Por Cristiano Cabrita
Os recentes acontecimentos em Albufeira – com um grupo de turistas ingleses, oriundos de bairros problemáticos dos arredores de Londres – veio colocar a cidade sobre os holofotes da má fama. Falou-se muito – nem sempre bem, aliás, na maior parte das vezes mal – sobre os turistas embriagados, seminus, que diariamente chegam ao Algarve a partir do mês de Maio. Invariavelmente, a questão resvalou para a competência das autarquias nesta matéria. Errado. As autarquias – sejam elas quais forem –, devem zelar para que a (s) cidade (s) estejam preparadas para receber estes turistas da melhor maneira possível, ao nível do saneamento, da limpeza das praias, da iluminação pública, da hospitalidade, da informação prestada, de programas culturais e de animação, das acessibilidades, etc. Esta é a vocação dos Municípios. Diria que é a ponta do icebergue mais visível a partir do momento que os veraneantes chegam até nós, e que vem completar todo um trabalho de “bastidores” feito ao longo de todo o ano patente, por exemplo, na promoção turística. Consequentemente, do meu ponto de vista, o problema não está nas autarquias. A questão resume-se a dois pilares estruturantes. O primeiro, de cariz empresarial, e o segundo no foro da segurança. Quanto ao primeiro, o cerne da discussão está numa geração de empresários que, elogiosamente, chamarei de "empresário low cost". Pois bem, este é o tipo de empresário algarvio que não sabe, nem entende, a riqueza que tem à sua volta. É no fundo um empreendedor ignorante que é movido pelo cheiro dos euros fáceis, vendendo a galinha dos ovos de ouro por tuta e meio. É o empresário que paga salários de 600 euros e que exige que o empregado trabalhe 12 horas por dia. É aquele empresário que aposta no volume de vendas, em detrimento da qualidade daquilo que vende. O problema é que se o mesmo apostasse na qualidade (uma palavra que muitos têm dificuldade em pronunciar), vendia o mesmo e retiraria daí maiores dividendos. Sim, os euros fáceis duplicariam! Mas, a maior parte ainda não chegou a essa conclusão. Em suma, são eles os principais responsáveis pela degradação do tipo de turista que chega ao Algarve. Vejamos o exemplo do que aconteceu em Albufeira, mas que sucede um pouco por todo o Algarve, embora com menos visibilidade. A logística que permitiu a vinda deste grupo a Albufeira começou a ser preparada há largos meses. Neste período, houve empresários que se predispuseram a alojar estes desordeiros, com ou sem ajuda de agências de viagens. Existiram reuniões. Fecharam-se contractos com estabelecimentos de diversão nocturna. Planearam-se excursões. Enfim, fez-se um plano de férias. Até aqui tudo bem. O problema é que "ofereceram" o produto " Algarve" e a marca “Albufeira” por uns míseros 700 euros/semana com base no “tudo incluído”. Ora, ao praticar estes preços, desvalorizaram o nosso produto. Isto é um erro estratégico! Qual é a intervenção que as autarquias devem ter neste tipo de visão? Rigorosamente nenhuma, pela simples razão que excede o foro das suas competências. São os empresários que devem escolher qual é o tipo de turista que querem.Ponto final. E aqui o discernimento não foi o melhor. Como é que podemos defender com todas as nossas forças um Algarve próximo do que se faz em Nice, Marselha, Saint Tropez, Sardenha, Miami, Florianópolis, Ibiza, entre outros, quando depois direccionamos a nossa oferta para este tipo de cliente? Não se pode, evidentemente. Há empresários algarvios que assumem em fóruns, em discussões públicas, esta vontade de mudar para melhor. Concordo plenamente. O problema é que muitos deles fazem-me lembrar aquelas salas de aulas da primeira classe onde a Professora pergunta se todos entenderam a lição e todos, sim, todos, respondem em uníssono "sim, senhora professora". Qual é o problema? Quando saem da sala de aula, cada um segue o caminho. Começam a congeminar como é que se baixa o preço do quarto para ser mais competitivo do que o vizinho. Oferecem uma refeição a 3 euros porque o empresário do lado vende a 5 euros. Um copo de Whisky é vendido a 4 euros, até que o vizinho passe para os 3 euros, para que depois o passe a "oferecer" a 2 euros. Oferecem o transfer do aeroporto. Oferecem alojamento às crianças. Oferecem o vinho ao jantar. Oferecem a sobremesa ao almoço. Oferecem, oferecem, oferecem. Obviamente, tudo com o carimbo low cost. Ou seja, ao diminuir-se a qualidade da oferta, diminui-se também a qualidade do consumidor. Diminuindo-se a qualidade do consumidor, aumentam os problemas. Enfim, estes são os empresários que vivem inebriados com uma posição que é egoísta e que em nada defende os interesses do Algarve. Coloco no mesmo saco todos aqueles que defendem o sistema "tudo incluído" para o Algarve. O “all inclusive” e os “ cheap deals” são hoje uns parasitas da região e das suas gentes. Bom, nem todos. Posso até defender/defender aqueles resorts que se encontram a 10/15 km das povoações mais próximas. Agora, aqueles que ficam paredes meias com localidades algarvias deviam ser proibidos de exercer a sua actividade. Nós não estamos na Republica Dominicana, nem no México, onde os resorts são construídos do meio do nada e onde a segurança é um problema grave, não existindo acesso directo a serviços e bens mais elementares. Definitivamente não. Estamos, isso sim, num dos melhores sítios do mundo para viver e passar férias. A propósito da segurança, aproveito para lançar o segundo pilar. Há cerca de um mês tive a oportunidade de discorrer aqui sobre “a segurança endógena no Algarve”. O que aconteceu em Albufeira está intrinsecamente ligado àquilo que escrevi. Ou seja, como é que queremos impor a autoridade do Estado com meia dúzia de polícias de intervenção? Quando é o Governo entende que o Verão chega ao Algarve em Abril, e não em Junho? Verdade seja dita, muito fizeram aqueles homens que conseguiram manter a segurança e ordem pública face a uma multidão de 600 pessoas. Os distúrbios teriam acontecido se o efectivo policial fosse maior? Provavelmente, não. Temos urgentemente que mudar o paradigma e apontar as baterias para um novo tipo de mercado. Um mercado baseado na qualidade. Ele existe. Basta perguntar aos milhões de turistas que todos anos gastam biliões de euros em Ibiza, Marbelha, Mykonos, Nice, Miami, Florianopolis, Punta del Este, etc. Sinceramente, o Algarve não fica atrás destes destinos. Aliás, na minha singela opinião, temos capacidade para nos tornarmos um destino turístico de excelência a nível mundial, com capacidade de ombrear com aquilo que de melhor se oferece lá fora. Basta que todos apontem na mesma direcção. A opção B é tornarmo-nos apenas mais um destino de sol e praia. Deixo a questão: qual é o Algarve que os senhores empresários querem para o futuro? Nota final: Espero que sejam poucos os empresários algarvios que se identifiquem com aquilo que acabei de escrever. Quanto aos outros, se faz favor, mudem o paradigma de “low cost” para “high quality”. O Algarve agradece.
2 Comentários
Carlos Félix
6/7/2017 00:43:44
Concordo com a tua análise Cristiano, mas quando praticamente existe um monopólio instalado, torna-se irrisório falar e comparar a nossa terra com outras com um nome e uma qualidade já bem definidas! O que agora se comprovou, e já vários indícios o previam, faz anos...., teve que ser suficiente grave para aparecerem as politiquices do povinho!!! A autarquia tem o dever de defender a sua população e comercio local!! Quem está minimamente atento já sabia desta invasão dos ditos ... blacks dos tais bairros problemáticos... tretas!! É dever da Autarquia preparar e saber receber esta gente, proponho-te um desafio... Um carrinho de bébé a percorrer a rua da Oura sem ter que entrar na estrada!!! A Autarquia tem responsabilidades SIM!!! Assumam o vosso papel!!!
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Cristiano CABRITA
7/7/2017 12:37:50
Carlos, em primeiro lugar, obrigado pelo comentário. É sinal que as pessoas estão atentas. Depois, para dizer que falo em nome próprio. Não sou político, nem foi eleito para qualquer cargo público. Não falo em nome da autarquia, aliás, nunca o fiz. Sou um simples funcionário público, nada mais. Faço-o como albufeirense que vive a sua cidade, e aqui, caro amigo, sou intransigente.
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