Por Gonçalo Duarte Gomes Comemorou-se ontem a passagem de 45 anos sobre o 25 de Abril de 1974. “O dia inicial inteiro e limpo”, cantado por Sophia, que implantou em Portugal o regime democrático, pondo fim a 41 anos de Estado Novo, regime autocrático instaurado com a Constituição de 1933, e que foi indelevelmente marcado pela figura de António de Oliveira Salazar, que o comandou durante cerca de 35 anos. Nesta ocasião, as tradicionais cerimónias envolvem de tudo, desde foguetes a inaugurações, discursos e beberetes, poemas e canções. Isto para além do tradicional cravo ao peito, onde de resto batem vigorosas mãos, confessando a obrigatória devoção às causas da democracia e da liberdade. Mas será o 25 de Abril apenas uma flor na lapela? Por vezes parece que sim. O 25 de Abril provocou alterações profundas em Portugal. Mas, acima de todas elas, e até mesmo das próprias motivações do golpe de estado, afirmou um princípio moral, materializado num regime fundado sobre os valores da democracia e da liberdade. Mas, logo a 26 de Abril, e retirados os cravos das lapelas ou das fotos de perfil em redes sociais, esses valores parecem eclipsar-se. Eclipsam-se sob os pequenos e grandes caciquismos, sob os pequenos e grandes interesses que lesam o nosso interesse, que capturam o Estado e a Administração. Eclipsam-se também sob as novas formas de censura que se instalam, com uma eficácia brutal que não olha a filiação, género, idade ou geografia, oprimindo, cerceando e condicionando a liberdade das opiniões. Seja através da pressão inquisitória do “politicamente correcto”, da omertà partidária, do medo de desagradar às estruturas que definem quem ocupa lugares, de incomodar quem decide, quem distribui favores ou do receio de represálias (directas e/ou indirectas, profissionais, económicas, sociais, etc.), a massa crítica do País é alvo de sequestro intelectual. Numa região pequena, e onde a taxa de renovação dos agentes (políticos, partidários, económicos) é baixíssima, como é o caso do Algarve, pior ainda. As consequências são conhecidas: descrédito da democracia, demissão dos cidadãos face aos processos democráticos (a taxa de abstenção não aumenta por acaso), progressão do populismo e dos extremismos associados. As causas também. Parece-me a mim a mais gravosa a ausência de uma educação para a cidadania, para a análise e envolvimento crítico, para a exigência política, para a meritocracia. É no Abril que existe para lá do 25 que a mesma devia ser – ter sido – trabalhada. Não o sendo, é esta acefalia democrática induzida que nos mantém num estágio incipiente e primordial. Um estado que muitos preferem justificar com a “juventude”. Uma juventude de 45 anos, e quase 4 gerações. Talvez seja agricultora. Salgueiro Maia, porventura o verdadeiro Capitão de Abril, morreu em 1992. Homem de causas, que não a própria, e de atitude despojada, recusou honras e benesses, e desconfiou profundamente, e praticamente desde o primeiro momento, do destino que quiseram dar ao que a sua coragem e a dos seus homens havia granjeado. Sobre ele, a mesma Sophia de Mello Breyner afirmou eloquentemente: Aquele que na hora da vitória Se fosse vivo, provavelmente repetiria: "Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos". E talvez estivesse disposto a empreender nova viagem de Santarém a Lisboa... Porque os valores das revoluções são como a roupa, é preciso lavar de tempo a tempo, para que não percam o brilho e o cheiro a limpo. E para que se possam usar!
1 Comment
Miguel
26/4/2019 15:39:53
Nada mais poderia acrescentar de relevante ao seu comentário, do que aquilo que já referiu, e o que disse num comentário de uma sua colega de escrita; mas se me permite deixo só este complemento: https://www.youtube.com/watch?v=UOsyTCZESrQ
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