Por Gonçalo Duarte Gomes O geógrafo francês Maurice Le Lannou teorizou um dia que “as cidades são o fermento das regiões”. Esta felicíssima metáfora condensa, numa única frase, o papel crucial que as cidades desempenham na vida e desenvolvimento da paisagem. E o Algarve? Tem nas suas cidades, principalmente na sua capital, o fermento de que precisa para crescer? Ouvia na RUA FM, na Quarta-feira passada, o Luís Vicente comentar, no âmbito da apresentação das propostas do Teatro Lethes para 2018, algumas ideias relativas à preparação da candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura 2027.
Dessas, duas em particular chamaram-me a atenção. Em primeiro lugar, a cidade de Faro não como fim em si mesmo, enquanto Capital Europeia da Cultura, mas antes como âncora de toda uma rede de eventos culturais, que origine uma abrangência regional dos proveitos da candidatura. No fundo, o replicar da filosofia que em 2005 presidiu à dinamização de Faro, então enquanto Capital Nacional da Cultura, e que tantos e profícuos frutos deu, materializando o papel da capital como ponto focal de concentração e distribuição. Uma segunda ideia prende-se com a necessidade de promover um investimento no próprio espaço urbano da cidade, dignificando-o e elevando-o qualitativamente a tal patamar de exigência, extravasando os estritos limites dos palcos e equipamentos/espaços culturais onde os espectáculos se possam vir a realizar. Com este segundo pensamento, veio-me imediatamente à cabeça Aldo Rossi, a sua obra “A Arquitectura da Cidade” e a sua teoria da cidade como palco. Neste caso, a cidade como palco para palcos. Estas reflexões combinadas transportaram-me para uma análise do que falta cumprir a Faro, e a Faro na sua relação com o Algarve. Da necessidade da capital ser palco digno, enquanto urbe autónoma mas também para a região, e da região ser palco para a sua capital. Principalmente numa lógica de sistemática compreensão das vantagens de uma verdadeira coesão regional, muito para lá da conveniente circunstância de grandes eventos agregadores, normalmente associados a dinheiros e benesses. Este Lugar ao Sul nasceu do desejo de discutir o Algarve e o seu potencial, do sentir a falta daquilo que João Guerreiro resumiu, há pouco tempo, como um “projecto de região”. Qualquer projecção do futuro do Algarve não pode alhear-se da reflexão e discussão do papel que a capital pode e/ou deve desempenhar, principalmente numa região de grandes idiossincrasias e complementaridades geográficas, cujo total não se obtém pela mera soma das partes. A Faro, esmagada pelo peso de uma capitalidade que é hoje mais herança do que mérito, tem faltado um certo rasgo de ambição e génio que marca o carácter de uma capital, talvez por força de um processo de evolução das suas elites pensantes que não conseguiu aliviar o lastro daquela indolente degradação das aristocracias caídas, algo perdidas entre tempos. Não que a capital se deva cumprir necessariamente dentro dos seus limites materiais, mas precisamente dentro dos limites em que as cidades contemporâneas devem ser entendidas – os limites da sua influência enquanto entidade intelectual e espiritual e fenómeno cultural, mais do que ocorrência física. Ou seja, não necessariamente pelo que é capaz de fazer, mas principalmente pela capacidade de inspirar e ajudar outros a fazer, sendo parte activa e fundamental desse processo, mais recurso do que objecto. E Faro tem, aproveitando a linguagem de palco, que ser uma espécie de contra-regra de todo o Algarve. É neste aspecto que sou franca e abertamente crítico relativamente à cidade de Faro: a atitude anímica, oscilando entre um trocista desalento e um enfado blasé, que frequentemente adopta perante quase tudo, seja o que se faz ou o que se não faz, e o soberbo ostracismo a que se vota face ao que se passa no resto da região, alienando o seu papel e responsabilidade enquanto capital. Principalmente porque o que mais choca em Faro é o hiato, muitas vezes voluntariamente cavado por belicosa indefinição e indecisão, entre o que é e o que podia ser, adiando sistematicamente o seu fantástico potencial e funcionando, aí sim, como retrato capital e medida do que tem falhado no próprio Algarve. Se o Algarve é, de todas as regiões continentais de Portugal, a mais perfeita – por fazer coincidir quase inteiramente as realidades e dinâmicas biofísicas com o desenho administrativo –, não é menos certo que Faro reúne as condições óbvias para ser a sua capital. Desde logo geograficamente, pela sua posição privilegiada. Geometricamente, não fosse o ligeiro desvio de latitude para Sul, encontra-se numa posição central na região, mediando Mediterrâneo e Atlântico, mar, planície, barrocal e serra. Possui ligações funcionais terrestres, marítimas e aéreas, algumas ancestralmente consolidadas, ao País e ao Mundo. Possui, na sua envolvente, terras e sapais férteis, ainda que não valorize. Possui uma fenomenal frente de contacto com a incomparável Ria Formosa, não obstante estar de costas voltadas para ela (e não, não é por causa da ferrovia). Possui história – entre tantas outras coisas, o primeiro livro impresso em Portugal foi em Faro! – e património, mesmo que tantas vezes desprezado. Administrativamente, concentra algumas das mais importantes valências regionais, e acolhe o (potencial) principal cérebro da região: a Universidade do Algarve. Ainda assim, sente-se na relação entre região e capital, e vice-versa, mais frete do que lealdade e respeito, mais competição do que cooperação. Por muito que nos batamos contra os “opressores e detractores” externos da região, que esperança pode o Algarve ter de afirmação, quando nem internamente consegue tocar a reunir, agrupando e conciliando-se na sua capital? Não em pequena réplica do modelo excessivamente centralista que ao País se critica, mas como prova de que é possível e de que aqui se sabe fazer o melhor que ao País se pede, e de que uma capital, mais do que ditame ou fardo, é inspiração e catalisador. Até porque bolos sem fermento tendem, regra geral, a crescer pouco.
6 Comments
Jani
12/1/2018 19:35:18
Tantas palavras só para dizer que Faro é uma cidade de merda, coisa que não é noticia. Só faltou mencionar o ódio irracional que Faro tem às arvores, já que as mutilam com sádica satisfação a intervalos regulares... de resto tudo na mesma.
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Gonçalo Duarte Gomes
12/1/2018 23:00:16
Jani, obrigado pelo comentário.
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Jani
13/1/2018 00:19:31
Ainda assim que verborreia só para dizer "caramba mulher nem tanto ao mar nem tanta a terra"... e "a culpa e tua porque nao plantas nenhuma árvore nem exiges que se plante"... Falar como arauto ja fala mas nem tudo na vida sao slogans e frases feitas. Gente que fala assim já la esta sentada e nao fizeram grande coisa.
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Gonçalo Duarte Gomes
13/1/2018 08:20:48
Jani, essa última definição é fantástica!
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Jani
13/1/2018 11:31:07
Finalmente uma pergunta que vale a pena fazer!
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Gonçalo Duarte Gomes
15/1/2018 10:38:39
Jani, concordo integralmente com a sua visão dos muitos e graves problemas com que Faro se debate.
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