Por Luís Coelho Estou cada vez mais convencido de que o Lugar ao Sul é lido pelas mais altas instâncias deste País. De facto, não são poucas as vezes que noto uma reacção do poder central a escritos que publicamos no nosso singelo espaço de reflexão virado para o mundo. O último exemplo prende-se com a questão demográfica e a reposta de Costa ao nosso “chamamento”. Brincadeirinha, claro.
No entanto, a verdade é que há apenas algumas semanas atrás escrevi sobre o desafio da demografia, discorrendo sobre as potenciais consequências desta questão para o nosso futuro colectivo e apontando algumas soluções possíveis (ver aqui). Em particular, argumentava que devíamos fazer um esforço para trazer de volta o talento que saiu do País durante o período entre 2011 e 2016. O racional é que muitos dos nossos emigrantes deste período são jovens qualificados que, caso desejem regressar, podem ajudar a criar valor na economia e, sobretudo, assegurar a paternidade de parte da nova geração de Lusitanos. Vai daí e Costa decide dar uma expressão concreta ao assunto, anunciando em plena festa de rentrée socialista um pacote de incentivos que, presumivelmente, ficará disponível no Orçamento do Estado de 2019. Pelo que consegui apurar, as medidas finais ainda não estão fechadas mas o que se conhece já dá para ter uma ideia do que poderá vir a estar em causa. Em particular, Costa anunciou que “no próximo Orçamento do Estado iremos propor que todos aqueles que queiram regressar, jovens ou menos jovens, mais qualificados ou menos qualificados, mas que tenham partido nos últimos anos e queiram regressar entre 2019 e 2020 a Portugal, fiquem, durante três a cinco anos, a pagar metade da taxa do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) que pagariam, podendo ainda deduzir integralmente os custos da sua reinstalação” (ver aqui). Segundo o secretário-geral do PS, estas medidas visam criar a oportunidade para que estes Portugueses possam voltar e assim colocar ao serviço do País toda a sua energia, força e conhecimento. Rematou dando o exemplo do Tiago Brandão Rodrigues, jovem investigador de Cambridge que aceitou regressar ao País para, nas palavras de Costa, se tornar num “excelente Ministro da Educação” (confesso uma certa curiosidade em perceber como é que os Professores do Ensino Secundário e muitas famílias Portuguesas classificam a adjectivação utilizada pelo primeiro-ministro). Ora, na teoria, as medidas apresentadas são interessantes. O problema é a sua aplicação prática por força de pelo menos três aspectos. O primeiro prende-se com a falta de novidade da iniciativa anunciada por Costa. De facto, a fiscalidade nacional já tem disposições que facilitam o regresso de emigrantes ao País. Em particular, um regime especial criado em 2009 e revisto em 2013 permite a quem passou pelo menos cinco anos fora de Portugal regressar pagando uma taxa de IRS fixa de 20% sobre rendimentos provenientes de actividades consideradas de elevado valor acrescentado (engenheiro, médico, professor universitário, etc), situação que se manterá por um período de 10 anos consecutivos (ver aqui). Assim, o que Costa pretende fazer é, na verdade, uma revisão do que já existe: alarga-se o universo dos potenciais abrangidos pela medida, altera-se a taxa de IRS, o período pelo qual o beneficiário pode usufruir do regime especial e juntam-se mais algumas minudências como a dedução dos custos de realocação. O segundo aspecto é a profunda iniquidade que as medidas encerram. De facto, quem emigrou depois de 2016 fica excluído do anúncio de Costa. Dir-se-á: só até 2015 é que as pessoas foram obrigadas a sair de Portugal já que todos os que emigraram depois fizeram-no por outra qualquer motivação na medida em que o País seguramente lhes foi capaz de oferecer tudo o que poderiam desejar. Infelizmente esta linha de argumentação não é séria. Ainda no início de 2018 a SIC passava uma reportagem onde se mostrava que a maioria dos jovens não consegue comprar ou arrendar casa por conta dos baixos salários e da precariedade dos empregos disponíveis (ver aqui). Da mesma forma, notícias saídas em Maio desse ano sugerem que 2,4 milhões de Portugueses enfrentam risco de pobreza, dos quais cerca de meio milhão são jovens com menos de 18 anos (ver aqui). Estes são só dois exemplos (tristes) que mostram que o Português médio ainda não vive no País das Maravilhas que, às vezes, os (des)governantes deste País parecem idealizar. Há, pois, muitas razões para continuar a emigrar pelo que, talvez em 2025 tenhamos de fazer um novo pacote “Regressem” mas agora para o período 2016-2019. Já agora, a iniquidade de que falo é ainda mais visível quando se considera os que por cá ficaram a trabalhar apesar da crise. Imagino que esses não se esqueçam da enorme perda de qualidade de vida que sofreram. Desde logo, por conta do brutal aumento de impostos – directos e indirectos - que tiveram de suportar. Há ainda os cortes nominais de rendimento e/ou a perda de muitos empregos. A degradação dos serviços públicos, nomeadamente na área da Saúde e da Justiça. Foram também muitos os que passaram necessidades, perdendo a sua casa e, até, experimentando a fome. Estou certo que nenhum político conseguirá explicar a estes Portugueses que não merecem exactamente o mesmo tratamento por parte do Estado do que os compatriotas que, legitimamente, emigraram à procura de melhor qualidade de vida. Tal não é possível. Nem hoje, nem nunca. O último aspecto que gostaria de mencionar prende-se com a previsível falta de eficácia da medida. Como já referi, hoje em dia existem mecanismos para tornar o regresso dos emigrantes relativamente simpático do ponto de vista do IRS. Apesar disso, que eu tenha notado, não existem filas de Portugueses a pedir de joelhos para voltar ao Burgo. A razão é simples. Apesar do mundo fantasiado em que a política portuguesa parece viver, a verdade é que pouco mudou entre o período da crise e os dias de hoje. Notem, não é possível negar que houve progressos - e ainda bem que os houve. Agora, o País continua a oferecer basicamente o mesmo aos que não têm um cartão partidário ou algo similar no bolso. A saber: precariedade, baixos salários, péssimos serviços públicos, impostos elevados e muita dívida pública por pagar. Junta-se, claro, o fenómeno da corrupção (veja-se o que veio recentemente a público no caso de Pedrogão – uma verdadeira vergonha para todos) e temos todos os ingredientes para, quiçá, começar a pensar no programa “Por favor não emigrem” em vez daquele que foi recentemente anunciado por Costa.
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