Por Luís Coelho
Os dados disponíveis mostram que o Partido Socialista (PS) é o grande vencedor da noite eleitoral do passado dia 06 de Outubro (minto - na verdade, o que se observou foi uma nova derrota histórica da nossa democracia já que, sem surpresa, ficaram em casa mais de 4.2 milhões de Portugueses nestas eleições legislativas). De facto, o PS obteve mais 118 722 votos face a 2015, o que equivale a um crescimento homólogo de 6.8%. Já o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) perderam 58 405 e 116 863 votos (quebra homóloga de 10.6% e 26.2%), respectivamente. Conclui-se, pois, que a esquerda não ganhou. Quem ganhou foi o PS, algo que demonstra bem os efeitos assimétricos gerados pela dita “gerigonça”. Mais à direita o cenário é bem complicado. Em particular, em 2015, a coligação Portugal à Frente (que juntou o Partido Social Democrata - PSD e o Partido do Centro Democrático Social - CDS) arrecadou 1 993 921 votos (curiosamente, mais do que os 1 866 407 que o PS conseguiu agora). Em 2019 a soma dos votos nestes dois partidos não vai para além dos 1 637 001 votos. Verifica-se então um tombo de quase 20% em termos homólogos no número de votos expressos em urna nos partidos que representam a direita “tradicional” em Portugal. As eleições trouxeram outras particularidades interessantes. Primeiro, a consolidação da base eleitoral do Partidos das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN), que é para mim um dos grandes vencedores destas eleições. Muito atacado nas últimas semanas pela sua falta de ideologia política, o PAN tem vindo a centrar a sua mensagem num conjunto de temas que são relevantes para uma franja cada vez maior dos eleitores em Portugal: os jovens com formação académica superior. O resultado não deixa de ser poderoso: em 2019 o partido quadruplica o número de mandatos e vê a sua votação crescer 122% em termos homólogos face a 2015. Not bad para um partido “pós-ideológico”. Ao mesmo tempo, chegam à Assembleia da República novos partidos. Desde logo o Livre que, na minha opinião, vai disputar parte do espaço que até agora tem vindo a ser ocupado pelo BE. Veremos se tem capacidade para acrescentar algo ao debate político que seja relevante para a maioria dos Portugueses. Talvez sim, quando o assunto forem os temas sociais ditos fracturantes. Do lado oposto está o Chega. Contra tudo e todos, André Ventura lá conseguiu sentar-se na Assembleia da República e, goste-se ou não, promete agitar bastante as águas (o Prós e Contras de ontem parece ser um preview do que está para vir). Importa referir o Chega granjeou 66 442 votos – dos ditos pequenos é o mais votado – número que é suficiente para colocar na agenda política temas tipicamente considerados tabu pela sociedade Portuguesa. Some-se a isto a personalidade peculiar do André e temos todos os ingredientes para uma sessão legislativa muito animada. Nota final para o Inicial Liberal (IL). Num tom mais cordato que o Chega, este partido promete agudizar a situação do PSD e, principalmente, do CDS. Tem um discurso vincadamente económico, com ideias concretas e propostas que são incómodas para quem está e esteve no governo (por exemplo, é interessante falar de impostos neste País sem qualquer filtro como o IL faz). Admito, no entanto, que o seu desafio é similar ao do Livre: afirmar-se na ala mais à direita ou perder-se sob o peso dos históricos. Veremos o que o futuro reserva. Tudo isto serve apenas de pano fundo para a verdadeira reflexão que importa fazer. De facto, poder-se-ia pensar que António Costa tem tudo para estar feliz. Curiosamente, eu não partilho desta ideia. 2015 foi um ano muito mais interessante para Costa. O País estava a sair de um dos episódios mais tristes da sua história recente. Passos Coelho era o “inimigo público” de toda a esquerda com representação parlamentar e não tinha força para formar Governo. Vai daí, Costa aproveitou a oportunidade para mudar o rumo político do País. Nesse momento, estabelecer um acordo formal com o BE e o PCP não era fácil. Mas era possível. E Costa, político capaz e com provas dadas na arte da negociação, soube dar o suficiente e exigir o bastante para ter paz na Assembleia da República. À data somava-se ainda um detalhe importante: ninguém acreditava que a recém-formada gerigonça ia funcionar. Logo, se algo corresse menos bem, seria apenas normal. Quatro anos volvidos tudo mudou. Por um lado, o PS queimou qualquer possibilidade de se entender de forma estável com os partidos da direita, que vão passar os próximos tempos a lamber as suas feridas e a tentar encontrar um rumo que lhes permita sobreviver. À esquerda o xadrez ficou mais difícil. Se há coisa que os números acima provam é que o BE não ganhou com a gerigonça e o PCP perdeu. Bastante. Logo, convencer estes partidos a coligar-se formalmente com o PS talvez seja possível mas a um custo que a maioria dos socialistas – acabados de ganhar eleições de forma retumbante – não vai aceitar de bom grado. Por outro lado, a opção PAN, a quem Costa piscou o olho de forma evidente durante a campanha preparando o plano B para a situação de não maioria absoluta, não chega. Intui-se pois um cenário de acordos pontuais aqui e ali de forma a ir governando o burgo, o que dará eventualmente azo a mais uns episódios de queijo limiano, com os resultados que são conhecidos. A cereja no cimo do bolo é a expectativa das pessoas face a Costa (e seu governo). De facto, se em 2015 esta era genericamente baixa, Costa é hoje vítima do seu próprio sucesso. Dificilmente o mesmo Costa que resolveu nos últimos quatros anos, qual Bruno Fernandes nos (muitos) momentos de aperto do Sporting Clube de Portugal, pode agora vir dizer que a conjuntura politica interna não o deixa governar. Todos esperam (inclusivamente eu) que seja possível encontrar um quadro de estabilidade que permita navegar águas internacionais bem crispadas. Pensemos no Brexit, na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, na tensão no médio oriente (e seus efeitos sobre o preço do petróleo) ou nos enormes desafios que se colocam à humanidade por conta das alterações climáticas. É pois caso para dizer: Costa. E agora?
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