Por Sara Luz
Antes de tratar uma vez mais tema de digno interesse – o da saúde –, emerge a vontade de, sem o escrutínio que lhe é merecido, prestar reconhecimento àqueles que no domingo passado fizeram uso do direito ao voto em oposição ao movimento político de extrema direita de Marine Le Pen. Depois das eleições na Áustria e Holanda, foi agora a vez dos franceses colocarem um travão ao populismo (anti)europeu em prol dos valores fundamentais do estado de direito democrático. No seguimento do intróito, importa agora refletir sobre matéria que vai dar pano para mangas durante o mês de maio: as greves na saúde. De paciência esgotada, alguns dos sindicatos dos trabalhadores da saúde decidiram unir esforços no protesto à falta de respostas objetivas por parte daquele que é acusado de “dar o dito por não dito”, de manter uma “postura de quem não quer negociar” e de estar “refém do Ministério das Finanças”. Já dizia o ditado popular: de maio a abril há muito a pedir! E ao fim de mais de um ano de negociações, sobre questões que se prendem essencialmente com horários de trabalho e regimes de carreira e salariais, os sindicatos, com o apoio das ordens profissionais, vão materializar a contestação através das greves convocadas, a primeira agendada já para os dias 10 e 11 de maio. À classe médica juntar-se-ão os enfermeiros com uma greve de zelo por tempo indeterminado, e a fechar o mês está prevista a greve dos técnicos de diagnóstico e terapêutica. Será caso para pensar que os profissionais de saúde poderão agitar o atual estado de graça social? Ora se considerarmos que o Governo tem tido a tarefa facilitada no que se refere ao número de greves e trabalhadores abrangidos face aos anos anteriores, essa hipótese não pode ser afastada. Contudo, se as ações de quem nos governa se mantiverem fiéis ao discurso de quem não está interessado em desviar-se do caminho delineado no Orçamento do Estado para 2017, os resultados das reivindicações sindicais poderão deitar por terra o desiderato daqueles que estão cansados de carregar às costas o pesado fardo a que chamamos de Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este é pragmatismo que dói. Não fosse estar ainda muito presente a mão cheia de nada de que resultaram as 13 paralisações dos enfermeiros no ano de 2016, a abordagem até podia ser feita de outra maneira. Entre todos as medidas, a falta de prudência na manutenção de um número insuficiente de profissionais nas instituições de saúde e as desigualdades dentro das próprias classes profissionais são as que mais me assolam. Primeiro, porque não está garantido o equilíbrio entre produtividade e qualidade dos cuidados. Segundo, porque vai contra valores subjacentes ao estado de direito democrático. E terceiro, porque é demasiado perverso manter o SNS a funcionar à conta da conduta ética e do sentido de responsabilidade dos profissionais. É razoável dizer-se que a despesa em saúde coloca pressão na hora de fazer escolhas, mas não é também o investimento no capital humano uma estratégia para a criação de valor nas organizações de saúde? Agora tudo dependerá das lentes com que vemos o mundo e por aqui dificilmente se abdica das pessoas como o ativo mais precioso de uma organização.
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