Por Gonçalo Duarte Gomes Houve um tempo em que o acesso à internet não se pagava. Era-nos oferecido em superfícies comerciais, nas Semanas Académicas, espalhado por cima de mesas e balcões de cafés, em todo o lado. Bastava estender a mão, agarrar um CD de uma qualquer prestadora de serviços de acesso online, ir para casa, instalar, e fazer aquilo que, na altura, se podia chamar de “navegar” na internet, através dos nossos então barulhentos modems. Em boa verdade, flutuava-se, ao sabor de uma maré suave ou, em dias bons, empurrados por uma brisa ligeira. E se alguém levantasse o auscultador de um outro telefone na casa, lá se acabava a festa. Mas depois quisemos mais… E tivemos.
Mais, muito mais. E dispusemo-nos a pagar por isso. Passámos de uma curiosidade marginal para a expressão de um tempo, para o alicerce sobre o qual se constrói a maior parte da comunicação pessoal, comercial e institucional. Construímos a Era do Conhecimento, e a ela nos entregámos de alma e coração, fazendo dela uma ferramenta de alcance ímpar na História. Como qualquer ferramenta, os seus resultados dependem da utilização que dela é feita. Sem querer aqui discorrer sobre os malefícios e benefícios deste modelo que vamos construindo, literalmente a partir de objectos são pequenos e quotidianos que os transportamos nos nossos bolsos, parece-me importante assinalar o dia de ontem. Ontem, Quinta-feira, 14 de Dezembro de 2017, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos da América, entidade reguladora das comunicações, deliberou o fim da neutralidade da rede naquele país. Isto quer dizer, de forma muito simplista, que as operadoras de telecomunicações norte-americanas passam a poder vender pacotes de Internet que fazem depender o acesso a determinados conteúdos do pagamento de um valor especificamente associado. No fundo, a aplicação da lógica dos pacotes de TV à realidade cibernética, acabando com o regime de liberdade total de acesso a informação que tem caracterizado a internet que conhecemos. Neste momento, e com base na informação disponível, não ouso tecer qualquer juízo de valor ou previsão de impacto futuro desta medida, principalmente por incapacidade. Até porque já tivemos net de borla, mas aceitámos evoluir para um serviço pago. Mas parece ser um momento importante na definição da internet que doravante conheceremos. Principalmente porque estamos num quadro de predomínio da questões económico-financeiras sobre tudo o resto, e especificamente de relações EUA – União Europeia marcado pela vigência (ainda que provisória) do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement, ou Acordo Económico e Comercial Global), que basicamente garante às empresas com sede no Canadá (que quase todas as grandes empresas dos EUA possuem também), numa base tendencial, o usufruto dos mesmos direitos na Europa, concretamente ao nível das políticas de regulação. Seria bom que este momento gerasse então uma reflexão alargada, para evitarmos correr o risco de, dominados por uma húbris geracional ampliada por uma largura de banda brutal e por uma circulação de informação sem paralelo na História, nos termos tornado voluntariamente cegos para realidades que se vão desenhando diante de nós mas que, por contrariarem os nossos sonhos, recusamos ver. Fica o apelo ao pensamento e esclarecimento de mentes mais avalizadas na matéria. Como em qualquer viagem em que a velocidade é grande, passa-nos muita coisa diante dos olhos, mas acabamos por ver muito pouco. Que a nossa fé cega nas novas tecnologias, e na relativização e desenraizamento de tudo, não nos atraia para uma armadilha distópica que, em boa verdade, já pareceu bem mais distante. Afinal de contas, houve um tempo em que o acesso à internet não se pagava... Se entretanto não nos lermos, deixo desde já votos de um Feliz Natal, junto daqueles que vos fazem felizes.
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