Por Gonçalo Duarte Gomes Nas últimas semanas há dois recortes de jornal que têm, de alguma forma, marcado a actualidade cívica. Um deles referente às obras no cruzamento entre a Avenida Calouste Gulbenkian e a Rua do Alportel, em Faro e a rupturas nesse contexto causadas em condutas relevantes para o abastecimento de água da cidade, causando falhas no abastecimento à população e, principalmente, o desperdício de milhares de litros de água em operações técnicas posteriormente necessárias, nomeadamente na purga do ar, entretanto entrado nas condutas, através da abertura de bocas de incêndio durante horas. As obras em espaço público são sempre momentos complicados e nada fáceis. Quando se atingem infra-estruturas, pior. Quando tudo isto acontece em obras públicas, estamos no zénite da delicadeza da situação. Porque ao Estado (seja ele central, desconcentrado ou local) compete fazer melhor do que os demais. Dar o exemplo, no fundo.
Ora se acidentes como este podem sempre acontecer, e com elevadas probabilidades, as respostas prestadas pela entidade pública responsável pela gestão da água podiam seguir noutra direcção, uma vez que o desperdício foi encarado com uma literalmente insustentável leveza do verter. Se o que se fez era necessário, ficam dúvidas se teria que ter sido necessariamente assim. Fazer diferente, tentando recolher alguma da água desperdiçada para rega, lavagens ou outros usos que não o consumo directo, era difícil, custoso, oneroso até, e incapaz de assegurar garantias de sucesso assinalável? Talvez. Mas os tempos, nestas coisas da água, como ainda há coisa de duas semanas o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas discutia em... Faro (!), são de redobrados esforços, e não de business as usual. O esforço - não apenas enquanto aparência mas prática interiorizada - teria um valor ético perante o recurso em causa. Assim, e perante o sucedido, ouvir falar sobre campanhas de sensibilização aos consumidores para poupança de litros, em frente a bocas de incêndio que jorram metros cúbicos, é quase constrangedor. O outro recorte refere-se à anunciada fragmentação do Centro de Experimentação Agrária de Tavira, por destruição parcial de algumas das suas parcelas e do património edáfico e vegetal que ali se encontra, para construção de uma estrada, no âmbito das obras de electrificação da linha ferroviária. Não sendo de hoje o abandono a que este equipamento está votado, com prejuízo de trabalhos assinaláveis que ali foram desenvolvidos, a sua integridade permitia aspirar a um melhor e mais nobre aproveitamento das suas potencialidades num futuro mais ou menos próximo. No fundo, não mexe, mas também não estraga. Tudo isso parece agora à beira de acabar, num processo sobre o qual não me posso pronunciar por desconhecimento. No entanto, e meramente na óptica do cidadão, estranha-se - e custa - que a única alternativa viável seja precisamente cortando uma unidade desta natureza, ainda para mais na capital da Dieta Mediterrânica. Depois, lá está, soa a requinte de malvadez a anunciada musealização da colecção de fruteiras. Parece que tudo segue o mesmo caminho: comemoramos fruteiras e Dieta (por vezes em euforia) enquanto as suas paisagens são descaracterizadas e arrancadas pela raiz, tornando-se peças de museu, imortalizadas - à moda antiga - em imagens que nos lembram tempos e práticas que não voltam nem vivemos, mas que preservamos na moldura dos nossos afectos de crocodilo. E depois, naturalmente, com os turistas, em troca do preço simbólico de um bilhete, que talvez até inclua uma refeição "very typical" - com produtos importados. Em todo o País é identificável esta tendência viciosa, de "presentes envenenados" da Administração Pública para o Estado. No Algarve então, esta dicotomia da cenoura numa mão e o cacete na outra, parece ser orquestrada para nos condicionar a pensar que nada pode ser bem feito. Os dois casos referidos são obviamente diferentes, mas partilham estas "inevitabilidades" nada óbvias. Queres electrificação da linha ferroviária? Tens que abdicar do Centro de Experimentação Agrária e do seu património único - depois de, aparentemente, teres já capitulado quanto ao seu potencial técnico e científico. Queres obras nas artérias da capital? Arriscas-te a ter que fazer correr água em proporções tais que Noé fica na dúvida se não será tempo de começar a acumular stock de tábuas e de ir ver se o Cerro do Guilhim é sítio catita para varar uma Arca. Queres cuidados de saúde devidamente capacitados no Algarve? Esta é só mesmo a brincar, para ver se está tudo atento, pois faça-se o que se quiser, não vai acontecer - a criadagem é sempre muito maltratada... Vai daí, leva com esta lógica de subtrair para acrescentar, em vez de complementar.
1 Comment
Miguel
14/2/2020 20:35:11
Gonçalo, é por tudo o que descreveu e muito mais que defendo a regionalização, por acreditar nas potencialidades em relação a outros métodos obviamente, mas também pela "chapada" no Poder Central, porque papinhas e condescendência tem tido o Algarve sempre que se ousa afirmar; neste processo existe uma espécie de autarcas, decisores locais a qual poderia ser inserida na categoria dos anseriformes - vulgo Patos Bravos - que mais que uma correia de transmissão do centralismo (salvos honrosas excepções) são como o outro que ia além da Troika, mas não se preocupe com isto da agua, há em monte, até deixar de haver, nem pa fazer as papas.
Reply
Leave a Reply. |
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|