Por Gonçalo Duarte Gomes Cumpre-se amanhã o dia de reflexão que antecede a ida às urnas dos cidadãos, para depósito dos três boletins de votos que ditarão a escolha das pessoas que orientarão os destinos dos municípios portugueses, durante os próximos quatro anos. O dia de reflexão serve para as pessoas terem um descanso da barrigada de promessas que o período eleitoral traz, permitindo a sua digestão, com calma, num período de trégua. Ora, face aos novos tempos, em que os canais de comunicação proliferam e operam com frenesim, 24 sobre 24 horas, são pessoais, personalizados e (quase) intransmissíveis e, acima de tudo, chegam a tudo e todos, estamos perante um arcaísmo eleitoral. Mas a obsolescência do dia de reflexão corre cada vez mais o risco de ter uma outra faceta. Porque, num dia em que terminam as duas semanas de campanha (pelo menos oficial, porque nos meses antes, a campanha que se fazia era uma não-campanha), será que o esforço dos candidatos, e o conteúdo dos respectivos programas, deixa alguma semente de pensamento nos eleitores, merecedora de qualquer reflexão? No Algarve, são 16 os Municípios que vão a votos, numa região que, embora raramente fale internamente, só faz sentido se entendida como um conjunto.
Numa percepção – e apenas isso – muito pessoal, fica a sensação de que as preocupações para estas eleições autárquicas não passaram por uma discussão real de futuro. Esgrimiram-se ofertas para tentar seduzir votos, mas sempre, e apenas, centradas nos “umbigos” municipais. Talvez deve ser assim, e nada mais do que assim. Provavelmente, uma discussão em termos mais alargados diria muito pouco aos eleitores de cada cubículo camarário. Mas fica sempre a sensação de que estes momentos são oportunidades perdidas para construir um pensamento mais articulado na região, num adiamento perpétuo de uma conversa que, inevitavelmente, terá que ocorrer. Seria bom que fosse feita entre candidatos, cujo pensamento e discurso é sempre muito mais aberto do que depois, já convertidos em titulares de cargos decisórios, com toda a carga de responsabilidade e compromisso que implicam. Numa insatisfação novamente muito pessoal, fica a ideia de questões como a paisagem e os desafios que sintetiza (desde a água ao ordenamento do território, passando pela habitação, gestão de risco ou economia) terem estado completamente ausentes. Podem até ter marcado presença no discurso, mas sem real substância. Porque isso significaria pensar cada município na relação com os restantes. Como se fala de adaptação às alterações climáticas, sem pensar as estruturas biofísicas no seu todo, percebendo que a ribeira que aqui desagua pode atravessar dois ou três concelhos a montante? Como se pode contribuir para a gestão da ocupação litoral, se municípios vizinhos não articulam opções que façam sentido no quadro das dinâmicas dos troços litorais? Como se pensa a revitalização dos territórios interiores sem abarcar a totalidade dos montes e vales que perfazem uma serra, espartilhando o pensamento na artificialidade dos limites administrativos? Como se discute a mobilidade sem juntar à mesa origens, destinos e percursos intermunicipais, olhando de forma integrada para questões como infra-estruturas, habitação e emprego, em cada um deles e no seu conjunto? Parece que vamos ter que nos ficar por um “a ver vamos”. Seja como for, no Domingo votem. O cardápio tem algo para toda, mas mesmo toda, a gente. Para os que acreditam na candidata fulana ou no candidato sicrano. Para os que, de forma clubística, sempre votaram naquele, para os que querem experimentar o outro. Tem até solução para os que não acreditam em ninguém ou em nenhum, bastando deixar o boletim em branco. Só não encontra lá escolha quem não quiser saber do futuro. Mas lembre-se depois de que também isso é uma escolha.
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