Por Gonçalo Duarte Gomes Em tempos cruzei-me com a manifestação de uma preocupação relativamente à desproporção que se verificava entre o investimento no desenvolvimento de soluções clínicas para a sexualidade (medicamentos para a disfunção eréctil, promotores da libido feminina, silicone para alteração do corpo, etc.) e o investimento na pesquisa para o tratamento da Doença de Alzheimer. Como consequência, antevia-se um futuro em que mulheres de seios enormes e homens com potentes erecções não fariam ideia do que fazer com uns e com as outras. Não consegui recuperar essa referência, para melhor a identificar, nem sei se é verdadeira ou uma peça de humor. Mas o que é facto é que vivemos tempos de obsessão com a estética e a aparência, negando e até manipulando os efeitos da natural passagem do tempo. Curiosa e paradoxalmente, o mais recente devaneio colectivo pôs o povo todo a brincar com uma aplicação (que mais poderia ser?) que mostra como ficamos quando formos velhinhos. Ficando eu próprio com a pulga atrás da orelha, fui passar o Algarve no dito filtro temporal, e o resultado não podia ser mais surpreendente! Por mais tempo que passe, o tempo não passa pelo Algarve! Isto porque, e apesar da abismal transformação iconográfica, a juventude mantém-se, como se de um Dorian Gray das regiões se tratasse!
Senão da coisa: tal como a juventude, tudo o resto. As deficiências estruturais (com a saúde e os transportes à cabeça), a ausência de estratégia, a total falta de coerência, coesão ou solidariedade regional, a região como consumível subserviente e não valor afirmado pela identidade, o desprezo por parte do poder central, o desprezo interno, o afastamento dos centros e processos de decisão ou de reflexão crítica. Tudo permanece inalterável! Ora bolas, se até se dão ao luxo de organizar um jogo de futebol entre equipas da capital, num estádio chamado Algarve, para o qual não há bilhetes à venda na região… Isto só acontece porque, tal como as voluptuosas velhinhas e os excitados velhinhos, não temos memória de nós próprios nem de onde vimos, e toda a pátina de acessórios que carregamos não indicia rigorosamente nada sobre o que somos e, muito menos, para onde vamos. Pode ser que um dia alguém invente – não por cá, seguramente – uma app que ajude com isso…
2 Comments
Miguel
19/7/2019 14:47:12
Excelente reflexão Gonçalo, na complexidade da geopolítica, formatada para a realidade local, reina uma confusão entre identidade, nacionalismo (ou regionalismo) e globalismo ou "abertura" ao exterior, pessoalmente sendo um jovem nascido já no pós 25 de Abril não tenho memórias de identidades algarvias para além das actuais, o que hoje conheço sobre a minha região foi fruto e curiosidade e algumas tradições que persistentemente os mais velhos ainda hoje realizam; igualmente por árdua pesquisa pois as informações adequadas nem sempre são de fácil acesso.
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Gonçalo Duarte Gomes
5/8/2019 09:51:50
O que vivemos hoje é o corolário de um processo deliberado e consciente de profunda deseducação cultural.
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