Por Sara Fernandes Dia após dia, observamos o agravamento das consequências do progressivo abandono do interior do país, em particular do seu espaço rural. Um abandono não só físico, mas um abandono também emocional das nossas raízes e tradições. Esta situação leva-nos, ciclicamente, à discussão de como seria possível conseguir que estes territórios se afirmassem como espaços capazes de atraírem “recursos, investimentos, negócios, residentes e até visitantes e turistas, capazes de gerar dinâmicas positivas no(s) território(s) palco destes movimentos”. Surgem então algumas questões: o que seria necessário para dotar o espaço rural de tal dinâmica económica e social? Como seria possível atrair mais residentes e turistas para o interior? E por fim, como conseguiríamos que a nossa representação mental deste território seja um resumo da sua identidade, e que essa imagem seja um verdadeiro grupo de atributos que permita conservar a sua essência e promover a sua diferenciação perante outros espaços semelhantes? Bem, a verdade é que, se excluirmos as acções de “maquilhagem” no território que em nada acrescentam ao crescimento sustentado e estruturado a longo prazo de um local, tudo poderia começar por um bom plano de marketing territorial. Do meu ponto de vista, e falando a nível regional, não se deveria dissociar o espaço rural do litoral, deveríamos trabalhar a imagem e a percepção que nós temos do Algarve como um todo. No entanto, confesso que possivelmente seria no mínimo desafiante e no extremo impossível, chegarmos a um consenso, dadas as assimetrias tangíveis e intangíveis que foram sendo acentuadas nas últimas décadas. É preciso trazer para a mesa bons exemplos, que nos possam inspirar nesta acção. Quero destacar o caso de Auvergne, no Maciço Central francês. Por lá, foi criada uma agência regional para travar uma possível perda até 2040 de 157 mil habitantes; e para “vender o mundo rural”. Quem tem a ousadia de dizer isto é o escritor e director do conselho geral de desenvolvimento local de Puy-de-Dôme (Auvergne), Bernard Farinelli que diz ser “(…) preciso revalorizar o mundo rural. É preciso dizer que outro mundo é possível lá. Temos de ser positivos. Podemos desenvolver a economia do futuro no mundo rural (…) Podemos desmaterializar o trabalho. É a nova revolução. Isso também torna o mundo rural atraente”. Atraente? Sim, desejado, sexy…alguns dos termos que não associamos a um território, mas que Paulo Fernandes (Presidente da Câmara Municipal do Fundão) e o seu executivo souberam tirar partido para o seu concelho. Eles foram e são uns verdadeiros comerciais. Souberam vender melhor que ninguém os seus recursos e criar as estruturas necessárias para fazer nascer um ecossistema criativo e empreendedor tendo por base o Centro de Negócios e Serviços Partilhados, um projecto que permitiu atrair 14 empresas TICE (Tecnologias de Informação, Comunicação e Electrónica) e criar 500 postos de trabalho altamente qualificados. Passados quatro anos, o projecto gerou 68 startups e apoiou mais de 200 projectos de investimento privado nas áreas de R&D (Research & Development). Por isto e muito mais (como o Living Lab Cova da Beira e o Capital Semente), foi bastante justa a atribuição do Prémio RegioStars 2018 ao Fundão, promovido pela União Europeia para galardoar projectos originais e inovadores e boas práticas em desenvolvimento regional. Por cá (Algarve), talvez nos falte começar por traçar uma estratégia territorial ambiciosa a longo prazo para o espaço rural, aliada a uma liderança capaz de transformar as aparentes fraquezas em forças; e potenciar as vantagens que surgem tanto da União Europeia, como da comunidade empresarial internacional. Tirar proveito dos novos estilos de vida que borbulham pela Europa, como os “Digital Nomads” e seguir a receita Sisu dos finlandeses: um mix de coragem, resiliência, tenacidade e perseverança que nos ajuda a percorrer as mais longas e desafiantes distâncias que nos permitem ir mais longe enquanto comunidade.
4 Comments
Miguel
14/12/2018 12:33:36
Concordo com praticamente tudo o que referiu mas cuidado...não se deve trazer um novo modelo económico, sem tentar desenvolver e melhorar o existente, e qual é esse? São as actividades ligadas à floresta, frutos secos etc, uma fusão entre ambos seria o ideal, e claro está, a valorização do interior algarvio passa sempre pela preservação do território em si, da reflorestação com espécies autóctones - a serra está abandonada, seca, degradada - em áreas demasiado extensas ; com isso feito seria possível até alargar o espectro de actividades que uma zona serrana proporciona para além da preservação do espaço em si, essencial para memórias já perdidas ou que nunca foram feitas.
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Sara Fernandes
14/12/2018 18:29:41
Boa tarde Miguel,
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Marco Barão
14/12/2018 19:35:11
Bom texto e muito obrigado pela abordagem a este tema que me diz muito! Nasci em Faro, mas tive a oportunidade de assistir aos últimos resquícios da vida no campo, mais concretamente no nordeste serrano do Algarve! Há cerca de 30 anos aquela forma de vida já se encontrava em acentuado declínio, ainda assim as pessoas, já velhas e cansadas, insistiam e persistiam nos seus modos de vida, mesmo sabendo que já nenhum dos seus descendentes iria ocupar o seu lugar! Encerrava-se assim um ciclo. Terras, casas, hortas, eiras, muros, pocilgos tudo era abandonado a troco de uma vida supostamente melhor no litoral, em Lisboa ou no estrangeiro! A economia agrária de cariz doméstico e de subsistência que, apesar de tudo ainda constituía o último reduto da sustentabilidade, estava agora no fim! Quando se fala ou se escreve sobre a ausência coesão territorial e do abandono dos meios rurais, eu posso afirmar que conheci um dos exemplos mais severos. A maior parte dos montes da freguesia de Cachopo, que no passado tinham 20, 30 ou 40 fogos habitacionais estão totalmente abandonados. Os cerros delimitados pelos barrancos onde abundam as silvas vestem agora um manto verde dos imensos estevais! O mato não dá tréguas e a manutenção das terras não é minimamente compensada. Esta parcela do território é pontualmente visitada por aqueles que ainda teimam em acreditar. Mas um território que não é habitado e usado não tem viabilidade, tudo deixa de fazer sentido! A manutenção da paisagem e da arquitetura vernácula que lhe está associada só faz sentido se o território estiver ocupado pelas pessoas, e que, de alguma forma encontrem nele uma economia viável e minimente consentânea com as exigências do modelo de vida atual. Haverá futuro para estes territórios? Acredito que sim, mas terá de ser desenhado um modelo económico verdadeira eficaz e que dê resposta aos problemas deste tipo de territórios. Esse modelo económico deveria ser necessariamente misto, ou seja, a aposta na economia local teria que ser acompanhada por outras atividades a implantar e desenvolver nestes espaços. No Algarve não temos um interior, mas vários interiores e várias ruralidades, mas apesar de tudo ainda temos alguns bons exemplos de como é possível e viável apostar no interior: Salir, Alte e Querença. Estes locais beneficiam ainda assim de uma maior proximidade do litoral e isso será determinante para a manutenção de uma estrutura social e económica com alguma vitalidade. Outro exemplo que deve ser destacado é a aposta nas atividades e ofícios tradicionais em Loulé de uma forma séria e contextualizada. Vale a pena destacar estes exemplos e conceber uma política de coesão territorial que não assente em medidas avulsas e descontextualizadas. Vale a pena pensar sobre isto! Vale a pena escrever e discutir!
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Sara Fernandes
17/12/2018 15:28:02
Boa tarde Marco, muito obrigada pela sua reflexão. É verdade o que diz, o Algarve regista vários "interiores", uns mais desafiantes que outros, no entanto em todos observamos com maior ou menor intensidade o abandono do seu espaço. E quanto a isso, temos de agir. Rapidamente. Muito obrigada pelo seu comentário e disponibilidade.
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