Por Sara Luz
Volvidos 100 anos após a maior pandemia mundial de gripe da história – a gripe espanhola –, sabe-se que as pandemias matam cada vez menos. Isto deve-se, evidentemente, à melhoria das condições de vida, assim como às medidas adotadas para a prevenção da gripe. Em Portugal, devido ao sobejamente conhecido risco de epidemia de gripe na época de inverno, ativam-se anualmente Planos de Contingência pelos Departamentos de Saúde Pública das diferentes Administrações Regionais de Saúde do país entre os meses de novembro e março, que visam a abertura de camas suplementares a nível hospitalar, o alargamento dos horários de atendimento nos cuidados de saúde primários e o reforço das equipas; promovem-se campanhas de vacinação contra a gripe a partir dos meses de outubro (em meados de novembro de 2018 mais de 850 mil portugueses já se encontravam vacinados – https://www.publico.pt/2018/11/22/sociedade/noticia/850-mil-pessoas-ja-vacinaram-virus-gripe-pagarem-1852120); e, implementam-se iniciativas para a melhoria dos níveis de literacia em saúde, como sejam materiais didáticos de divulgação (e.g., http://biblioteca.min-saude.pt/livro/inverno#page/1; https://www.dgs.pt/paginas-de-sistema/saude-de-a-a-z/gripe/materiais-de-divulgacao.aspx; https://www.youtube.com/watch?v=iCsG3pgrjrM). A par disso, incentiva-se a utilização da Linha de Saúde 24 e criam-se novas Unidades de Saúde Familiar, com o respetivo aumento da cobertura de utentes com médico de família. Teoricamente um bom esforço para a prevenção da gripe e combate à mortalidade pela mesma, mas que na prática deixa muito a desejar. Ora, se se implementam medidas como as acima referidas, no sentido de se aumentar a capacidade de resposta dos serviços de saúde e capacitar os cidadãos para acederem e compreenderem a informação sobre a doença em questão, melhor gerirem a sua saúde e navegarem adequadamente nos serviços de saúde, como explicar que durante o período de atividade gripal (algo que acontece todos os anos!) as notícias na comunicação social sejam invariavelmente sobre o caos vivido nos serviços de urgência (SUs) hospitalares?! Relembremos, pois, o caso devidamente ilustrado do Algarve em janeiro de 2018 (https://www.publico.pt/2018/01/07/sociedade/noticia/enfermeiros-denunciam-caos-nas-urgencias-e-risco-para-doentes-1798436); e, já este ano, a sobrelotação dos hospitais pertencentes ao distrito de Setúbal (https://tvi24.iol.pt/sociedade/hospital-do-barreiro/urgencias-no-barreiro-estao-sobrelotadas-com-o-dobro-dos-doentes?fbclid=IwAR2VHA3YK660GoWeqhKXdsLsqpvM40U1iDSMGEdqK2hUklJ_wk936yiR33c). Acontecimentos como os ocorridos nestas “margens mais a Sul” costumam ser justificados pelas entidades competentes (ano após ano!) da seguinte forma: que em condições de exceção (neste caso, a gripe) é expectável que os serviços de saúde possam apresentar dificuldade de resposta ou, como já foi referido pela Direção-Geral da Saúde (DGS) já no início deste ano, que “os recursos hospitalares para responder ao pico da gripe são suficientes e só deixam de o ser quando os doentes se dirigem às urgências para o tratamento de casos que podem ser resolvidos em casa” (https://expresso.sapo.pt/sociedade/2019-01-04-DGS-pede-responsabilidade-a-populacao-com-as-idas-aos-hospitais-por-causa-da-gripe#gs.RMKlfeMW). Aceitar estas justificações sem refletir sobre aspetos, tais como, as medidas adicionais anualmente implementadas para dar resposta ao incremento da procura aos serviços de saúde por síndrome gripal, a realidade do Serviço Nacional de Saúde em períodos não sazonais, tempos de espera aumentados nos SUs previamente a atingir-se o pico da gripe (período esse em que é previsível um maior afluxo de pessoas aos SUs e que em 2019, por exemplo, a DGS prevê que aconteça apenas no início da próxima semana) ou, ainda, sobre o facto de que apenas 3 em cada 10 portugueses com gripe recorrem aos serviços de saúde (estudo recente realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge sobre o comportamento de procura de cuidados de saúde pelos portugueses em situação de gripe - http://repositorio.insa.pt/bitstream/10400.18/5670/1/Boletim_Epidemiologico_Observacoes_N23_2018_artigo3.pdf) é, a meu ver, insuficiente. Ao esmiuçar os aspetos referidos é possível depreender que o argumento não é nada mais, nada menos que falacioso. Ou seja, há uma tentativa em justificar o mau funcionamento dos SUs através da (falsa) ideia de que a procura é desmedida e, na maior parte dos casos, inadequada – as chamadas “falsas urgências” – (pois essa é uma situação conhecida que acomete os SUs em qualquer altura do ano, logo, um facto dificilmente questionável), mas o que acontece na prática é que a “gripe” por si só não motiva esse mau funcionamento; o que a “gripe” faz é pôr a descoberto o mau funcionamento pré-existente dos SUs (e, por inerência, do SNS) e sobre isso, claro está, não importa de todo falar! Uma sociedade moderna deve, e bem, responsabilizar os seus cidadãos pelas escolhas individuais relacionadas com a saúde, mas não sem antes responsabilizar os seus decisores pelas decisões tomadas em matéria de saúde!
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