Por Gonçalo Duarte Gomes A pouco menos de um mês para entrarmos no período oficial de campanha eleitoral para as autárquicas, há que preparar o fim da silly season, que dará lugar à rentrée season, pois o tempo passa a correr. Este período “pré-campanha” em que nos encontramos – difícil de distinguir da campanha propriamente dita – é já rico em bizarrias. Mas, se muitos dos devaneios que por aí pululam servem, pelo caricato, para nos alegrar os dias, outros há que nos fazem sentir vergonha alheia mas também própria, por pensarmos que aquelas pessoas poderão vir/continuar a ser os decisores de amanhã. A esse propósito, não é descabido lembrar a história, testemunhada para a posteridade pelo jornalista Henrique Monteiro, da passagem de Mário Soares por Faro com a sua caravana de campanha para as presidenciais de 1986. Naquele seu registo expansivo de caça ao voto, e numa sequência beijoqueira a um friso de crianças, o então candidato abordou um petiz que esperneou veementemente. E o espavento não era para menos: no seu frenesim popularucho, Soares preparava-se para beijar um anão contra vontade do mesmo. Arrepiando caminho, largou a pessoa e partiu em busca de outras bochechas. Este episódio serve desde então – ou deveria servir, parece-me – de alerta a qualquer candidato/a, a qualquer eleição, para os efeitos do excesso de voluntarismo em períodos de campanha, pois se até Soares, dos mais batidos de sempre nas lides eleitoralistas, se enganou, que farão outros menos rodados nessas andanças… As eleições em Portugal são um filão no que toca a episódios rocambolescos. As autárquicas então, por tratarem do nível mais próximo das massas, atingem picos de insólito. Material para lá de apetitoso, portanto. Mas também com o seu quê de abjecto, tendo à cabeça a possibilidade de existirem candidatos que contam no seu passado com condenações por crimes cometidos no desempenho de... funções autárquicas! Tanto quanto sei, não há no Algarve nenhum caso destes, mas a ligeireza e desfaçatez com que, pelo País fora, tantas raposas ainda a cuspir penas se prontificam a retornar ao galinheiro, é altamente reveladora. Por um lado, da falta de vergonha na cara dos protagonistas de tais regressos. Por outro, de como não exigimos, enquanto eleitorado, essa mesma vergonha. Pior ainda, em alguns casos célebres, muitos correrão com boas hipóteses de vencer, o que mostra que não é um problema apenas “dos políticos”, mas fundamentalmente nosso, enquanto eleitores. Finalmente, expõe brutalmente o favorecimento da organização política nacional para com uma generalizada imoralidade do sistema, que deliberadamente se mantém permeável a estas situações, porque afinal de contas, hoje és tu, amanhã posso ser eu... Mas vá, sejamos nacional-porreiristas, e esqueçamos isso. De caminho, façamos de conta que as obras e pavimentações feitas à pressa, bem como apoios e subsídios atribuídos ou prometidos em fim de mandato realmente não poderiam ter ocorrido nos 4 anos – em alguns casos muitos mais – anteriores, apesar de agora nos dizerem que era tudo... fundamental e prioritário. Omitamos também os obscenos valores já anunciados para gastos em brindes e bugigangas de campanha a nível nacional (o eleitorado é bicheza tipo gralha, seduz-se com objectos brilhantes e curiosos), que ascendem a cerca de 5 milhões de euros, olvidando já agora que somos todos nós que vamos pagar parte ou totalidade destes desvarios, bem como muitas outras coisas, por via dos 60 milhões de euros das subvenções do Estado para as campanhas das Eleições Autárquicas de 2017, inscritas no Orçamento de Estado para este ano, através da dotação destinada à Assembleia da República. Com enorme esforço, varramos mesmo para debaixo do tapete a horrível e em alguns casos até aí inimaginável transfiguração que sofre muita gente que entra em modo candidato/a, e que leva ao esquecimento de todos e quaisquer princípios, coerência, honestidade intelectual e até integridade, embarcando em toda a sorte de populismo, demagogia, falsa propaganda e até patrocínio de ilegalidades e irregularidades. Votinho oblige, e novamente por culpa do eleitorado. Mas conceda-se, ainda assim, que tudo isto pode ser entendido como meios para chegar a um fim, que alguns entendem ser justificativo de tudo, fazendo sorrir Maquiavel. No “autarquismo” algarvio há algo mais preocupante. É frequente ouvir as forças vivas algarvias referirem a necessidade de descentralização, de autonomização e até da regionalização, para que o Algarve possa assumir em definitivo as rédeas do seu destino, desenhando e operacionalizando internamente as suas complementaridades e sinergias geográficas e funcionais, que se desenvolvem à escala da região. Com igual frequência, acusam o poder central de não compreender essa idiossincrasia do Algarve, tolhendo assim, com medidas míopes, o futuro deste cantinho. No entanto, nestes tempos – ainda que embrionários, ou nem tanto, que 1 de Outubro é já ali – de campanhas e promessas, no âmbito das candidaturas, persiste a perspectiva do hortelão político, cujos limites se extinguem na cerca da sua horta, quando é necessária uma visão de regente agrícola, capaz de ver as diferentes quintas, integradas num sistema articulado e coerente. Este seria o momento ideal, até pela magnitude e exigência dos desafios que se colocam, para enraizar o pensamento e a prática da articulação intermunicipal e dos projectos partilhados, seja ao nível do ordenamento territorial e planeamento sectorial, dos equipamentos e infra-estruturas, da dinamização económica ou cultural, o que seja, no léxico autárquico, sem ter que esperar ou depender de iniciativas regionais ou centrais nesse sentido (que demoram décadas e muitas vezes resultam em nada), já que há muito que pode ser decidido e feito entre vizinhos. Pelo contrário, verifica-se que este discurso está praticamente arredado ou, na melhor das hipóteses, é residual nos conteúdos programáticos já conhecidos. Se assim é, como podemos esperar que depois haja uma consolidação de interesses e convergência de esforços para outras questões críticas, mais complexas e alargadas ao nível da concertação, como os cuidados de saúde na região, que atravessam uma crise tremenda? Como unir 16 vozes num coro, se nem duetos afinados se conseguem ensaiar? Soam apropriadas as palavras de Mahatma Gandhi: Apenas espelhamos o Mundo. Todas as tendências presentes no mundo exterior podem ser encontradas no mundo do nosso corpo. Se conseguíssemos mudar-nos, as tendências no Mundo mudariam também Entre a propaganda, a beijoquice, as promessas insustentáveis, a chicana política, a maledicência, as fotos em bailes e festarolas a rechear redes sociais, as mãos-cheias de porta-chaves com ficha de carrinho de supermercado e os braçados de aventais, porque não pensar nisso? Aproveitando o modelo em voga nestas eleições, de pôr os eleitores a elaborarem os programas, sob esse chapéu de aba larga da “participação”, fica este contributo em forma de sugestão. O pessoal agradecia, e talvez ajudasse a contribuir para o suster do aumento contínuo da abstenção nas autárquicas que se verifica desde 2005 (8,4% de acordo com dados da PORDATA). É que, felizmente, cada vez menos nos revemos em modelos baseados na escolha do mal menor e não na escolha da melhor opção.
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