Por Gonçalo Duarte Gomes Há uns anos valentes, mudou-se para a Rua de Santo António, em Faro, um mono. Por entre causada sensação e vivaz furor, dentro de uma jaula, um macaco de peluche agitava-se freneticamente, alardeando em castelhano “Hola, yo soy el mono! Habla comigo!” e prometendo brindes a troco de míseras moedas. Pois bem, o Algarve está cada vez mais parecido com ele. Como muita gente saberá, o João Fernandes, residente deste nosso Lugar ao Sul, foi empossado, há uma semana, como novo presidente da Região de Turismo do Algarve.
Aqui pelo Lugar temos grandes e públicas expectativas relativamente ao seu trabalho à frente de uma instituição que, embora do ponto de vista executivo não tenha grandes poderes, é muito importante enquanto promotora do sector e uma sua quase consciência. Principalmente porque a entrada do João representa uma oportunidade de rejuvenescimento e inovação da RTA, pelo menos ao nível da Comissão Executiva. E se esta actividade precisa disso, principalmente em termos de responsabilidade social e ambiental, já que é o sector de actividade com maior impacto nas dinâmicas económicas, sociais e ambientais da região. No passado, seja por diletantismo, falta de sensibilidade, inépcia, ignorância ou sectarismo, tal tem faltado, principalmente em termos de modelo territorial. Fundamentalmente pela sistemática repetição da aposta em tipologias e dinâmicas que se impõem ao território em vez de se integrarem, quase sempre associadas a exercícios de especulação imobiliária, travestindo o próprio sector ao ponto de nunca se saber bem se, quando se discute turismo, se discute efectivamente aquela actividade ou construção civil... Por tudo isso, mas também muito mais, o turismo é, manifestamente, tema central de debate aqui no Lugar. E também por isso, as expectativas em torno da prestação da nova Comissão Executiva da RTA. Há dias, uma notícia do Expresso citava precisamente o João Fernandes relativamente a uma intenção de “aproveitar este ciclo positivo da procura imobiliária para acabar com alguns ‘monos’ no Algarve”, incluindo-se nesta lista coisas como o Forte do Rato, em Tavira, os Armazéns Pombalinos, em Vila do Bispo ou o Forte de São Roque, em Lagos. Ainda o ócio e o lazer não se sonhavam organizar como “indústria” e já estes “monos” – todos imóveis de interesse público, note-se – eram parte da identidade do Algarve, contribuindo, de caminho, para, por exemplo, sustentar a defesa territorial e a subsistência da população. Coisa pouca, actividades boçais a que os de antanho se dedicavam antes do advento, qual “Big Bang” existencial, do sacrossanto turismo. Eu prefiro acreditar que há um erro de citação, ou então que o João teve um lapso linguístico, irreflectido no contexto da conversa, em vez de acreditar que olha para estes elementos patrimoniais efectivamente como “monos”. Até porque se há monos no Algarve, e há-os em abundância, não é à preservação patrimonial que tal se deve, mas antes... à especulação imobiliária abusiva e ao turismo. Mas este potencial erro/provável lapso tem implicações e consequências. É que, a menos que seja vigorosamente revertido, antecipa complicações no trabalho de sensibilização junto dos investidores que se pretendem angariar no âmbito do Projecto “Revive”, pois é disto que na verdade se trata. Diz esta iniciativa governamental que tem em vista a recuperação e valorização de património cultural e histórico, e a sua transformação num activo económico – temei, oh vós que sois inertes económicos, pois a fúria da etiquetagem de preços não cessa de alastrar! – pela abertura ao investimento privado para desenvolvimento de projectos... turísticos, obviamente. Lá pelo meio afirma-se, sem grande convicção mas com obrigatória, e obrigatoriamente fingida, emoção, que o “património imobiliário público constitui um componente muito relevante da identidade histórica, cultural e social do país”. É tão, mas tão tão relevante, que ou a pomos a render ao serviço de privados, como mercadoria banal, ou a deixamos ruir, soltando a proverbial lágrima de crocodilo. A preservação patrimonial não é incompatível com outros usos, turísticos incluídos, como de resto temos excelentes exemplos em Portugal. No entanto, este quadro de demissão e alienação de responsabilidades que se vai cada vez mais entranhando na praxis da gestão da coisa patrimonial, cedendo incessantemente à voragem economicista é, em si, um empobrecimento de espírito colectivo, e um convite à selvajaria por parte dos potenciais investidores. Porque se o Estado não se respeita a si, à sua história e ao seu património – o abastardamento que grassa em tantos centros históricos é cabal exemplo – que autoridade moral terá para obrigar os privados a fazê-lo? Se efectivamente classificarmos este património como “monos” então... cada vez mais somos como o tal simpático mas triste residente da Rua de Santo António, na sua jaula, e em vez de brindes, entregamos a nossa história e a nossa cultura.
2 Comments
Hugo Pinto
3/8/2018 12:52:24
Muito divertida esta recordação e pertinente a compração. O "mono" dizia ainda outras coisas: primeiro tentava meter conversa "habla conmigo", depois tentava ganhar a nossa confiança "quiero ser como tu". Mas se esperássemos o suficiente ele próprio se revelava e dizias ao que vinha "...soy un mono, sinvergüenza"... bela caricatura de muito do turismo que temos na nossa região. Passam os anos, as ideias já estão no papel mas a mudança é pouca e a que surge muitas vezes até parece ir na direção errada frutos de "espíritos animais" descontroladis. Aprendemos pouco colectivamente com os erros do passado...
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Gonçalo Duarte Gomes
3/8/2018 14:36:16
Bem verdade, Hugo.
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