Por Gonçalo Duarte Gomes Olhando a mais recente intervenção de “arte urbana” na Vivenda Vitória, em Olhão, é impossível não experimentar sentimentos mistos, oscilando entre a admiração e o lamento. Este edifício integra a História contemporânea da cidade, e por ela passam memórias da indústria conserveira, que marca o Século XX olhanense – mais alguma informação disponível aqui. Mergulhado num processo de degradação que a posse pública não estancou ou reverteu (não foi sequer alvo de classificação como imóvel de interesse municipal), o seu estado de conservação agudiza-se continuamente. Eis então o lamento. Como forma de mitigar visualmente (apenas) esta situação, têm sido promovidas algumas acções de arte urbana nas fachadas. A mais recente, em linha com anteriores, denota traços de enorme talento por parte dos seus autores – os quais, desconhecendo, saúdo, revelando a admiração. As aspas que anteriormente enquadraram o conceito de arte urbana para identificar estas pinturas prende-se com a ideia, meramente pessoal e nada especializada, de que essa forma de expressão artística tem uma forte componente de activismo (social, ambiental, económico, etc.), destinada a provocar, no espaço público, debates geradores de novos discursos e gestos culturais, urbanos mas não só. Ou seja, tem uma forte componente de análise crítica, muito para lá da mera estética – ao ponto de se poder questionar se uma obra de Banksy, expoente máximo desta circunstância artística, exposta em galeria, respeita ainda o espírito da sua criação. Arte urbana não é assim um prenúncio de morte sussurrado aos edifícios ou espaços intervencionados, como parece acontecer, por exemplo, em Portimão, onde há um mês foi noticiada a intenção de aquisição de imóveis devolutos (desconheço a sua relevância arquitectónica, ou falta dela) que há já longo tempo haviam sido objecto de intervenções artísticas, tendo como fim a sua demolição para abertura de uma nova rua entre o Largo do Dique e o Largo 1º de Dezembro. A arte urbana é antes a tentativa da sua inserção num contexto, ou criação desse mesmo contexto, razão pela qual também não pode nunca ser confundida com o mero vandalismo, ou deixar que esse tente parasitar aquela. Mesmo quando intervém sobre edifícios degradados ou outras situações dissonantes, e mesmo que o contexto pareça discutível, o que, desejavelmente, será sempre. Quando, há mais de uma década, o Programa Crono – de que Alexandre Farto [Vhils] era um dos curadores – ocupou, por exemplo, as fachadas de edifícios devolutos na Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, com obras de grandes nomes internacionais da street art (em inglês tem sempre mais élan), como Blu, “Os Gémeos” ou ARM Collective, marcou aquele que é, porventura, o primeiro grande momento de “turistificação” deste fenómeno na capital. Sabemos, por amarga experiência própria, que o turismo como fim em si próprio, tende a esterilizar o substrato em que germina (tanto mais que, 11 anos volvidos, os edifícios continuam devolutos e as obras... foram conspurcadas com tags, graffitis e o tal mero vandalismo!). Mas, sendo a questão lançada a um debate que é público e aberto, tem o seu espaço. Outro exemplo positivo, a intervenção do artista Styler (João Cavalheiro) na Av. Estados Unidos da América, no final do ano passado e também em Lisboa, criando um mural de homenagem ao Arq.º Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, por ocasião da sua morte.
Razão pela qual importaria que o magnífico trabalho gráfico que hoje decora as paredes da Vivenda Vitória, e outros casos similares, um pouco por toda a parte, não fosse apenas uma mortalha, enquanto se aguarda pelo colapso...
2 Comments
Lucinda Oliveira Caetano
16/7/2021 21:29:39
Excelente reflexão crítica
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Gonçalo Duarte Gomes
20/7/2021 13:58:25
Muito obrigado, Lucinda.
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