Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

E uma vacina para o turismo?

21/4/2017

0 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Pois é. Nem travões, nem estradas. No que diz respeito ao turismo, aqui o menino atanchava era com uma vacina para a coisa, bem na bochecha do rabiosque do Algarve, só assim por causa das tosses.

Camilo Castelo Branco bem se poderia ter inspirado na relação entre a nossa região e o turismo para escrever "Amor de Perdição". Isto porque, no limite, a paixão entre este canto à beira-mar estragado e as hordas de meias brancas em sandálias é toda uma novela que, peripécia após peripécia, se encaminha para uma tragédia romântica em que os amantes se amam, perdem-se, e morrem amando.

​Um tal amor escalpeliza-se com recurso às palavras de Manel Cruz, imortalizadas pela voz de Vítor Espadinha no arrepiante epílogo da balada “Ouvi dizer”, dos saudosos Ornatos Violeta: 
​
A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! ora doce!
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!

​Ora para uma doença deste calibre, uma vacina é o melhor remédio.
Imagem
Antes de tudo o resto, impõe-se lembrar que a culpa desta saudável lavagem de roupa suja, no preciso dia em que se comemoram os 25 anos dos cursos de Gestão Hoteleira e Turismo da Universidade do Algarve, é do Luís Coelho e do Bruno Inácio, que, com os seus textos desta semana neste Lugar, resolveram questionar a vaca sagrada do Algarve. Ora, se há bitoques difíceis de mastigar, este é um desses casos.

Confesso-me mais próximo da visão do Luís, defendendo desde há muito a necessidade de refrear a euforia turística que, juntamente com a água do banho, deita fora o bebé, e centrar o discurso numa região equilibrada, onde quem não está engajado nos campos de trabalho turístico também possa viver, com sonhos e legítimas aspirações.

Em boa verdade, discordo da perspectiva do Bruno, na reclamação de investimento público para o turismo do Algarve. Porque, nesse capítulo, o Estado já abonou o Algarve muito para lá do razoável. A começar no desordenamento do território, em que ao turismo foi dado uma condescendente e embevecida carta branca estatal para todas as tropelias e vilanias e a terminar nas mais-valias decorrentes das transformações fundiárias e operações urbanísticas de toda a “indústria turística” (termo curioso, num sector que tem paulatina e autofagicamente destruído as matérias-primas naturais e culturais, não renováveis) que foram direitinhas para bolsos particulares, enquanto os custos da sua infra-estruturação e manutenção caem que nem bombas anuais nos orçamentos públicos e nos bolsos dos residentes, que pagam todo o ano a folia de alguns durante alguns meses. Ora esta já longa cadeia de privatização dos proveitos com base na socialização dos encargos é, em si, uma benesse que é dada ao turismo e que, devidamente contabilizada, deve dar um subsídio engraçadito.

Além do mais, um sector que reclama para si a pujança de que o turismo algarvio se gaba, não precisa de ajudas. Estará é (felizmente), muito pelo contrário, em posição de estender uma solidária mão de ajuda à região em que se insere.

Ou será que, na verdade, não há é cobras que cheguem para tanto vendedor da sua banha?

Talvez o problema esteja na confusão entre receitas e desenvolvimento económico. O Algarve realmente gera receita turística. Mas, a julgar pelos restantes indicadores da região, essa receita não se converte em investimento no pleno desenvolvimento da região – economicamente blasfemando, e com a liberdade artística que a ignorância desculpa, há aqui uma deriva da curva de Lorenz para longe da recta.

Talvez porque o modelo vigente, que permite ao turismo colocar-se pairando, qual deus no seu Olimpo, acima da região, seja precisamente o busílis da questão. Enquanto a região apenas interessar e fizer sentido como consumível do turismo, e não o contrário, leia-se o turismo como mais uma de muitas actividades ao serviço do progresso da região, a porca não arredará pata das couves.

E talvez por isso o Estado não invista realmente no Algarve, e onde devia. Se gera a fartazana de graveto que alardeia, para quê investir na adaptação do sector primário de modo a torná-lo atractivo e a servir de base de suporte ao abastecimento regional? No Algarve até ofenderá comer algo não importado! Para quê investir nos transportes públicos de modo a permitir a mobilidade física que potencia a mobilidade social? Passes e autocarros são coisa de gente pobre, e os algarvios têm todos um Ferrari à porta – de tal modo que bom mesmo é sangrá-los com as portagens na Via do Infante! Para quê investir nos equipamentos de saúde, se toda a gente a Sul tem médico particular? Para quê perder tempo e dinheiro a investir na criação de condições atraentes para a fixação de investimentos em sectores económicos reprodutivos, menos dependentes dos humores e caprichos alheios, se todos nadam, quais Tios Patinhas, em piscinas de carcanhol?

No meio de tanto talvez, uma certeza: não vivemos no El Dorado que o turismo sempre prometeu.

Pior. Aos sonhos perdidos juntou-se uma realidade perversa. Porque, justamente, de há muito tempo a esta parte, entrámos num pastoso paradoxo, em que o “nosso” turismo é um corpo estranho, que empurra a identidade do Algarve para a condição de marginal, esmagando e apagando os seus traços característicos, sem espaço ou tempo num tempo de geografia genérica.

De tanto querer agradar e fazer sentir em casa, deixamos de ser nós para tentar ser eles. Já o escrevi antes e repito: quanto mais genérico e incaracterístico for o Algarve, mais descartável se tornará. Esta gentrificação de larga escala, que sacrifica e esgota a utilidade dos autóctones no serviço que possam prestar aos alóctones, em breve condenará a alma algarvia a ser mais um Maio, inexpressivo e mudo, na beira da estrada, servindo apenas para decorar e uma ou outra selfie.

O turismo é, de facto, uma doença de amor. Mais, viajar ou receber viajantes, conhecer e contactar outras realidades e modos de vida, é viciante. Controlando a sua febre, é um exercício de diálogo, convivência e aprendizagem que propicia o desenvolvimento económico e humano, a evolução e progresso da região.

Por isso mesmo, uma vacina. Uma que não nos imunize completamente ao turismo. Mas antes que nos dote dos anticorpos necessários para resistir equilibradamente à sua infecção, sobreviver-lhe, e disso sair mais forte, mais resistente, mais saudável.

Porque o que não mata, engorda.
0 Comments



Leave a Reply.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    All
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    October 2021
    September 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    December 2020
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    August 2020
    July 2020
    June 2020
    May 2020
    April 2020
    March 2020
    February 2020
    January 2020
    December 2019
    November 2019
    October 2019
    September 2019
    August 2019
    July 2019
    June 2019
    May 2019
    April 2019
    March 2019
    February 2019
    January 2019
    December 2018
    November 2018
    October 2018
    September 2018
    August 2018
    July 2018
    June 2018
    May 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016

    RSS Feed

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen
Powered by Create your own unique website with customizable templates.