Por Luís Coelho. Bem sei que o título que escolhi para o meu apontamento semanal não me vai trazer muitos amigos. De facto, o Algarve é turismo como comprovam todos os estudos sobre a economia regional. Acresce que o discurso pró-turismo é o apanágio da quase totalidade dos responsáveis políticos da região, bem como dos nossos opinion-makers, bloggers e afins. Mas… Será que o turismo é mesmo bom para os que cá vivem? Inspiremo-nos no caso de Barcelona. Notícia vinda a público no passado dia 15 de Abril revela que 48.9% da população residente na pitoresca cidade Catalã acredita que esta não tem capacidade para receber mais turistas. Pelo contrário, 47.5% dos inquiridos defende que o turismo ainda tem espaço para crescer na cidade. Esta divisão de opiniões é novidade para aqueles lados. De facto, em 2012, um estudo similar revelou que, à data, 70% dos inquiridos eram favoráveis à criação de estratégias que permitissem atrair mais turistas. Intrigado, tentei perceber as queixas actuais dos nuestros hermanos. Uma procura rápida revelou várias notícias publicadas na imprensa espanhola no início deste ano que resumiam uma lista (esperada, diria eu) de questões que merecem reparo dos de can fanga (i.e., habitantes de Barcelona). À cabeça aparece o tema do acesso à habitação. Em particular, a partir de 2000, o fenómeno do alojamento local (AL) provocou um problema gigantesco a todos os que querem viver e trabalhar em Barcelona. De 800 fogos, localizados em partes bem definidas da cidade, o AL espalhou-se como uma praga. Vai daí e, neste momento, existem na cidade mais de 20.000 fogos registados para esta finalidade. Segundo a Plataforma de Afectados por la Hipoteca, esta expansão do AL empurrou famílias inteiras para a periferia de Barcelona. De facto, hoje é praticamente impossível encontrar casa para arrendar nos locais mais centrais (e turísticos) da cidade e as poucas que estão disponíveis têm rendas proibitivas para a classe média. Os problemas elencados pelos habitantes de Barcelona não se ficam por aqui. Muitos denunciam a pressão que existe para alocar terrenos à construção de hotéis. De acordo com a minha pesquisa, o texto actual do Plan Especial Urbanístico de Alojamento Turístico de Barcelona prevê a construção de 80 a 120 novos hotéis na cidade. Naturalmente, a especulação imobiliária faz-se sentir, com os preços dos terrenos a aumentarem muito consideravelmente. Como resultado, é quase impossível construir novos fogos a preços razoáveis para os que querem residir na cidade. Um outro aspecto que merece reparo prende-se com o forte impacto ambiental do turismo em Barcelona. A necessidade de criar infraestruturas de apoio é enorme, o que aumenta consideravelmente a volumetria de construção necessária. Há, também, a questão do tráfego automóvel que começa a ser um verdadeiro problema. Isto para já não falar do aumento do preço de tudo o que se vende na cidade: supermercados, restaurantes, lojas de roupa e tudo o que possam imaginar reflectem (e bem) o efeito da procura adicional no preço dos produtos que comercializam. Claro, nem tudo é mau. Muitos empregos na cidade dependem do turismo. Este também dá notoriedade à cidade e à região da Catalunha, algo que se constituí como um importante capital político que cai bem aos olhos daqueles que sonham com uma Espanha onde não se fale o Catalão.
O que podemos então aprender com Barcelona? Bom, o Algarve não é uma cidade pelo que os efeitos do turismo não são tão concentrados como no caso da capital Catalã. Ainda assim, penso que todos reconhecem o impacto que o turismo tem nos preços que pagamos pelos bens e serviços que consumimos no Algarve. Por outro lado, é um facto que a região se vê na contingência de fazer um esforço de investimento público muito avultado para criar e manter a infraestrutura necessária ao acolhimento dos milhões de turistas que nos procuram. Este é um aspecto que a generalidade dos Algarvios desconhece ou desvaloriza. No entanto, o mesmo reveste-se de outra intensidade quando o vemos reflectido nos impostos e taxas que habitualmente pagamos... O efeito perverso do AL é, também, uma realidade no Algarve. São muitos os exemplos que demonstram o quão difícil é neste momento encontrar uma solução de arrendamento em Faro, Loulé ou Quarteira. De facto, a procura elevada por parte daqueles que nos visitam e a fiscalidade relativamente simpática levaram a que muitos proprietários de imóveis (e bem) abandonassem o negócio mais tradicional de arrendamento de longo-prazo para se tornarem mini-hoteleiros. Finalmente, o mercado imobiliário começa também a dar sinais de estar a voltar aos bons velhos tempos. Ainda este mês dados trabalhados pelo Confidencial Imobiliário revelam que o concelho de Faro teve a segunda maior valorização imobiliária do país logo atrás de… Lisboa, que como sabemos, é um caso de vibe turístico extraordinário. Para quem tem terrenos ou imobiliário estas são excelentes notícias. Já para os que procuram comprar casa a situação complica-se. Nota final. Sou um crítico confesso da monocultura do turismo que domina o algarve. De facto, penso que a região tem de fazer um esforço sério e continuado para diversificar a sua base económica, partindo para um posicionamento na cadeia de valor que deixe mais no Algarve. Só isto permitirá atrair outro tipo de empresas e emprego mais qualificado, melhor remunerado e mais estável. Só isto permitirá mitigar risco que resulta da exposição ao mood da procura turística mundial, que hoje joga a nosso favor muito por conta dos infelizes acontecimentos que vão afectando destinos turísticos concorrentes. Reconheço, no entanto, que o turismo terá sempre um papel importante na região e que seria um erro monumental e indesculpável se o maltratássemos agora, depois de tanto esforço e investimento. Ainda assim, estou convicto de que a região ficará melhor se o turismo for apenas o ponto de partida para um modelo de desenvolvimento económico mais rico e diversificado. Para mim, a alternativa é, daqui a uns anos, termos a população residente a pensar como a maioria dos de can fanga.
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