Por Anabela Afonso Num país que deixa morrer todos os anos, em média, uma mulher a cada quinze dias, já todos vimos como é fácil saltar da indignação do número de mulheres brutalmente assassinadas, para o número de golos da jornada. Ainda 2019 vai a ganhar balanço e são já 10 as mulheres (entre elas uma menina de 3 anos) assassinadas em contexto de violência doméstica. Sabemos que não são só as mulheres as vítimas de violência doméstica mas, infelizmente, os números mostram que são elas, na esmagadora maioria dos casos, as vítimas mortais.
Imagino que muitos leitores ao se depararem com o título abriram o link convencidos de que iriam ler uma crónica sobre a histórica jornada futebolística deste passado fim de semana. Lamento desapontá-los. Esta não é uma crónica sobre futebol. Ou talvez seja. Como acontece tantas vezes, depois de uma semana de indignação incontida contra a violência latente dentro dos lares portugueses, basta um fim-de-semana de golos para tudo esquecer e voltar à pacata normalidade. Seria bom que desta vez fosse diferente. Mas duvido. Num país que deixa morrer todos os anos, em média, uma mulher a cada quinze dias, já todos vimos como é fácil saltar da indignação do número de mulheres brutalmente assassinadas, para o número de golos da jornada. Não sei, por isso, o que precisamos mais de fazer, dizer, inventar, para que a chacina acabe. Dada a minha falta de palavras para competir com tanto golo, quero só deixar as palavras de alguém que, pelos vistos, tem muito o que dizer sobre esta questão de violência doméstica, e cujas palavras, pelos vistos, não foram suficientemente lidas. Se tivessem sido, este senhor já não estaria a exercer nos tribunais portugueses. Deixo-vos com o famoso excerto do acórdão do Juiz Neto de Moura, cuja leitura atenta recomendo, para se perceber porque contam mais, neste país, 10 golos numa jornada, do que 10 mulheres assassinadas. Boa leitura! «Este caso está longe de ter a gravidade com que, geralmente, se apresentam os casos de maus tratos no quadro da violência doméstica. Por outro lado, a conduta do arguido ocorreu num contexto de adultério praticado pela assistente. Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 72.0) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse. Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida. Por isso, pela acentuada diminuição da culpa e pelo arrependimento genuíno, podia ter sido ponderada uma atenuação especial da pena para o arguido X. As penas mostram-se ajustadas, na sua fixação, o tribunal respeitou os critérios legais e não há razão para temer a frustração das expectativas comunitárias na validade das normas violadas.» Negritos e sublinhados meus.
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