos grupos de trabalho que contribuirá para a elaboração do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC).

A reboque de tal acontecimento, a Universidade do Algarve foi palco para evento ainda mais graúdo: uma emissão em directo do programa televisivo da RTP, Prós e Contras, subordinado precisamente ao tema das alterações climáticas. E digo mais graúdo porque, na verdade, foi o que congregou maiores atenções – afinal de contas, não é todos os dias que a província pode aparecer em destaque num programa da capital. E pouca gente faltou, perfilando-se, impecavelmente, boa parte da estrutura decisória do Algarve na plateia do Grande Auditório da UAlg, com a cerimónia e contrição a que o tema obriga.

No entanto, para lá da aparição televisiva, a verdade é que pouco mais há para ver. Excepto uma tremenda ironia, que demonstra o retorcido sentido de humor do Universo.

O Algarve é uma região com assinalável exposição aos efeitos amplificadores das alterações climáticas, fundamentalmente devido ao seu modelo territorial e porque os seus padrões climáticos são intrinsecamente incertos e propensos a fenómenos extremos. Aumente-se a incerteza, a amplitude e a variabilidade em aspectos como precipitação, temperatura, tempestades e outros, e tem-se um desafio ainda maior pela frente ao nível das vulnerabilidades e dos riscos.

É sabido, é falado... mas ninguém está realmente preocupado com isso.

E se o relatório em elaboração em Faro é sectorial e global e, naturalmente, não se debruça sobre aspectos regionais dos processos de adaptação às alterações climáticas, o Algarve investiu e dispõe, para esse efeito, de um Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas (PIAAC), apresentado no ano passado, integralmente disponível aqui, e que todos deviam fazer o esforço de ler. Principalmente para ter dúvidas e fazer perguntas.

Ainda ontem, e seguramente aproveitando o contexto da reunião deste grupo de trabalho do IPCC, a AMAL promoveu mais uma apresentação deste documento, que devia por esta altura ser importante conselheiro de todas as decisões regionais.

Só que não.

Referia-se nesta apresentação, e muitíssimo bem, que mais importante do que atitudes isoladas, é a definição de políticas orientadas para a adaptação às alterações climáticas, coerentes e consistentes. E que, mais importante do que a sua definição e anunciação... é o seu cumprimento. Que é precisamente onde a coisa descarrila. Porque as políticas – ou ausência delas – contradizem o plano e reduzem-no a uma mera pilha de (virtual) papel sem significado, o que, em boa verdade, era mais que esperado (ver aqui).

O PIAAC define a prioritização do tratamento da questão das perdas de água em redes públicas e a diminuição das necessidades? Inverte-se a lista de prioridades, e sonha-se com uma nova barragem para tentar manter tudo igual – e fazer obra grande e cara. O regadio na agricultura expande-se, devorando esse novel erro histórico que é o sequeiro tradicional, mesmo contra recomendação do PIAAC para a sua contenção. O PIAAC aponta para um modelo florestal em mosaico e com regressão de monoculturas, mas o abandono das paisagens rurais – cuja reversão é fundamental para a implementação desse padrão – segue imparável. Recomenda-se a minimização da vulnerabilidade a cheias e inundações pluviais? Não só não se assiste à retirada de quaisquer ocupações de leitos de cheias ou zonas vulneráveis, como nascem delicados nenúfares, sob forma de cidades lacustres. O PIAAC estabelece a urgência de planear o recuo de zonas costeiras vulneráveis e a relocalização de ocupações em zonas de risco? Consolidam-se as ocupações – ilegais incluídas, para ninguém se sentir excluído – nas ilhas barreira da Ria Formosa e noutros sectores litorais altamente expostos, juntando-se ainda toda a sorte de empreendimentos novos.

E assim seguimos, mudando apenas o que garante que nada muda.

Porque, bem vistas as coisas, se é verdade que podes colocar o Algarve no centro da discussão das alterações climáticas, colocar as alterações climáticas no centro da discussão algarvia já é história bem diferente.

Num momento de descontracção desta sessão de apresentação, falava-se de dinamizar um festival, estilo Woodstock, para sensibilizar os jovens para o tema. Mais ou menos a sério, a ideia de gerar gastos monstros de energia, toneladas de resíduos e deslocações, para pedir o seu contrário ajusta-se bem à atitude de S. Tomé, que prevalece no Algarve. Faça-se a coisa na praia artificial com água sacada aos aquíferos para desperdício, tão exemplarmente sonhada ali para os lados de S. Brás de Alportel, e Gil Vicente orgulhar-se-á de tão deliciosamente sarcástica tragicomédia algarvia.

E para a próxima, em vez do Prós e Contras, tragam o Programa da Cristina, que sempre é mais animado, e igualmente inconsequente…

Spes mea in Deo est, não é verdade?
6 Comments
João Baltazar
31/1/2020 16:41:27

Parabéns pelo texto. Não só pelo conteúdo mas também pela forma. No entanto, toda está preocupação da qual participo não teve nem terá resposta dos responsáveis. Isto é, até ao momento que se comecem a criar mecanismos que possibilitem a responsabilização direta dos decisores.

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Gonçalo Duarte Gomes
31/1/2020 22:12:16

Muito obrigado, João.
Tais mecanismos - fundamentais - devem começar pela opinião pública, cujo poder é tremendo, como se viu na questão do petróleo, em que muitos autarcas tiveram que se "converter" à causa por pressão popular.
É um processo de cidadania que se encontra infelizmente muito atrasado.

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Miguel
31/1/2020 17:34:33

Gonçalo infelizmente vi o debate e digo infelizmente porque ver ou não ver daria no mesmo, sendo uma opinião meramente pessoal causa-me calafrios assistir a algo moderado pela Fátima Campos Ferreira, que não raras vezes mostra estar mal informada sobre os temas de debate sendo essa desinformação grotesca por vezes.
Ora vejamos, começa a sra Fátima por dizer "porque aqui estamos em terra de montado, ali pó Alentejo" Não Fátima, não está no Alentejo e não é o montado o bioma tipico do Algarve mas sim o Pomar de Sequeiro, o Maquis, Bosque Mediterrâneo.
Numa plateia e bancadas de conceituados especialistas que muito poderiam ter acrescentado, diz a Fatinha (perdão não resisti) que escolheu sobretudo intervenientes brasileiros por causa da língua...e mesmo esses foram como sempre oportuna e rudemente interrompidos como é apanágio do programa.
Em suma pompa e circunstância para uma mão cheia de generalidades, repare-se nas perguntas que de tão enviesadas penso que já são acto inconsciente" Atão e Sobreiro como é? Sendo uma espécie importante, saberá o Gonçalo melhor do que eu, que com toda a probabilidade o Sobreiro está condenado como espécie produtiva no Algarve - a continuar o actual cenário de Alt. Climáticas - mas o Algarve não tem de se tornar deserto, onde estiveram propostas, ideias, planos para florestar a região com outras espécies que no imediato podem não ser economicamente rentáveis mas cujos serviços ecológicos (regulação de temperatura, agua no solo e fertilização do mesmo, biodiversidade etc) compensam largamente?

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Gonçalo Duarte Gomes
1/2/2020 00:08:09

Miguel, o PIAAC Algarve analisa também a questão da deslocalização das espécies normalmente ocorrentes no Algarve, bem como a chegada de outras, por alteração das condições ecológicas em sentido favorável à sua propagação.
A distribuição do sobreiro sofrerá mudanças (de resto empiricamente já observáveis) e, com isso, toda a paisagem e práticas culturais e económicas associadas.
O que surge ou é dinamizado em seu lugar - e não só - é difícil adivinhar. A compensação por serviços de ecossistema está ainda em fase embrionária, mas poderá constituir ferramenta de adaptação, pelas condições que pode estipular.
No entanto, tudo acaba no mesmo: políticas e a sua implementação. E aí, não saímos do modo Prós e Contras...

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maria afonso
1/2/2020 07:26:55

Gonçalo, a preocupação agora centra-se na regionalização! Há boys a precisar emprego, outros a querer subir na vida...coisas deveras importantes. E não sei porquê mas publica-se tanta coisa e não consigo encontrar uma ordem de trabalhos, um relatório de reuniões da AMAL ou da ANAFRE para que se tenha uma ideia do que andam por lá entretidos a fazer!

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Gonçalo Duarte Gomes
1/2/2020 08:48:55

Para lá dessa dimensão do emprego partidário (que é inegável, como o demonstra a realidade), há no conceito de uma maior autonomia decisória da região - que não passa necessariamente por uma regionalização - questões importantes que poderiam inclusivamente ser úteis na implementação de opções e políticas de adaptação contextualizadas nas especificidades do Algarve.
Mas o problema é mais estrutural, e não meramente formal.
E, como bem refere, no entretanto, a realidade vai-nos ultrapassando...

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