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(des)POVOAMENTO DO INTERIOR E FLORESTA, reflexos de uma lei, desajustada ao nosso Algarve

16/11/2019

4 Comments

 

Quem manda é o MAPA!
Por Filomena Pascoal Sintra

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@ Fernão Gil, Odeleite, Castro Marim, Algarve, 2019
​O ano 2017, marcado por mais de uma centena de mortes resultantes dos incêndios, terá registado quatro vezes mais de área ardida que a média registada nos dez anos anteriores, cerca de 440.000 hectares. Da globalidade ardida nos últimos 10 anos, 34% terão sido em 2017.

Havia que alterar a lei e forçar medidas. O aviso ao país foi dramático e sério.  A tristeza latente nos governantes e em todos nós que assistimos, levou-nos a aceitar tudo o que pudesse parecer melhor.

De forma imediata e impositiva aprova-se a  Lei n.º 76/2017, de 17 de Agosto, e altera-se o Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, procedendo à quinta alteração do Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho.

Já em 2006, também em reacção aos fogos de 2004 e 2005, se publicara o decreto mãe, com conceitos, orientações, medidas e imposições, vertidas agora para a Lei 76/2017.
A partir de então, passaram a estar definidos critérios de classificação de risco espacial de incêndio em Portugal continental, que assentam na determinação da probabilidade de ocorrência de incêndio florestal, e assim estabelecido um mapa de zonamento do continente, segundo as seguintes classes:
         Classe I — muito baixa;
         Classe II — baixa;
         Classe III — média;
         Classe IV — alta;
         Classe V — muito alta.

Estes critérios de classificação baseiam-se, entre outros, na informação histórica sobre a ocorrência de incêndios florestais, ocupação do solo, orografia, clima e demografia e com eles, transpostos para uma aplicação de cálculo. É assim, elaborada uma carta de risco, anualmente, de onde sai para o país, um mapeamento a 5 cores: zonas de muito baixo risco a muito alto risco.

Define-se também distinto conceito para aglomerado populacional para efeito da defesa da floresta contra incêndios, em relação àquele que preconizam os Planos Diretores Municipais, o que por si vem trazer necessidade de harmonização.

Mas é, em 2017, que sem saber, o dito mapa, se torna o todo poderoso! Parecemos entrar na governação da era da inteligência artificial… 
                  http://www2.icnf.pt/portal/florestas/dfci/inc/cartografia/cartografia-risco-classes-perigosidade

Em 2017, com a tragédia, que se força a alteração da lei, mantendo-se os conceitos e os princípios, impõe-se nova conduta, e determina-se sanção pesada para os Municípios, que de repente passam a ser os responsáveis de tudo o que o Estado não conseguiu fazer em décadas.


Num só artigo, artigo 16.º, proclamam-se medidas duras sobre o planeamento futuro do território, esquecendo a história e a vivência no espaço, e os investimentos públicos preconizados durante anos, como se não houvesse presente, nem tivesse aquele lugar uma pertença.

No Algarve, a transposição das medidas torna-se assustadora… Cá, o tipo de assentamento do lugarejo, disperso por todo o interior, e a pintura generalizada do Mapa a vermelho e laranja, traz ainda mais restrições à reabilitação de casas ou ruínas dispersas ou conexas ao lugar.

A nova lei traduz que:
  • Fora das áreas edificadas consolidadas não é permitida a construção de novos edifícios ou a ampliação de edifícios existentes, nas áreas classificadas na cartografia de perigosidade de incêndio rural definida no PMDFCI como de alta e muito alta perigosidade. 
  • A construção de novos edifícios ou a ampliação de edifícios existentes apenas são permitidas fora das áreas edificadas consolidadas, nas áreas classificadas na cartografia de perigosidade de incêndio rural definida em PMDFCI como de média, baixa e muito baixa perigosidade, desde que se cumpram, cumulativamente, um conjunto de condicionalismos.         

À partida, tudo faria sentido, não fosse o dito Mapa!  Um Mapa que cruza dados aritméticos e define áreas em função da perigosidade. Este ano uma, amanhã outra, que pode ser bem diferente da de ontem.
Permitam-me particularizar com um exemplo, escolhido entre muitos. Fernão Gil, é um pequeno lugar, ancestral, situado na freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, por bons motivos conhecido nas cartas de Estácio da Veiga, onde vivem algumas pessoas, e onde só agora, a dias, chega água potável da rede de abastecimento de água, a nascer na barragem de Odeleite, que ali tão perto, em décadas só abastece o outro Algarve.

A caso, fosse mais um lugar, longínquo, igual a muitos outros, que muitos de nós apreciamos nas nossas passageiras contemplações, ditado ao abandono, aquele a que nos resignámos, como se essa fosse a sina do nosso Algarve interior, até poderia hipocritamente continuar a aplaudir discursos de combate à desertificação.

Aqui, em Fernão Gil, um jovem, nascido, criado, e pelo lugar apaixonado, pretende desenvolver um Turismo Rural, nesta casa bonita para a fotografia, mas ao que parece, crucificada pelo Mapa… 
Imagem
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Figura 4 - Mapa de Perigosidade sobreposto - Fernão Gil 
Figura 5 - Mapa de Perigosidade sobreposto apenas Risco Elevado e Muito Elevado  - Fernão Gil 


No caso apresentado, como noutros, é mais perigoso as zonas que se sobrepõem ao aglomerado, do que o canavial da zona da ribeira. E se o “perigo do mapa” sobreposto ao lugarejo, for elevado ou muito elevado, onde se investiram milhões de euros, para fazer chegar água potável, electricidade, vias de comunicação, simplesmente não é admissível qualquer ampliação ou construção. Tão pouco um pequeno alpendre…
​
Tecnicamente são fáceis de perceber os erros e virtudes do modelo. No sistema de cálculo o relevo é fortemente ponderado, ora, estes povoados cimeiros, com declives acentuados nas encostas, à partida têm um risco potencial muito maior do que as habitações dispersas dos pinhais e eucaliptais do nosso litoral centro, oeste ou beiras interiores.

Confrontados com a complexidade das regras criadas que obrigavam a parecer vinculativo do ICNF, em 2019 altera-se o preceituado, não para flexibilizar, mas para complicar, e remeter a responsabilidade para as Comissões Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, composta por uma dezena de entidades em cada concelho, das quais faz parte obrigatoriamente o ICNF. Conseguimos trazer ainda mais rigidez para uma decisão para a qual ninguém quer assumir riscos, nem constituir-se como agente para a defesa do interior. Ninguém quer vestir  a camisola de “agente para o desenvolvimento”!

Não seria mais simples, gerir com razoabilidade o objectivo da lei?!

Resumir o sentido e motivação da lei, à rigidez de um mapa, que resulta de um algoritmo, é resignarmo-nos à incapacidade de governar um território que precisa de ser vigiado e protegido, mas também de gente motivada e feliz, na sua escolha em viver neste árido e cada vez mais desértico interior.
 
Todos falam bem e bonito do desenvolvimento do interior, da coesão territorial, dos incentivos ao povoamento de zonas em risco de abandono, mas naquilo que é a tomada de decisão conducente a esses desígnios, faz-se exactamente o oposto.
 
O estranho caso do Fernão Gil, é a caricatura perfeita, da ditadura do Mapa, que se alimenta de um algoritmo, e que ninguém ousa enfrentar! Tem a imperfeita vocação, e uma  imposição à não construção e vivência no interior algarvio.

Se é importante pensar a floresta no país, como um determinante activo ambiental, também é verdade que este país à beira mar plantado, tem tão variado assentamento e ocupação florestal, cujo sucesso depende de muitos factores, mas acima de tudo do Homem e a sua presença amiga no espaço.

Nestes 10 anos, ao nível do planeamento da defesa da floresta contra incêndios, definiram-se linhas estratégicas e objectivos para o planeamento nacional, regional e municipal. Ao planeamento municipal e o planeamento local passou-se-lhe um carácter executivo e de programação operacional e deveria cumprir as orientações e prioridades regionais e locais, numa lógica de contribuição para o todo nacional. Solidariedade!

Passam 10 anos, e os municípios, assumem tímida e forçosamente uma série de responsabilidades, mal delimitadas na área das faixas de gestão de combustível, e na obrigatoriedade da monitorização dos planos municipais da floresta, que têm sido assumidos, como planos dominantemente da esfera da protecção civil., mas agora fortemente restritivos no que se refere ao ordenamento.

A floresta precisa de estratégia integrada, de apaixonados que a protejam, que a explorem com respeito e equilíbrio, e não deve servir para tornar o país mais assimétrico no seu desenvolvimento. Ou será que esse é mesmo o caminho? Desincentivar quem no interior ainda teima viver e implementar os seus projectos?

Hoje, faria anos o nosso prémio Nobel, José Saramago. No contexto, lembro um grande lema  que encerra o livro “Viagem a Portugal”, inspirado numa viagem que o autor fez por Portugal, com o intuito de descobrir novos caminhos:

 “A viagem não acaba nunca.  (…) O fim de uma viagem é apenas o começo de outra”.

Falta-nos o bom senso técnico e político, para alterar aquilo que não queremos e que à pressa criámos. Falta-nos querer viajar pela nossa paisagem e nela viver, respeitando-a, protegendo-a, e inevitavelmente nela marcar a nossa passagem, mas acima de tudo, nela em harmonia criar vida e memórias. A construção deste caminho é uma viagem...

Falta-nos acreditar no pensamento e na capacidade democrática de criar modelos que dependem do Homem.  Não é este o caminho do desenvolvimento... 


4 Comments
Joaquim Vairinhos link
17/11/2019 08:29:27

"Não sei para onde vou, sei que não vou por aí "...José Régio, in Cântico Negro.

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FPS
17/11/2019 10:41:53

Obrigada. Foi um lapso. Fã do Cântico Negro

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Joaquim Manuel Vairinhos link
22/11/2019 14:53:20

Acontece. Bom texto.

João A.Pereira de Campos
20/11/2019 15:00:55

Será que desejam uma reserva intocável onde
o algarvio da serra habita e vem ser visitado por não deixarem que a economia cresça e o homo sapiens é apenas um elemento passivo no seu habitat ?

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