Por Gonçalo Duarte Gomes Foram esta semana publicados pelo Instituto Nacional de Estatística os dados referentes ao Uso e Ocupação do Solo de 2018 para o Algarve (aqui). Esta informação permite não apenas um instantâneo de 2018, mas também perceber a evolução das paisagens desde 2015, oferecendo uma visão sobre tendências, padrões e magnitude de alteração. Em termos de distribuição da ocupação do solo por classes, eis o retrato da região, em 2018: Em termos de evolução relativamente a 2015, a situação conta-se mais ou menos desta forma: À redução das áreas de matos, de pastagens e de superfícies agro-florestais corresponde um aumento dos territórios artificializados, da área agrícola e da área florestal. É interessante perceber entre que classes de uso do solo se deram as trocas de perdas e ganhos, o que é sistematizado neste gráfico algo confuso: O ordenamento da paisagem é o processo partilhado através do qual inscrevemos no território políticas, sejam elas ambientais, sociais ou económicas, espacializando ideias, materializando modelos de organização, distribuindo o acesso aos recursos e às oportunidades de desenvolvimento que representam e salvaguardando as estruturas que são fundamentais ao equilíbrio biofísico e à salubridade ambiental que serve de base a tudo. Dessa forma, espelhamo-nos enquanto sociedade, enquanto povo, enquanto cultura. E construímos a nossa preparação e resiliência para dar resposta às necessidades presentes e aos desafios do futuro. Pois bem, se quisermos relacionar este retrato agora apresentado da região do Algarve com o seu desenvolvimento, podemos tentar o exercício de comparar, para igual período, o Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR) ao nível das NUTS III – o de 2018, foi anteriormente analisado aqui. Entre 2015 e 2018, o ISDR do Algarve evoluiu assim: Verifica-se então que, à evolução do padrão de uso do solo corresponde uma degradação do ISDR do Algarve que, adicionalmente, cava, ano após ano, a divergência em relação à média nacional. O ISDR é um índice compósito, que inclui índices parciais. Um desses índices parciais, o da qualidade ambiental, relaciona-se estreitamente com o uso do solo. Analisada a evolução desse indicador, temos que: O Algarve repete a tendência de degradação entre 2015 e 2018, sendo que se torna muito acentuada a divergência em relação à média nacional, quando em 2015, pouco separava a região desse valor. Em 2018, como sabemos, o Algarve alcançou mesmo a (des)honrosa condição de ser a pior região portuguesa em qualidade ambiental, à luz destes índices, babujando na Liga dos Últimos. Ou seja, estatisticamente, da evolução do mosaico paisagístico da região não estão a resultar ganhos evidentes para o colectivo. A estatística tem sempre um valor relativo. No caso do uso do solo, talvez até mais do que no do ISDR, porque sabemos áreas e percentagens, mas estes dados não estão desagregados o suficiente ou traduzidos espacialmente, para que possamos perceber matrizes, fragmentos (formas, tamanhos, organização, inter-relações) e fluxos, num diagnóstico mais coerente da estrutura e do seu funcionamento. Portanto, mais do que factores de orgulho ou penitência, estes dados devem servir como avisos à navegação e indicadores para aferição da evolução da gestão da região. Mais ainda quando, no retrato do INE, poderemos até questionar as classes de uso do solo definidas, assim como as metodologias e conceitos. Por exemplo, no contexto de paisagens alta e ancestralmente humanizadas como são as do nosso País, e do Algarve em particular, há pouco que não caiba nesta categoria. O INE considera-os como a “superfície de território destinada a atividades de intervenção humana que inclui áreas de tecido edificado, industriais, e comerciais, de serviços e turismo, jardins, equipamentos e infraestruturas, redes rodoviária e ferroviária”. Dentro disto, ficamos sem saber, por exemplo, o que corresponde a edificação e o que corresponde a infra-estruturas viárias/rodoviárias, o que seria importante. Mas sabemos que estamos a converter áreas matriciais da paisagem algarvia, como matos e superfícies agro-florestais (onde, pela definição da ficha técnica, se inclui o pomar de sequeiro), em áreas agrícolas e florestais. Se tais princípios se podem afigurar como conceptualmente positivos, pois necessitamos de maior diversificação económica na região, a coisa piora quando cruzamos com outras informações de que dispomos. No caso da agricultura, parte significativa da conversão de novas áreas se destina à instalação de culturas de regadio extensivas e/ou intensivas – por vezes com tremendo impacto, como no caso do Cerro de S. Miguel – sem aparente preocupação ou controlo de um balanço hídrico regional, quando o Algarve é marcado pela incerteza e escassez dos recursos hídricos são factores críticos de limitação. Nas áreas florestais que também aumentam na região, sabemos (graças ao 6.º Inventário Florestal Nacional, disponível aqui), que o Algarve tende para a redução significativa de sobreiro e alfarrobeira, o que suscita a questão relativamente ao que lhes sucede e ao que aportam em termos de modelo territorial, social e económico, ainda para mais em contexto de expansão. Não há qualquer problema inerente à mudança – muito pelo contrário, já que é condição inerente e indispensável à vida, ao contrário da morte, que tudo estagna – mas interessa pensar a forma como se processa e o que traz para o futuro.
Desde que isso realmente interesse. O que não parece acontecer, bastando ver a seriedade com que estas matérias do ordenamento e do planeamento – até da vida humana – se encaram em Portugal. No passado 17 de Junho, dia em que assinalaram três anos sobre a deflagração do incêndio de Pedrógão que redundaria na tragédia que ceifou a vida a dezenas de pessoas (e que se repetiria em Outubro desse mesmo fatídico 2017, elevando o número total de vítimas acima da centena), por falhanço absoluto de um modelo territorial e de gestão da paisagem, e que deve envergonhar todos enquanto subsistirem – como subsistem – as suas causas estruturais, qual foi a forma que os principais órgãos de soberania da nação encontraram para assinalar tão necessária reflexão? Juntando Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro (bem como outras figuras de menor relevo) no Palácio da Ajuda, para anunciar ao País, em mal contida excitação – como garotos que se juntam para ver pornografia em vez de fazerem os trabalhos de casa – que a fase final da Liga dos Campeões Europeus de futebol se disputará em Lisboa. Eloquente, não?
1 Comment
Miguel
22/6/2020 15:29:29
Um texto de excepcional actualidade e qualidade Gonçalo.
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