Por Luís Coelho No passado dia 23 de Janeiro Marta Temido esteve em Albufeira e protagonizou mais um episódio da saga “Novo Hospital do Algarve”. De acordo com a informação partilhada pelo Sul Informação, a dita responsável pelo Ministério da Saúde afirmou que “Aqui no Algarve, onde há tantos anos está anunciada uma nova infraestrutura, temos, em 2020, de planear, de modo a que em 2021 possamos começar a executá-la”. Oh lá, boas notícias - pensei eu. Nada mais errado. De facto, a mesma fonte revela que Temido se apressou a esclarecer que “não estamos a falar de obras. Estamos a falar de estudos, de garantia de investimento, de decisões sobre a carteira de serviços e o caderno de encargos, para poder responder a essa necessidade dos algarvios”. Conclusão: nada de novo. Não tenho nada contra o estudar de forma profunda e séria todos os assuntos quando o tema são as finanças do Estado e sua sustentabilidade. É por isso que decidi fazer umas contas rápidas para tentar entender quanto custaria ao País construir um novo hospital no Algarve. Do que me é dado a conhecer, tal representa um investimento na casa dos 400 milhões de euros. Parece muito. Mas não é. Neste momento a taxa de juro das obrigações emitidas pelo Estado português com maturidade a 30 anos anda na casa 1.05%/ano. A emissão de 400 milhões de dívida a pagar em 30 anos através de prestações constantes de capital e juros postecipadas a esta taxa geraria um encargo anual com o serviço de dívida na casa dos 15.6 milhões de euros. Segundo a última informação disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o Algarve registou 20.4 milhões dormidas nos estabelecimentos de alojamento turístico entre Janeiro e Novembro de 2019. Ora, se assumirmos que cada uma destas dormidas gasta em média um euro no território algarvio e que esse euro é taxado a 6% em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (i.e., a taxa mais baixa de IVA no continente) podemos só aí arrecadar qualquer coisa como 1.2 milhões de euros de receita para o Estado, i.e., quase 8% do que precisamos para pagar o serviço de dívida anual do empréstimo para a construção do novo hospital. Se usarmos um cenário mais razoável em que a maioria dos produtos e serviços consumidos pelos turistas é taxado em sede de IVA a 23% (i.e., a taxa normal no continente), bastará que o gasto médio por dormida seja de aproximadamente 3.40 euros para que seja possível assegurar na totalidade a operação de financiamento do novo hospital. Este cenário não conta com toda a procura turística anual (e.g., não está considerada a agitação que resulta da passagem do ano) nem incorpora as dormidas que acontecem fora do circuito que é monitorizado pelo INE.
Levemos o exercício de simulação um pouco mais longe. Em particular, vamos admitir que o custo da dívida é maior reflectindo a possibilidade dos financiadores exigirem um prémio face à taxa de mercado actual. Fixemos a mesma nos 5%/ano, valor razoável para um projecto desta natureza nas condições actuais de mercado. Neste cenário, o serviço de dívida anual (i.e., juros mais capital) ascende a 26 milhões de euros. Para que seja possível aguentar o mesmo os tais 20 milhões de turistas teriam agora de gastar em média 5.6 euros durante a sua visita ao Algarve. Tornemos o exercício ainda mais extremo. Consideramos então que o investimento inicial passa para os 600 milhões de euros (i.e., uma derrapagem de 50%, algo perfeitamente concebível para um grande projecto de obras públicas em Portugal), a taxa de juro é fixada nuns pornográficos 15% (nada de chocante face ao histórico de negociação do Estado com privados nestes contextos) e a procura turística anual cai para 10 milhões/dormidas/ano (i.e., metade do que vem sendo registado nos últimos ano). Mesmo neste cenário catastrófico, fixando a taxa de IVA nos 23%, o gasto médio por dormida teria apenas de ser de 39.8 euros, para assegurar que temos capacidade para reembolsar os 91.54 milhões de euros/ano anuais da operação de financiamento do novo hospital do Algarve. Este ensaio torna abundantemente claro que a construção do novo Hospital do Algarve é viável do ponto de vista financeiro, sendo pois uma questão de escolha política. A sua concretização pode ser efectiva se se alocar uma parte da receita fiscal resultante do fenómeno turístico que ocorre na região a este projecto. Os dados do INE mostram que o Algarve gerou 1.201 milhões de euros em proveitos apenas nos estabelecimentos de alojamento turístico entre Janeiro e Novembro de 2019 . Por outro lado, o governo pensa gastar 4.922,3 milhões de euros em investimento público em 2020. Parte deste valor vai ser financiado com dinheiro dos impostos gerados no Algarve, região que parece nunca fazer parte das prioridades dos sucessivos governos deste País (veja-se o caso da ferrovia, da requalificação dos portos ou da EN-125, matérias que continuam sem qualquer resposta em 2020). Haja pois vontade política - e determinação da sociedade civil algarvia - para que os impostos do Algarve sejam canalizados para resolver um problema desta Região, o qual não pode mais ser ignorado: a construção do seu novo hospital central.
1 Comment
Miguel
4/2/2020 21:00:30
Infelizmente Luís, não creio que tão cedo vejamos a construção do hipotético novo hospital avançar, não o será seguramente durante esta legislatura, avançará talvez quando os algarvios começarem a protestar a sério, se unirem e exigirem serem tratados como cidadãos de pleno direito e não se segunda, e quiçá umas ameaças aqui e ali de vontades independentistas regionais para aguçar a urgência e instigar alguns receios de instabilidade, assim e só assim creio eu, infelizmente.
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