Por Gonçalo Duarte Gomes Numa rua esconsa de Olhão, eis senão quando um inesperado encontro anónimo com a poesia, pairando despojadamente acima de uns caixotes do lixo, e inscrita numa parede decrépita: eu nasci pra ser feliz Vermelho, flamejante, taxativo, final como o ponto que conclui. É quase uma visitação agostiniana. Não do Santo, mas do filósofo, Agostinho da Silva, na sua máxima: O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta. Talvez o Algarve em confissão. Numa rua. Esconsa e inesperada.
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Por Gonçalo Duarte Gomes
Já escrevi uma vez (aqui) que os transportes públicos no Algarve são como o carro do Fernando: umas vezes a pé, outras vezes andando. Foi há 3 anos. O País saía de um Programa de Assistência Económica e Financeira, popularmente conhecido como o período da troika, e o partido recém-chegado ao poder (tinha pouco menos de um ano de mandato executado, inovadoramente obtido por via parlamentar e não eleitoral) atarefava-se a reverter as medidas tomadas em consequência da bancarrota em que deixou Portugal, em 2011. Em termos sociais e económicos – principalmente ali ao nível daquelas clientelas que garantem eleições – muito havia a fazer, pelo que temas como a mobilidade, ainda por cima em estâncias balneares periféricas como o Algarve, aguardavam melhores dias. Entretanto, viraram-se páginas, acabaram e começaram tempos, arranjou-se maneira das vacas levantarem voo e recuperou-se aquela prosperidade robusta, que só a tributação desalmada e uma dívida anafada permitem. Mas no Algarve, continuamos à espera de ver passar o comboio... Por Gonçalo Duarte Gomes
Aqui há um par de anos, por ocasião do incêndio que devastou o que sobrava do Palácio da Fonte da Pipa, em Loulé, escrevi um artigo intitulado “No Palácio da Fonte da Pipa cabe todo o Algarve” (pode ser lido aqui). E alicercei essa afirmação num facto facilmente verificável: por mais apaixonado que seja o discurso oficial em torno dos valores patrimoniais, da identidade e de todas as outras pérolas do prontuário do politicamente correcto, impõe-se na prática uma plúmbea realidade de ignorância e negligência que, invariavelmente, redunda na perda desses mesmos valores, dessa mesma identidade, e na sucessão de casos que compõem uma algaraviada cacofónica no que a património diz respeito. Dúvidas houvesse, o recente caso da Vivenda Compostela, na Praia da Rocha, em Portimão, lá nos brindou com mais uma machadada consentida no cada vez menos que vai restando de elementos patrimoniais por aquelas bandas, mostrando que estes tristes resumos do Algarve se conseguem encaixar afinal em muitos outros locais. Por Gonçalo Duarte Gomes
Santos da casa não fazem milagres, já diz a sabedoria popular. Vai daí, e embora neste Lugar não existam santos, e se vá tentado falar de coisas boas e menos boas deste nosso Algarve, com o tema do turismo quase sempre à vir à baila, pouco efeito surte, por muita propriedade que os argumentos apresentados tenham. Tal como a torrada que cai sempre com a face amanteigada no chão, é assim, nada a fazer. Por isso mesmo, nada como invocar outras santidades, de renome, daquelas a que até as eminências pardas do provincianismo regional gostam de dar ouvidos, ainda que a mensagem lhes seja tão compreensível quanto um palácio para um boi. Um dos aspectos mais gratificantes nesta ideia do Lugar ao Sul é verificar o carinho com que é recebido por tantas pessoas. Quando a esse carinho se junta entusiasmo e generosidade, dessa mistura nascem momentos felizes como o de hoje, em que este canto, deste Lugar, recebe a visita de alguém como a Andreia Fidalgo. Aceitando um desafio lançado quase em jeito de provocação, a Andreia vem aqui partilhar um olhar sobre o presente e futuro do Algarve, contido não apenas nas suas fronteiras, mas para lá delas plenamente projectado e afirmado, enquanto parte relevante de um todo bem maior. Um olhar solidamente alicerçado num conhecimento e entendimento profundo do seu passado, fruto de alguma da mais notável e eloquente investigação histórica produzida não apenas a Sul, mas em horizontes bem mais vastos. Resta apenas agradecer a sua generosa partilha. Gonçalo Duarte Gomes Por Andreia Fidalgo Há algum tempo, numa troca de ideias sempre estimulante com o Gonçalo Duarte Gomes sobre a minha tese de doutoramento em curso, achou ele por bem lançar-me a provocação de partilhar aqui, no Lugar ao Sul, algumas reflexões que estabelecessem a relação entre os meus temas históricos e o Algarve dos dias de hoje. Achei o repto interessante e pertinente, sobretudo porque defendo convictamente a ideia de a História, enquanto área disciplinar, tem uma importância que vai muito além da aquisição de conhecimentos sobre um determinado acontecimento ou personagem históricos; o estudo da História permite ao cidadão actual assumir uma atitude crítica face ao seu próprio tempo, na medida em que lhe permite posicionar-se mais esclarecidamente no presente, com consciência do passado e da herança histórica que o (en)forma. Não poderia, pois, recusar este desafio. A referida tese de doutoramento trata das reformas económicas de inspiração iluminista que foram implementadas na região algarvia entre as últimas três décadas do século XVIII e as duas primeiras do século XIX, ou seja, nos últimos 50 anos do Antigo Regime em Portugal. O primeiro impulsionador destas reformas foi o Marquês de Pombal e, na realidade, o caso de estudo algarvio já de si muitíssimo interessante, é-o ainda mais se relembrarmos a sua singularidade, pois trata-se da única região portuguesa que foi alvo de um plano específico de actuação reformista por parte da Coroa. E porquê a única? Longe do que seria de esperar, a súbita atenção do Ministro de D. José à região não foi somente motivada pelo alarmante estado de subaproveitamento crónico das potencialidades económicas algarvias; também o foi, é certo, mas o que preocupou verdadeiramente Pombal foi o facto de se ter apercebido que existia, em pleno reino, uma parcela de território praticamente isolada, que vivia o seu quotidiano quase sem lei nem rei, cujos proventos económicos escapavam praticamente por inteiro ao Erário Régio e estavam, em parte, nas mãos de interesses estrangeiros. Situação verdadeiramente inconcebível perante um Estado que se queria forte, coeso e, em suma, Absoluto. Os diagnósticos realizados à época evidenciavam os mais diversos problemas económicos, em distintos domínios. A abundância das pescarias, sobretudo de sardinha no sotavento algarvio, era amplamente explorada por uma comunidade de catalães sediada na praia de Monte Gordo, porém, os impostos desta actividade tão lucrativa escapavam quase por inteiro aos cofres da Coroa; já as almadravas, destinadas às pescarias consideradas reais ou privilegiadas – isto é, ao atum e à corvina –, e cujos lucros revertiam directamente para a Coroa, estavam em estado de ruína e abandono desde o terramoto de 1 de Novembro de 1755. Da agricultura, essencialmente mediterrânica, obtinham-se escassos rendimentos, uma vez que os lavradores que exploravam as propriedades fundiárias estavam sujeitos a elevados encargos financeiros devido aos contratos usurários ilicitamente estabelecidos pelos senhorios. Quanto ao comércio, essencialmente sustentado pelos frutos regionais – tais como o figo, a amêndoa, a alfarroba, a laranja da China (doce), aos quais acresce a cortiça – tinha em Faro o seu principal centro de actividade e encontrava-se sob o monopólio de homens de negócios ingleses, logo, nas mãos de interesses alheios à região. Assim, apesar das imensas potencialidades da região algarvia, com a sua agricultura mediterrânica e as suas abundantes pescarias, quando a Coroa Portuguesa voltou para ela o seu interesse deparou-se com um território ruralizado, economicamente deprimido, marcado por um processo de decadência que se tinha progressivamente acentuado desde finais de Quinhentos, altura em que a região deixara de suscitar o interesse da Coroa por ter perdido a sua função estratégica de apoio às praças portuguesas do Norte de África. Um território marcado, também, por uma acentuada desigualdade social, na qual predominava uma elite local essencialmente composta pela “gente nobre da governança da terra” e pelo clero prebendado, que para além de ocupar, respectivamente, os cargos de administração concelhia e os cargos diocesanos, constituía também o mais rico grupo da região, com uma riqueza proveniente da posse das terras, que dominavam e davam a explorar mediante o estabelecimento de contratos contrários às leis em vigor. Não cabe aqui referir pormenorizadamente todas as medidas reformistas que então o Marquês de Pombal iria implementar para inverter o estado de estagnação económica da região algarvia, num plano coerente e bem desenhado, descrito na própria época como a “Restauração do Reino do Algarve”. Bastará referir que, para incentivar as pescas no sotavento algarvio, para aumentar a capacidade de fiscalização do Estado, e para incrementar uma indústria tradicional de beneficiação da sardinha, se vai fundar, na margem direita do Guadiana, voltada a Espanha, Vila Real de Santo António, sem qualquer dúvida o testemunho mais visível no território do projecto pombalino de “Restauração”. Bastará também relembrar que, para animar as pescarias reais, se substituem as antigas almadravas pela Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve, a última das grandes companhias monopolistas pombalinas a ser criada. Ou, bastará ainda recordar que, para fazer frente às desigualdades da sociedade algarvia e ao poder da elite local, se vão implementar medidas que procuravam acabar com os contratos usurários que ilicitamente se praticavam na região. No entanto, houve uma medida pombalina que foi absolutamente notória a todos os níveis, quer pelo facto de ser transversal a vários domínios económicos, quer pelo profundo significado histórico que encerra para o Algarve: a lei de 5 de Fevereiro de 1773, que procurava abolir a “odiosa diferença” entre o Reino do Algarve e o Reino de Portugal no que respeitava aos impostos cobrados. É que, até à data, os produtos que saíam da região para o restante Reino de Portugal, assim como os que entravam, pagavam impostos mais elevados, idênticos aos produtos de um/para um qualquer reino estrangeiro. Como se o Algarve fosse, de facto, um reino à parte. Ora, esta medida legislativa encerra em si um significado muito mais amplo, na medida em que deixa transparecer uma região com as suas idiossincrasias, com as suas particularidades e com uma identidade muito própria. Uma região simbólica e honorificamente designada por “Reino”, após a conquista definitiva por D. Afonso III, em 1249, sem nunca o ter sido efectivamente; uma região que pelas suas condicionantes geográficas específicas possui uma delimitação fisicamente visível do restante território português, com uma extensa serra a norte, o rio Guadiana a Este e o Atlântico a Oeste; uma região que precisamente por causa das suas condicionantes históricas e geográficas específicas, se viu atreita a um relativo isolamento, que se reflectiu que na forma como os “de cá” viviam, não raras vezes à margem da lei, mas também na forma quase exótica com que era encarada pelos “de lá”, isto é, pelos que viviam no Reino de Portugal. Afinal de contas, até a correspondência expedida do Algarve e para aqui dirigida pagava os mesmos portes de envio que a do vizinho Reino de Castela! O projecto de “Restauração do Reino do Algarve” empreendido pelo Marquês de Pombal foi, assim sendo, a primeira grande tentativa de esbater as fronteiras económicas – mas, em última análise, também identitárias e culturais – que separavam o Reino do Algarve do restante Reino de Portugal. Os problemas da sua eficácia (ou falta dela) são tema para a tese de doutoramento em curso, mas cabe aqui ressaltar, pelo menos, os esforços empreendidos pelo Estado, naquele período de ilustração, para melhorar a situação económica da região e para resolver vários dos problemas de que esta sofria, integrando-a no restante Reino de forma mais justa e equilibrada. Ora, neste sentido, e dando um salto de cerca de 250 anos até aos dias de hoje, cumpre relembrar o quão afastados nos encontramos desse período em que se procurou eliminar a “odiosa diferença” de que padecia a região, e cumpre questionar se não nos encontramos mesmo numa época em que os problemas que actualmente a afligem são quase olhados com uma odiosa indiferença por parte da classe dirigente. Tentar comparar realidades económicas tão distintas como a do Algarve dos finais do Antigo Regime e a do Algarve dos dias de hoje, quase inteiramente absorvida pelo turismo, seria certamente um exercício supérfluo para a ocasião. O que não é, talvez, um exercício desprovido de sentido, é o de procurar reflectir sobre a forma como a região tem sido sucessivamente encarada pelo Governo nos últimos anos, diria mesmo décadas. Não é de todo despiciendo pensar numa região que reivindica, ano após ano, cuidados de saúde mais condignos para os seus habitantes, ou transportes públicos que consigam, de facto, corresponder às necessidades da população local, dos que nos visitam, e às especificidades do território, ou melhores e mais capazes infraestruturas viárias – apenas para mencionar alguns problemas estruturais! – e que ano após ano vê as suas reivindicações passarem muito ao largo de qualquer agenda política. Não é de todo despiciendo pensar numa região que tem um papel tão relevante no sector turístico nacional, mas que o turismo, per se, não se auto-sustenta se não for acompanhado de uma estratégia de desenvolvimento regional sustentável, de incremento de outros sectores económicos (agricultura, pescas, indústria), de melhoria da capacidade de resposta dos serviços, de desenvolvimento de infraestruturas públicas e privadas, a vários níveis – o que beneficiaria tanto os que cá residem, como os milhares que anualmente nos visitam. Por isso, questiono se não estaremos hoje, e se não temos estado nas últimas décadas, perante uma odiosa indiferença do Governo para com a região? E questiono, também, se essa indiferença não contagia, como uma outra face da mesma moeda, a própria população algarvia? Basta invocar aqui as percentagens da abstenção nas eleições do passado dia 6 de Outubro: no distrito de Faro, a abstenção atingiu os 54,2%, empatada com o distrito de Vila Real e só superada, em Portugal continental, pelo distrito de Bragança, que chegou aos 55,1%. Valores percentuais estes que ficam bem acima da média nacional, já de si elevadíssima, de 45,5%. Ainda que pudéssemos entrar aqui em discussão algo complexa sobre o(s) significado(s) da elevada taxa de abstenção, não poderemos também, eventualmente, olhar para estes valores como um sintoma da indiferença generalizada da população algarvia perante a falta de alternativas eleitorais e perante a permanente falta de soluções para os problemas regionais, legislatura após legislatura? Talvez, neste caso, a indiferença se esteja a pagar com indiferença… Teremos passado nós, em 250 anos, de uma iniciativa de esforços concertados para exterminar a “odiosa diferença” que separava o Algarve do restante território português, integrando-o nas políticas nacionais, para o actual alastramento pernicioso de uma odiosa indiferença, amplamente espelhada no desinteresse da classe dirigente pela região? Claro que não. Isto é, obviamente, o projecto pombalino, per se, não foi sinónimo de sucesso no contorno ao esquecimento da região por parte do centro de poder, como se daí em diante a região tivesse passado a ocupar um papel relevante no panorama nacional. Na verdade, este projecto de “Restauração” até serve para nos relembrar que esse esquecimento era crónico, que se manteve durante séculos, e que inclusivamente ainda se vai manter na época subsequente. Porém, este mesmo período da nossa História também pode servir para nos recordar que a indiferença perante as necessidades regionais não tem de ser o caminho a seguir e que nós, enquanto cidadãos bem formados, não a podemos, nem a devemos tolerar. Andreia Fidalgo é “algarvia, natural de Castelo de Vide”. Sou filha de pai castelo-vidense e de mãe culatrense, e ter nascido na “Sintra do Alentejo” é um privilégio de que muito me orgulho – afinal de contas, trata-se indiscutivelmente da mais bonita vila do Alto Alentejano. O meu coração, porém, pertence ao “ardente Algarve impressionista e mole”, à Ria Formosa, e, especialmente, a Olhão, essa terra misteriosa de açoteias, de mareantes, de mirantes, onde vivo desde os cinco anos de idade – ainda que com alguns interregnos, é certo! Nasci em 1986, ano em que o Cometa Halley veio visitar a Terra e, claro, anunciar o aparecimento de uma nova estrela: eu mesma! Abri os olhos pela primeira vez no início do Outono, pouco mais de nove meses depois de Portugal ter entrado para a CEE, pelo que só se pode daí inferir, obviamente, que estive a aguardar estrategicamente que o país reunisse condições económicas mais favoráveis para me receber condignamente. Não que isso me tivesse servido de muito… Concluí a licenciatura em Património Cultural, na UALG, em 2008, precisamente no annus horribilis da crise financeira mundial, o que não me facilitou nada a vida de recém-licenciada. Não esmoreci e nunca abandonei a Academia, num percurso sempre dedicado à investigação histórica e, actualmente, além de dar aulas de História Moderna na FCHS-UALG, sou doutoranda no ISCTE-IUL, no Programa Interuniversitário de Doutoramento em História. A tese, que espero finalizar dentro em breve, versa sobre as reformas económicas de inspiração Iluminista de que a região algarvia foi alvo nos finais do Antigo Regime. Congrega, pois, a minha preferência pelo estudo da Época Moderna e da História Económica com o meu tema de eleição: o Algarve. Sou apartidária. Sou tendencialmente agnóstica. Os meus tempos livres ocupo-os com leituras, com a simplicidade de um passeio pelo campo ou à beira-mar (ou à beira-Ria), e com exercício físico, seja indoor ou outdoor. Adoro animais, especialmente gatos, seres infinitamente superiores a todos os outros. A minha cor preferida é o verde, a cor da Natureza, da Fertilidade e da Esperança. Por Gonçalo Duarte Gomes
É verdade, mais um… No entanto, e para lhe dar um twist interessante, aviso já que este traz a visão de uma espécie de Nuno Rogeiro do Mal, em que a abstenção não é crime, mas antes uma opção consciente, e com Game of Thrones à mistura… Por Gonçalo Duarte Gomes
Hoje é dia de greve climática! Ainda por cima numa Sexta-feira, o que dá sempre jeito, e garantiu que alguns veteranos da greve aderissem, mesmo sem ter grande noção daquilo ao que vão. No centro deste movimento, qual Mário Nogueira da coisa (embora sem bigode, mas igualmente sem pôr os pés numa escola há muito tempo), uma jovem de 16 anos: Greta Thunberg. A adolescente sueca, que tem sido figura central da reivindicação por uma acção política global para fazer face às alterações climáticas, viu-se ainda mais na berlinda depois do discurso inflamado que proferiu recentemente na Cimeira da Acção Climática, em Nova Iorque. A sua resposta contundente (e algo descompensada) à pergunta sobre qual a mensagem que trazia para os líderes mundiais ali reunidos, polarizou a opinião pública. Entre a canonização instantânea e a diabolização, passando pelo insulto, pela euforia, pelo achincalhamento ou pelo carinho, houve de tudo. Curiosamente, mais em torno do mensageiro do que da mensagem. O que é sempre mau sinal. Por Gonçalo Duarte Gomes
No Algarve lamenta-se, recorrentemente, o distanciamento da região relativamente aos centros e eixos da inovação. No entanto, as iniciativas no sentido de tentar essa aproximação são sistematicamente recebidas com desconfiança e até mesmo resistência. Mesmo em áreas nas quais o Algarve é cronicamente deficitário, como é o caso da saúde. E temos um exemplo bem fresco para analisar, já que no início da semana surgiu um programa inovador, no âmbito do qual mulheres algarvias foram convidadas a enviar fotografias dos seus seios via telefone, como parte de um protocolo pioneiro de diagnóstico de cancro da mama. Vai daí, e em linha com o pensamento retrógrado e cinzentão que enjeitou, aqui há uns bons anos, o portento tecnológico das mamografias por satélite, não tardaram a surgir classificações de fraude, acompanhadas da promessa de envolvimento das autoridades competentes. Não se pode pensar um bocadinho fora da caixa, que é logo um despautério! Ora isto no Algarve é estranho, principalmente por se tratar este método daquele que é utilizado para a gestão central do Estado relativamente à região… Por Gonçalo Duarte Gomes
Agora que o final de Agosto se aproxima a passos largos, começa o frenesim da rentrée política. Em ano de eleições, ainda por cima legislativas, pior ainda. Arrisco afirmar que os níveis de confiança e apreço por parte significativa da população relativamente à classe política conhecem, em Portugal, mínimos assim ao nível dos de finais da nossa Primeira República. Sem querer discutir aqui causas, noto efeitos. Concretamente o da desumanização desta relação. Exemplo maior será, porventura, a generalizada falta de sensibilidade para um drama silencioso que alastra na dita classe política: o transtorno dissociativo de personalidade (TDP). Um caso bem recente, e amplamente mediático, manifestou-se no Algarve. O protagonista, António Costa. Por Gonçalo Duarte Gomes
As sequelas dos filmes são sempre piores que as películas originais. Isto é sabido. Os dias que vivemos confirmam esse aforismo empírico, e a segunda abordagem tuga de 2019 ao universo cinematográfico do Mad Max está longe do brilhantismo da primeira (ver aqui). Seja como for, a greve em curso empalidece face a uma outra que decorre em paralelo, e à qual não dispensamos uma porção infinitesimal da atenção: a do S. Pedro. Nesta greve, como na outra, e como sempre, o Algarve é a região mais penalizada. Mas, neste caso, com culpas no cartório. Por Gonçalo Duarte Gomes
E ainda por cima, marchent par paires de trois! Eugène Delacroix cunhou, em 1830, a efígie da República, no quadro “A Liberdade guiando o povo”. Nesse quadro, Marianne, figura-tipo do povo, surge imponente e inspiradora, à cabeça dos seus concidadãos, erguendo bem alto a bandeira de França, em celebração da deposição da monarquia em terras gaulesas, compondo uma imagem de tal forma poderosa que viria a ter repercussões na iconografia republicana de outros países, como por exemplo Portugal. Nos últimos dias, e curiosamente em simultâneo com um polémico anúncio surgido na página de Facebook do Aeroporto Internacional de Faro, em que uma campanha propunha aos turistas a fuga da estival “confusão algarvia”, rumo às idílicas paragens de Marselha (!), foi descoberta uma outra versão dessa emblemática pintura. Nesta, em vez de Marianne, liderando a populaça francesa rumo à putativa liberdade com que os promotores do regime republicano acenavam, surge Maria Ana da Liberdade, moça marafada de Besteiros, à cabeça de uma horda de turistas, devidamente equipados, em feroz debandada rumo ao Sul de França, escapando do caótico Sul de Portugal. Os haters vão dizer que é Photoshop, que é falso, um ultraje e sabe-se lá que outras vilanias. Mas o que raio sabem eles sobre arte? Por Gonçalo Duarte Gomes
Em tempos cruzei-me com a manifestação de uma preocupação relativamente à desproporção que se verificava entre o investimento no desenvolvimento de soluções clínicas para a sexualidade (medicamentos para a disfunção eréctil, promotores da libido feminina, silicone para alteração do corpo, etc.) e o investimento na pesquisa para o tratamento da Doença de Alzheimer. Como consequência, antevia-se um futuro em que mulheres de seios enormes e homens com potentes erecções não fariam ideia do que fazer com uns e com as outras. Não consegui recuperar essa referência, para melhor a identificar, nem sei se é verdadeira ou uma peça de humor. Mas o que é facto é que vivemos tempos de obsessão com a estética e a aparência, negando e até manipulando os efeitos da natural passagem do tempo. Curiosa e paradoxalmente, o mais recente devaneio colectivo pôs o povo todo a brincar com uma aplicação (que mais poderia ser?) que mostra como ficamos quando formos velhinhos. Ficando eu próprio com a pulga atrás da orelha, fui passar o Algarve no dito filtro temporal, e o resultado não podia ser mais surpreendente! Por Gonçalo Duarte Gomes O Verão é uma altura em que muita gente aproveita para pôr a leitura em dia. Agora que a desejada estação aparenta ter chegado a terras meridionais, fica uma sugestão: Algarve Manifesto, de Jacinto Palma Dias. Sem adiantar grandes spoilers, direi apenas que é uma viagem pela História do Algarve - disciplina/exercício que propõe em jeito de assumida heresia - que nos leva por caminhos pouco comuns, porque intrincados e muitas vezes com ligações a longe, muito longe, e de há muito, muito tempo, numa prova cabal de que a condição cosmopolita da região não surgiu por aqui apenas com o advento das agências de viagens e com a predatória condição de activo turístico. A proposta de Jacinto Palma Dias é precisamente a de revelar a multidimensionalidade do Algarve, para lá da planura genérica e acéfala do folheto turístico e da magnanimidade dos descontos de 50% para residentes quando já não atrapalham as enchentes de "estrangeiros" (de aquém e além fronteiras). Um Algarve com complexas matizes culturais, económicas e sociais. Um Algarve que faz pensar, e que tem a capacidade - e a obrigação, já agora - de se pensar Uma outra publicação que recomendo (com a reserva de ser um tanto ou quanto difícil de encontrar) é "O Algarve revisitado" também da autoria de Jacinto Palma Dias e de João Brissos, editado há pouco mais de 25 anos. Aqui, novamente, o Algarve é preenchido com efectiva substância, para lá da mera aparência, encontrando-se reflexões sobre o passado (revisitado) mas também sobre o então presente, que, constatamos agora, não se alterou grandemente com o futuro entretanto chegado. Do conteúdo riquíssimo desse livro, destaco, quase em jeito de curiosidade mas não só, um mapa que identifica diversas particularidades e, diria quase, "identidades sub-regionais", que no seu conjunto conformam o Algarve. Um Algarve que importa sempre revisitar, para que, interpretando-o, o consigamos em permanência actualizar sem no entanto desvirtuar. Encarado, enfim, o Algarve. Por Gonçalo Duarte Gomes
A mitologia grega tornou famosa a ilha de Creta, à conta de uma pequena falcatrua levada a cabo pelo rei Minos relativamente a Poseidon, deus dos mares, que levou a que este fizesse com que a esposa do rei tivesse uma fraqueza das carnes e se enamorasse de um lindo toiro, da qual nasceria uma bicheza de mau-feitio conhecida como o Minotauro. Teve entretanto que entrar em cena Dédalo, empreiteiro de renome, que lá fez um labirinto para conter a mítica criatura. Com medo que o mestre-de-obras fosse contar mais do que devia, o rei Minos aprisionou-o. Mas nas veias de Dédalo corria sangue de MacGyver, e mesmo sem canivete suíço, o homem lá construiu umas asas de cera e penas de pássaros para si e para o seu filho, Ícaro, de forma a que pudessem escapar. Na altura do voo, o ancião avisou o fervoroso filho para ter cuidado. Deveria voar a uma altura média, evitando demasiada proximidade do mar (sob pena de humedecer em demasia as asas) e alturas que em excesso o aproximassem do Sol (derretendo os úteis apêndices). Uma metáfora para a oscilação entre a indulgência e o hubris, dizem-nos. Ícaro ignorou o último conselho e, voando bem alto, viu as suas asas transformarem-se em líquido depilatório, mergulhando a la tijolo no Mar Egeu. Diz quem viu que, no entanto, o lançamento do voo foi coisa linda, e a partir de um rooftop. Mais ou menos do mesmo ponto de onde Faro pretende lançar parte do seu futuro… Por Gonçalo Duarte Gomes
Moisés voltou a descer do monte! Mas, em vez do Monte Sinai, foi do Cerro de S. Miguel. E, em vez do Decálogo, trouxe uma pendrive. E nessa pen… vinha o Plano!
Por Gonçalo Duarte Gomes
Sou um matraquilho. Aquando da composição do meu genoma, algo correu dramaticamente mal, e as sequências específicas de ácidos nucleicos que permitem a sintonia do corpo com o sortilégio cósmico da música ficaram de fora dos meus X e Y. Resultado: sou incapaz de dançar. Nem sequer ouso tentar, na certeza de que tal espectáculo equivale a algo na proximidade de uma morsa a ter um ataque epiléptico. Ou, então a uma coreografia do Ian Curtis, que é igualmente deprimente, mas infinitamente mais estilosa. Mas, tal como os andróides sonham com ovelhas electrónicas, também os matraquilhos sonham com danças… Por Gonçalo Duarte Gomes
… cantaria Nero (assim mesmo em cámone), se em vez da eterna Roma governasse antes a capital do Reino dos Algarves. Sair-lhe-ia no entanto o pirómano tiro pela culatra, pois se na capital do Império Romano teve oportunidade de destruir todo um sistema de poder que se inscrevia no desenho urbano e na arquitectura da cidade, em Faro é já muito pouco o que de relevo e significado sobra para queimar. Já se o dedinho incendiário lhe fugisse para a queima de mamarrachos, bem que a velha Ossónoba poderia tremer… Por Gonçalo Duarte Gomes
Comemorou-se ontem a passagem de 45 anos sobre o 25 de Abril de 1974. “O dia inicial inteiro e limpo”, cantado por Sophia, que implantou em Portugal o regime democrático, pondo fim a 41 anos de Estado Novo, regime autocrático instaurado com a Constituição de 1933, e que foi indelevelmente marcado pela figura de António de Oliveira Salazar, que o comandou durante cerca de 35 anos. Nesta ocasião, as tradicionais cerimónias envolvem de tudo, desde foguetes a inaugurações, discursos e beberetes, poemas e canções. Isto para além do tradicional cravo ao peito, onde de resto batem vigorosas mãos, confessando a obrigatória devoção às causas da democracia e da liberdade. Mas será o 25 de Abril apenas uma flor na lapela? Por Gonçalo Duarte Gomes
Nos últimos dias vimo-nos mergulhados no universo da série cinematográfica Mad Max: um mundo distópico, pós-apocalíptico, em que as estruturas sociais colapsaram a par do modelo de consumo, e as fontes de energia, com o petróleo e seus derivados à cabeça, são disputados à facada e ao tiro. Neste cenário de selvajaria, as débeis estruturas de Governo reagem como podem e, quase instintivamente, protegem-se a si e aos seus interesses mais próximos, abandonando todo um vasto território à sua sorte. Um épico, portanto. No entanto, se a adaptação portuguesa a este universo foi, em geral, muito semelhante ao segundo filme da sequela, já a versão algarvia assemelhou-se muito ao primeiro: uma produção de baixo orçamento, que até gerou uma receita jeitosa, bem como um seguimento de culto, mas que olhada com mais atenção, está repleta de falhas. Tornar-se-á boa, de tão má que é? Por Gonçalo Duarte Gomes
Alguns historiadores apontam com curiosidade para o facto de, por volta de 200 a.C., alguns cultos revivalistas da mitologia Grega terem começado a proliferar em Roma, sem o filtro adaptador do panteão romano. Nessa onda retro, ter-se-á enquadrado o culto de Cybele, cujo principal núcleo – ou foco original – se localizaria em torno do monte Vaticano. Cybele era vista como uma espécie de Mãe Natureza, uma vez que teria originado toda a Vida, mesmo a divina, sendo inclusivamente considerada a mãe dos restantes deuses. Como isso de gerar toda a Vida é coisa cansativa, e até uma deusa precisa de distrações, Cybele tinha um amante, o deus Attis, rapaz ligado à vegetação e aos seus eternos ciclos de renascimento. Certo dia, Attis terá sido malandreco, e traiu a deusa com uma ninfa mais atrevida, provocando a mais que compreensível ira de Cybele. Como castigo, Attis foi levado pela deusa a cortar a sua própria genitália, morrendo mais tarde em consequência dessa mutilação. Mais tarde, e com o seu ponto de vista perfeitamente demonstrado, Cybele devolveu a vida ao amante, mas sob juras de fidelidade eterna, que depois da casa arrombada, trancas à porta. Todo este autêntico filme capaz de fazer as delícias de Neto de Moura terá decorrido logo após o equinócio de Março, que marca o fim do Inverno. Por isso mesmo, o mito de Attis assenta na sua morte a cada solstício de Inverno, altura em que Cybele inicia um pranto sobre toda a sua criação, que dura até à Primavera, altura em que o seu amado ressuscita novamente, para que juntos desfrutem da fertilidade e intensidade das épocas mais quentes do ano (pelo menos no hemisfério Norte). Ora Attis era também alvo de culto, não apenas pelos seus poderes divinos, mas também pelo seu consórcio com Cybele, e a dramática história de amor apache que o caracterizou. Como parte desse culto, seria celebrada uma festividade que teria início numa Sexta-feira, e culminaria três dias depois, altura em todos rejubilariam pela ressurreição. Um outro pormenor interessante é o facto de, supostamente, Attis ter nascido do ventre de uma virgem, numa data localizável no vigésimo quinto dia de um mês de Dezembro. Não posso afiançar a fiabilidade de tais teorias, mas, numa altura em que nos aproximamos de forma galopante do frenesim pascal, não consigo afastar a sensação de já ter ouvido contar uma história parecida... Por Gonçalo Duarte Gomes Cumprem-se hoje 111 anos sobre a 1ª edição do jornal “O Algarve”, disponível para consulta na hemeroteca digital… da Câmara Municipal de Lisboa. Assinalo esta efeméride com um excerto do “Nós” que se apresentou, em jeito de editorial, e de onde se empresta, de resto, a expressão que dá título a este texto: Mais um humilde combatente n’este pelejar do interesse publico, em que se debatem tantos campeões, assenta hoje inscripção, sob a denominação “O Algarve”, perante os nossos comprovicianos, a quem dedicamos, e só a elles, o trabalho que vamos empreender. 111 anos volvidos e, mutatis mutandis, quase tudo poderia ser escrito hoje. No Algarve e no País. Por Gonçalo Duarte Gomes Sá de Miranda, poeta português nascido no Século XV, escreveu: Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho, O Algarve tem mais ou menos o efeito da lírica senhora a que o poema se reporta, causando desvario e a perda de chão. Concretamente ao nível das intenções imobiliárias associadas ao turismo. Numa semana marcada por mais uma exibição épica de Cristiano Ronaldo, o seu feito de pôr a bola onde põe os olhinhos empalidece face à capacidade que certos patos-bravos demonstraram até hoje de, onde poisaram a vista, assentarem betão em monte. Por Gonçalo Duarte Gomes
Pedindo emprestado o título de um poema de António Ramos Rosa, utilizo ainda o excerto de um outro seu poema: Ter um braço de barro, um braço só Todo o carinho: terra! Cabelos, telhas, livros, solidões Pedras e pedras, pedras E ruídos doces de casas velhas de fundos corredores. Um braço: uma raiz. Para legendar esta foto, que me parece ilustrar na perfeição a mediterrânica arte de do pouco fazer muito. Com a qual temos cada vez mais a (re)aprender. Por Gonçalo Duarte Gomes
O poeta Ovídio legou-nos, entre outras obras, "A arte de amar", escrita mais ou menos pela altura em que Jesus Cristo nasceu. Aconselhava-nos aí a considerar os ofícios do coração na perspectiva dinâmica de um jogo, em perpétua mutação, com avanços e recuos, inebriantes e pírricas vitórias e amargas e gloriosas derrotas. Em Portugal, esse jogo revela-se tão duro, que deveria ser obrigatória a utilização de protecções, ao estilo do hóquei no gelo. Principalmente para as mulheres, pois são elas quem mais vezes acaba no frio de uma câmara frigorífica, numa qualquer morgue, de Norte a Sul do País, como cadáveres que bóiam num mar de lágrimas de crocodilo. Por Gonçalo Duarte Gomes
Em tempos idos, cruzando a praia em nobre sacrifício pelo bem comum, havia um conjunto de pessoas que se esfalfava para levar às gentes banhistas um bálsamo contra o tórrido calor do litoral tuga. Falo desses heróis não cantados que eram os vendedores da Olá – passe a publicidade. Vendo ao longe a sua alva figura, de inconfundível arca refrigeradora a tiracolo, não havia como conter o arrepio, principalmente ao ouvir aquele pregão: “Olha o Olá fresquinho! É fruta ó chocolate!” |
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