Por Gonçalo Duarte Gomes
Não, não é erro. É mesmo COFINAr, um verbo acabado de inventar. Mas já lá vamos. Iniciamos hoje um novo período de confinamento, por força do aumento brutal de casos de COVID-19 e, principalmente, da saturação que se começa a verificar no sistema de saúde, nas suas instalações e equipamentos (as que estão a funcionar) e, sobretudo, sobre os profissionais que continuam a constituir uma prodigiosa carne para canhão, já que, ainda que subdimensionados, estruturalmente deficitários e organicamente atraiçoados, continuam a operar milagres. A todos eles, um sentido obrigado e um pedido de desculpa, devido por todos nós, enquanto cidadãos, por termos desde há muito tolerado, com obediente – e, em alguns casos, consoante a cor no Governo, sectariamente interessado – silêncio o desinvestimento estrutural na saúde. Um silêncio que ressoa de forma ensurdecedora em tempos como o presente, de necessidade extrema. Mas este apontamento não é sobre saúde ou pandemia. Ou pelo menos essa saúde ou essa pandemia. É sobre COFINAmento, algo que tem a ver com saúde, e com uma pandemia… mas nas nossas cabeças. E que, novamente, não é erro, mas invenção derivada daquela que titula este escrito. COFINAr é ceder ao processo de simplificação e redução da realidade com que os órgãos de comunicação social pertencentes à COFINA, holding editorial, contaminaram todo o tecido da imprensa e, consequentemente, da opinião pública. Com o nosso consentimento, claro está. Um processo sobre o qual me detive mais demoradamente a propósito do épico homem-couve (ver aqui). Em momentos como o presente, brutalmente impactantes sobre o colectivo, com a vida de tantas pessoas a colapsar total ou parcialmente – dependendo do rombo que já haviam levado aquando do primeiro confinamento e das inevitáveis consequências – importa combater, a par da pandemia viral, a pandemia intelectual. Porque precisamos de espírito e massa crítica, e não distracções, para ver se aprendemos alguma coisa, na esperança de erguer um qualquer futuro válido, em que tantos vão precisar de tanto. Para isso, devemos confinar, mas sem COFINAr. Respeitar a gravidade das circunstâncias, mas sem perder o respeito pelo próximo e pelos variados contextos que atravessa. Ser solidários e socialmente responsáveis, mas exigindo mais e melhores explicações, para lá de diárias hi-scores de infectados e mortos. No fundo, não deixar que o medo nos retire a condição de seres pensantes e, mais que tudo, perceber que a vida continua, e que esta pandemia, na sua gravidade, não é desculpa para tudo, muito menos para atestados de menoridade. Porque enquanto andamos aos gritos uns com os outros nas redes sociais (por certo há por aí muito Caps Lock a precisar de reparação!), a realidade passa ao lado. Sem que seja realmente escrutinada, sindicada, justificada. E é nesse espaço que se instala a ficção. Distópica.
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