No passado dia 01 de fevereiro, ao abrir os jornais online para um ponto de situação do mundo, deparei-me com uma afirmação, no mínimo discutível/controvérsia do Sr. Ministro da Ciência e Ensino Superior, Doutor Manuel Heitor. Afirmava o Sr. Ministro "Não tenho dúvida nenhuma” de que há “pleno emprego” entre os doutorados". Numa altura em que os processos PREVPAP e contratação de doutorados têm sido tudo menos claros, e que as dinâmicas da FCT são no mínimo erráticas, e procurando realçar o peso deste tema numa região como o Algarve, imediatamente assumi que seria um tema para artigo de discussão. Mas, depois da primeira reação, muito embora eu próprio seja um ativo do movimento "je suis PREVPAP", não sou doutorado ou investigador, e como diz o povo "cada macaco no seu galho". Assim, decidi estender convite a um colega e amigo que, muito embora as competências e qualidades pessoais e profissionais, contraria a afirmação do Sr. Ministro. Hugo Barros Por Dário Passos Na passada sexta-feira, dia 1 de Fevereiro, estava eu como de costume a ler os cabeçalhos do Público, quando dei de caras com uma notícia sobre o ministro da Ciência e Tecnologia, Manuel Heitor. Nessa peça (1), o Sr. Ministro faz uma declaração na qual diz, e passo a citar ”Não tenho dúvida nenhuma” de que há “pleno emprego” entre os doutorados”. Logo ao início não percebi a declaração e até pensei que fosse uma manipulação jornalística para dar mais realce à coisa. No entanto, ao ler a notícia por completo, foi com alguma admiração que me dei conta que essas foram mesmo as palavras que saíram da boca do ministro. Algo não batia certo! Pleno emprego entre os doutorados? Que raio quer dizer “pleno emprego”, especificamente escrito entre aspas? Como dita a regra, em caso de dúvida e antes de substanciar algum julgamento precipitado, decidi procurar o significado deste conceito de “pleno emprego”. Após um par de clicks na bola de cristal da informação (Google) cheguei a um conceito de “pleno emprego” que em Macroeconomia é definido como: “diz-se estar em pleno emprego quando todos aqueles autorizados a trabalhar (e.g. crianças não) que buscam emprego o encontram em pouco tempo e com pouco esforço.” ou então “o pleno emprego é definido como o nível de emprego em que não há desemprego cíclico ou de demanda insuficiente.”(2). Esta descoberta só veio a aumentar a minha desconfiança em relação às declarações do Sr. Ministro, pois a minha experiência pessoal contradiz as mesmas. Antes de continuar com esta linha de raciocínio, devo confessar que eu, pessoalmente não sou exemplo para ninguém. Eu sou, provavelmente, um dos poucos investigadores que “renunciou” a um contrato de investigação de 6 anos (ao abrigo do DL57) no Instituto Superior Técnico em Lisboa, por razões familiares. Na altura, ficar a morar no Algarve para manter a família unida, foi o que me pareceu ser a decisão mais acertada. Passados quase dois anos dessa decisão, quis o destino ser manhoso e eu ir parar aos Açores, mais uma vez por querer manter a minha família unida. Mas pronto, isso são desabafos para outra altura… Voltando ao conceito de pleno emprego, gostaria de esclarecer um par de coisas que o leitor poderá não estar familiarizado. Uma pessoa depois de fazer um doutoramento, pode seguir duas vias: a Academia, isto é, dar aulas e/ou fazer investigação, ou então entrar para o mundo empresarial (por conta própria ou por conta de outrem). Quando se fala em emprego científico, refere-se normalmente à componente de investigação em instituições públicas (universidades e laboratórios). Este “emprego científico” é na sua grande maioria dependente de bolsas ou contratos precários de curta duração que em muitos casos não permite sequer o acesso à Segurança Social nem a uma carreira contributiva. Mas pronto, quem escolhe este caminho está no seu pleno direito. Só os “melhores” conseguem sobreviver num ambiente de competição constante no qual os investigadores têm que mostrar serviço (publicar) e na maior parte das vezes arranjar financiamento para os seus projetos de investigação. Sim, porque não são as universidades a financiar os projetos, são as equipas de investigadores que competem entre si para poder financiar a sua investigação através de concursos a fundos nacionais e/ou internacionais. Muitas das vezes é o projeto que o investigador responsável se candidatou que paga as bolsas dos outros investigadores que estão associados ao projeto. A meu ver o grande problema aqui é que não existe um mecanismo de financiamento estável no tempo. Há anos em que há financiamento e concursos, seguido de um par de anos em que não há quase nada. Isso não permite às pessoas poder planear antecipadamente uma estratégia. Mas pronto, como disse inicialmente, estas são as regras e quem vai a jogo tem que estar ciente das mesmas (incertezas incluídas). Basicamente se jogares bem as tuas cartas e tiveres bastante mobilidade consegues ser bolseiro até aos 67 anos e depois “talvez” tenhas direito a uma reforma da ordem dos 300€ e piques! O outro problema da empregabilidade dos doutorados tem a ver com o tecido empresarial em Portugal. Não existe ainda uma cultura de contratar pessoas com doutoramento, talvez por se achar que são “caras”. A minha experiência pessoal mais uma vez discorda com esta assunção. De entre os meus amigos mais próximos, sou dos poucos que tem um doutoramento, e posso atestar em primeira pessoa, que todas a ofertas de trabalho às quais tive acesso (em empresas), o salário oferecido foi sempre inferior ao de amigos sem doutoramento (chefes de cozinha, engenheiros civis, bancários, e até artistas plásticos). Isto sem mencionar que estas ofertas foram, à exceção de uma, todas para Lisboa. Além do mais, os doutorados são muitas vezes rotulados como “investigadores” e uma vez que a grande maioria das empresas portuguesas não promove a investigação, essas pessoas ficam erradamente desajustadas para o mercado de emprego nacional. Felizmente vão começando a aparecer exceções à regra. Pondo estas constatações em contraste com a definição de pleno emprego descrita acima, torna-se evidente que esta não se aplica à situação que se vive em Portugal. A situação dos doutorados algarvios é então ainda muito mais desajustada devido à falta de oportunidades na região. É raro o município que tem planos e incentivos que permitam a fixação de empresas de base tecnológica e industria na região. Além do mais, muitos dos doutorados que se formaram em Portugal na última década não estão nas listas do desemprego pois estão a fazer pela sua sobrevivência, quer emigrando quer trabalhando em empregos para os quais não é preciso um doutoramento. Daí a dizer que há pleno emprego entre doutorados, existe uma lógica algo populista e a meu ver irreal, talvez sintoma de um mind set pré-eleitoral? Não faço ideia! As palavras do Sr. Ministro caíram muito mal na comunidade científica portuguesa dando azos, como já seria de esperar, a diversas manifestações de descontentamento por parte dos investigadores (3,4,5). Para quem gosta de números aconselho a consultar estas últimas referências. Pessoalmente acho que toda esta situação é um problema estrutural de fundo que demorará vários anos a ser resolvido (se alguma vez o for). Entretanto, os doutorados têm que continuar a fazer o que fazem melhor, i.e. inovar e procurar maneiras de ser útil numa sociedade que muitas vezes não os reconhece, trata-os como “meninos mimados à procura de um tacho” e na qual a classe política não dá respostas eficazes. (1) https://www.publico.pt/2019/02/01/ciencia/entrevista/nao-duvida-nenhuma-ha-pleno-emprego-doutorados-1860009 (2) https://pt.wikipedia.org/wiki/Pleno_emprego (3) https://www.publico.pt/2019/02/04/ciencia/noticia/investigadores-indignados-garantia-ministro-ha-pleno-emprego-1860682 (4) https://www.publico.pt/2019/02/04/ciencia/opiniao/manuel-heitor-empregador-implacavel-1860619 (5) https://www.publico.pt/2019/02/05/ciencia/opiniao/ministerio-ficcao-cientifica-186059 Dário Passos é sambrasense, licenciado em Engenharia Física Tecnológica pela Universidade do Algarve e doutorado em Física/Astrofísica pelo Instituto Superior Técnico, Lisboa. Entre 2010 e 2017 foi investigador de pós-doutoramento FCT nas áreas da Física Solar e Space Weather na Universidade de Évora, no Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) do Instituto Superior Técnico em Lisboa e na Universidade de Montreal no Canadá. Durante esse período colaborou também com o CfA em Harvard (EUA), NOAA em Boulder-Colorado (EUA), Max Planck Institute for Solar Physics (Alemanha), IISERK Kolkata (India), entre outros. Foi professor convidado de Astrofísica (a custo zero) no IST Lisboa, coordenador nacional da Divisão de Astronomia da Sociedade Portuguesa de Física e membro do comité científico do Centro Ciência Viva Algarve em Faro. A meio de 2017 iniciou nova fase de investigação em ótica não linear e espectroscopia no Centro de Ótica, optoelectrónica e Telecomunicações (CEOT) da Universidade do Algarve. Neste momento tem como principais interesses, a aplicação de algoritmos de machine learning e deep learning ao processamento de dados experimentais em espectroscopia e é bolseiro (BM) do CEOT-UALG.
1 Comentário
Maria da Conceicão Abreu e Silva
9/2/2019 22:08:38
Quando li o artigo do Ministro Heitor no Publico fiquei indignada e como presidente da sociedade portuguesa de fisica senti-me obrigada a dizer que o Sr. Ministro vive no Pais da Alice. Mas o Dario Passos e talvez muitos outros bolseiros que nao tiveram hipotese de contrato apesar da sua excelencia largamente comprovada nos seus cvs são testemunhos muito importantes.
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