Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

Existencialismo à algarvia

17/3/2017

2 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Fosse o Shakespeare um moço algarvio, e o Hamlet não perderia tempo a babujar nessa espuma intelectual do "ser ou não ser".

Qual quê! Desde logo, a coisa não se passava nas cinzentas terras dos bracos, mas sim num principado mais prazenteiro, como por exemplo, sei lá, a Fuseta. E aí, banhado pelo Sol e pelo calor, as grandes questões da vida passariam não pela dilacerante dialéctica de uma certa malucagem existencialista, mas sim por temas realmente fracturantes: "sardinha ou carapau?", "imperial ou sangria?" ou, quiçá, “praia ou centro comercial?”.

​Porque afinal de contas, no Algarve, a vida é para se ir vivendo nas calmas...
Imagem
E ainda bem que assim é.

Uma propensão para o existencialismo provavelmente levar-nos-ia colectivamente à loucura, tais não são as assimetrias, incongruências e dislexias que marcam o passo deste Algarve.

O Algarve dos fantásticos e amplamente cantados valores naturais mas que militantemente se artificializam, seja com relva, asfalto ou betão; o Algarve do Sol, mas que o Governo, mentira após mentira – ou apenas com uma verdade que ninguém quer ver, dadas as branqueadoras lentes destes novos tempos –, empurra para os hidrocarbonetos e não para as energias renováveis; o Algarve onde os pobrezinhos e os burgueses, em fraterna e democrática – ao menos isso –  igualdade, ocupam selvática e ilegalmente o território (no entanto, como neste caso ninguém quer ser milionário, “Je suis ilhéu” é fantasia que vinga mais facilmente), em processos que não têm paralelo num País já de si selvagem, sem que rei ou roque parem por estas bandas; o Algarve onde o ânimo e o desenvolvimento se medem mensalmente pela quantidade de camas e lençóis que temos para fazer e para lavar; o Algarve onde a prosperidade está sempre a mais um resort de distância (desta é que é!), mas em que o trabalho é menos – fora a eufórica época dos campos de trabalho turístico –, menos diversificado, menos qualificado e menos bem pago.

Vale-nos, neste Algarve, a nossa consciência colectiva anestesiar-se e esgotar nas imagens que de nós construímos para os outros (que não apenas o proverbial inglês) verem.

Vai daí, anualmente peregrinamos – como neste preciso momento – em feliz romaria à Bolsa de Turismo de Lisboa, onde o Algarve, em reverente prostração, se vende (e esta expressão – que é oficial – é tão eloquente), sempre como o mais quente pãozinho de uma cesta perfeitamente normalizada.

Mesmo que seja através de estereótipos prostituídos, que nos levam numa onírica viagem, hoje em dia filtrada pela docemente enganadora altitude do voo do drone, que em artístico passing shot cinematográfico nos traz uma região que, de segredo tão bem guardado, por vezes se esconde até dos que nela residem, talvez por andarem a fazer contas a vidas bem mais frugais, que os desviam do gozo deste “photoshopado” Éden, aparentemente tão à mão de semear...

Nada mau, para quem ainda há bem pouco tempo criticava os lirismos românticos de António Ferro (filho de mãe algarvia, note-se) para a promoção “daquele” Algarve rústico, da sorridente moçoila de lenço à cabeça junto a uma alva chaminé algarvia, inserido no restante Portugal rural, embevecido pela cândida e pura castidade que molda a alma dos simples da terra, ignorando minudências como a insalubre ausência de infra-estruturas básicas, consanguinidades, analfabetismo e iliteracia, tacanhez de pensamento e visão ou falta de amor-próprio.

Hoje em dia, felizmente, o que está varrido para debaixo do tapete são coisas diversas daquelas (se bem que nem todas), mas a farsa continua. O turismo assim obriga, jogo de (doces) enganos que é por natureza, como se o Algarve vivesse permanentemente mergulhado nas autoritárias mensagens subliminares do “They live” de John Carpenter...

Até porque, afinal de contas, não discutimos o turismo e a sua virtude. Não discutimos a região e a sua identidade. Não discutimos a autoridade e o seu prestígio. Não discutimos a estratégia e o seu resultado. Não discutimos a glória do servir e o seu dever.

O fado não se contraria, e as inevitabilidades são isso mesmo.

Ou não?

O blasfemo conceito de questionar as inevitabilidades algarvias é precisamente o mote de uma reflexão identitária regional em curso, na 2ª edição dos Encontros do DeVIR (www.encontrosdodevir.com), uma organização DeVIR – Actividades Culturais | CAPa – Centro de Artes Performativas do Algarve.
​
Através de um conjunto de iniciativas, desde projecção de documentários a momentos de reflexão, através de “conversatórios”, pretende-se, sem a presunção de ter ou obter receitas milagrosas para as grandes questões da região, procurar novos caminhos, que saibam preservar e enaltecer o muito que de bom por aqui se faz, potenciando o muito que de bom por aqui ainda temos para dar, mas que permanece por explorar. E sempre com uma identidade muito vincada.

Hoje à noite, em Quarteira, na Galeria Praça do Mar, a partir das 21:30h, decorre um desses "conversatórios", a que se seguirão outros, ficando desde já o desafio e o convite à participação em todos, seja para lançar novas ideias ou defender o status quo. É disso que se faz o progresso: diálogo.

Para ver se tiramos o provinciano do Algarve, mas sem tirar o Algarve da província. 
2 Comments
G. Viegas
18/3/2017 16:11:51

Gostei do texto.
O algarvio gosta muito de falar mas acho que se está nas tintas para essas de diálogos e Existencialismos. O Algarve já não é nosso. Foi comprado e destruído pelos interesses e pela necessidade dos pacóvios e ignorantes como António Ferro e outros gostavam (a neta diz que ele era muito sensível).
Eu acho que agora só um tsunami resolvia os principais problemas.
Por acaso eu tenho uma casa velha com terreno, herdada, mas que não posso vender, nem utilizar (falta de condições), porque não tenho dinheiro para obras nem para corromper(?) uma autarquia para me dar uma licença de habitação.
É a vida! Ou se é ou se não é.

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
20/3/2017 11:06:39

No acto da compra do Algarve, para além de um comprador, houve... vendedores!
É essa predisposição de vender o Algarve a pataco que importa combater...

Reply



Leave a Reply.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    All
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    October 2021
    September 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    December 2020
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    August 2020
    July 2020
    June 2020
    May 2020
    April 2020
    March 2020
    February 2020
    January 2020
    December 2019
    November 2019
    October 2019
    September 2019
    August 2019
    July 2019
    June 2019
    May 2019
    April 2019
    March 2019
    February 2019
    January 2019
    December 2018
    November 2018
    October 2018
    September 2018
    August 2018
    July 2018
    June 2018
    May 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016

    RSS Feed

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen
Powered by Create your own unique website with customizable templates.