Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

Isto só lá vai com um homem-couve em cada esquina!

14/5/2020

2 Comments

 
Imagem
Por Gonçalo Duarte Gomes

Há dias, e a reboque de uma tragédia que teve tanto de abominável quanto de anunciada, surgiu, qual profeta, um novo herói para povoar o imaginário nacional das bizarrias: o homem-couve.

No âmbito de uma coisa a que a CMTV insiste chamar reportagem, um imberbe ardina plantado à porta do local de um brutal infanticídio, estende, por entre badaladas de sino semelhantes ao que os elefantes tocavam no Jardim Zoológico de Lisboa a troco de alcagoitas, e com excitação a raiar o orgasmo precoce, o inconfundível microfone vermelho para fora do enquadramento, prometendo o testemunho de um morador que conhece o senhorio da família.

Eis senão quando surge um indivíduo, de óculos escuros e, em estrito cumprimento das (des)orientações da Direcção-Geral de Saúde, máscara no rosto. Mas não uma máscara qualquer. Uma imponente, viçosa – quase gulosa – folha de couve, messiânica, capaz de figurar, imortalizada, em qualquer baixela da colecção Bordallo-Pinheiro.

Verifica-se então que não é afinal um morador, mas que efectivamente é um tipo que às vezes vem visitar um fulano seu amigo que alugou (os amigos alugam sempre, nunca arrendam) a casa ao pai e madrasta da criança, confessos homicidas. E o que sabia ele daquela família? Nada. Comme il faut, obviamente. E, afinal, o que interessa isso? Rémi Gaillard, famoso e infame humorista francês, explica: c'est en faisant n'importe quoi qu'on devient n'importe qui. Numa tradução pessoal, direi que será qualquer coisa como “é fazendo  não interessa o quê, que nos tornamos não interessa quem”. Interessa é ser alguém, nem que por breves minutos.

De caminho, o serviço público de dar a conhecer ao mundo o homem-couve... estava feito.
Imagem
Pouco mais de minuto e meio de brilhante nulidade jornalística bastou para, com uma cheia mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, inscrevermos um novo Encoberto (seria este o prometido por Gonçalo Annes Bandarra?) nas nossas mentes e, arrisco dizer, corações.

Mas o que torna o homem-couve tão especial?

Pelo anonimato, é qualquer um. É, pelo nada que sabe do tema, um qualquer. Será o seu carácter genérico a feromona intelectual que o transforma neste “guilty pleasure” icónico? Por poder ser todos nós? O gajo da tasca, o taxista que diz que as leis são como as meninas virgens – para ser violadas –, o tipo que sabe que a culpa é sempre "deles", o vivaço que acha que são todos iguais mas não diz o nome de nenhum, porque como somos todos iguais mas às vezes uns são mais iguais do que outros, convém deixar aberta a porta para passar de uns a outros. Sente-se nele, novamente, o pulsar de Raphael Bordallo-Pinheiro, já não pela faiança, mas pelo latente potencial de manguito (toma!) do Zé Povinho.

Será porque o homem-couve é eco? A sua máscara é, realmente, verde. A sua máscara é biodegradável. A sua máscara é caldo-verde, é bacalhau com todos, é cozido à portuguesa. É protecção e sustento. E é também, por afinidade familiar crucífera, nabo. Residirá na sustentabilidade do homem-couve o seu segredo?

Ou será porque o homem-couve é, simultaneamente, Batatinha e companhia? Será porque é o palhaço que faz um teatrinho para animar mas é também o arrumador que a todos mete dentro da tenda do circo mediático?

Talvez, até porque dentro da tenda da CMTV cabe o circo de um Portugal inteiro.

Mirar aquela epifania vegetal, pespegada no oculto frontispício do afinal transeunte, foi como encarar um abismo existencial. E tal como Nietzsche alertou, quando olhamos prolongadamente para o abismo... o abismo olha-nos de volta. No caso, com uma folha de couve na cara.

A CMTV não é uma latrina noticiosa ou um bordel jornalístico, ao contrário do que muita gente diz. É só um espelho. Do nível para o qual a nossa sociedade foi conduzida e se deixou alegremente conduzir.

Darwin explica. Ao observar os tentilhões (parece que não são bem, mas não quero aqui entrar em preciosismos taxonómicos) das Galápagos, o mais famoso naturalista da História – pobre Humboldt – observou como os bicos destas aves apresentavam uma grande variabilidade, consoante diferentes grupos se adaptaram, ao longo do tempo, a especializações nutricionais. Cada alimento, seu bico, no fundo.

Na selva jornalística, a coisa dá-se ao contrário. O jornalismo é “bicado” por essa grande passarada que somos nós, o público. Vai daí, neste tão contranatura caso, é o alimento que se adapta ao bico.

O Correio da Manhã – precursor da CMTV e sua contraparte em papel ensopado em sangue – foi na verdade pioneiro, visionário mesmo. Topando à distância a crescente e inexorável perda de dentes da opinião pública e da massa crítica nacional, rapidamente evoluiu para uma papinha mole, fácil de mastigar, com pouca estrutura ou substância, que pouco informa mas muito entretém, que enche o olho e bate em cheio no reptiliano do nosso cérebro, saciando macabros, sádicos e inconfessáveis apetites básicos. Passou de mediático a puramente mediatizado. E inegavelmente vingou. Ao ponto de fazer escola e, lenta mas seguramente, arrastar para junto de si todos os outros – pelo menos os que queiram sobreviver sem dificuldades.

Novamente ao contrário de certas teorias, este jornalismo dito de sarjeta não é predatório, nem se alimenta de nada nem de ninguém. É alimentado à boca. 

Assim, transformado em mero negócio e prostituição, expurgado de quaisquer valores que não os pecuniários e com o aval de uma suposta Entidade Reguladora para a Comunicação Social (a mesma que permite que órgãos de comunicação social como o Postal do Algarve façam, aqui na região, exactamente a mesma coisa ou às vezes ainda pior), o jornalismo definha enquanto o entretenimento vinga.

E nós aceitamos, com tudo o resto que isso implica em termos de cultura e democracia, e com reflexos claros em períodos de crise como esta, em que, mais do nunca, precisamos de ser inquietados em vez de amedrontados e informados em vez de entretidos (períodos em que, a propósito, injectámos 850.000.000 de euros no Novo Banco, sem folhas de alface a cobrir quaisquer vergonhas, como tão bem explica Pacheco Pereira aqui)…

Questionar-se-á, com propriedade: foi esta a mais grave falta jornalística a que se assitiu em Portugal?

Não, nem de perto nem de longe!

Mas, caramba, esta tinha um homem-couve... 
2 Comments
Miguel
14/5/2020 14:32:37

Sabíamos que ia aparecer algo assim Gonçalo, talvez não exactamente nestes moldes, mas situações de caricata pandemia, bound to happen, estava mais a espera de uma máscara homem cavalo, mas a couve serviu bem.
Claro que o CM como bem referiu traz sempre aos muy ávidos seguidores uma mão cheia de nada, aliás, recordo até de uma entrevista com o director ou ex director não sei, Francisco Penim, ao qual lhe perguntavam se não achava que o CM e a CMTV eram correias de transmissão do esgoto português, tendo sido a resposta algo como "claro que sim mas estamos no top etc etc".
A coisa vende Gonçalo, vende sempre tudo aquilo que não exige muito esforço intelectual, emocional, que se mastiga saboreia e deita fora, next plz, e no entanto se verificar a cena tablóide britânica verá que é pior do que a nossa (não querendo dizer que isso é bom ou mau, é o que é).
Parece que continuam programas como big brothers, casar com agricultores etc, é o mercado a funcionar, e eu, apesar de me considerar de esquerda, não acho sequer que deva haver uma regulação especial diferenciada para estes media, partilhando totalmente a sua opinião; somente a educação das populações através de canais como este blog, outros, jornais locais, iniciativas culturais privadas e publicas e a contra-informação comparativa pode ajudar a despoluir os esgotos informativos e o apelo dos mesmos.
Isto porque apesar da salutar chuvinha que tem caído, a reciclagem de aguas residuais me continua a parecer das melhores apostas para a seca, cordiais cumprimentos!!

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
14/5/2020 21:49:56

Precisamente, Miguel.
A educação do público é a grande ferramenta para purgar o sistema. Pena é que em Portugal tal pareça uma miragem cada vez mais distante.
Para tal contribui grandemente a ERC.
Se qualquer controlo prévio de conteúdos de coloca de parte por constituir um exercício de censura, já a sua análise crítica, à luz daquelas que são as obrigações legais, éticas e deontológicas de um órgão de comunicação social (inclusivamente para efeitos de registo junto da ERC), é outra história.
Enquanto a entidade reguladora continuar a não servir para nada (talvez para cobrar taxas e emolumentos), também não podemos falar de um verdadeiro sector de comunicação social, na medida em que à vontade não é à vontadinha...

Reply



Leave a Reply.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    All
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    October 2021
    September 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    December 2020
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    August 2020
    July 2020
    June 2020
    May 2020
    April 2020
    March 2020
    February 2020
    January 2020
    December 2019
    November 2019
    October 2019
    September 2019
    August 2019
    July 2019
    June 2019
    May 2019
    April 2019
    March 2019
    February 2019
    January 2019
    December 2018
    November 2018
    October 2018
    September 2018
    August 2018
    July 2018
    June 2018
    May 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016

    RSS Feed

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen
Powered by Create your own unique website with customizable templates.