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2020. E agora?

31/12/2019

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Por Luís Coelho
Quis o destino que caísse sobre mim a responsabilidade de escrever o primeiro e o último texto deste Lugar ao Sul em 2019. Há a um ano atrás reflectia sobre as decisões que teríamos de tomar no contexto das eleições para o parlamento europeu e para a assembleia da república (AR). Doze meses volvidos o tema é outro: os desafios de Portugal para o Ano Novo. Na minha opinião, estes são muitos e complexos. Resumo o meu pensamento em torno de dois vectores essenciais.

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2019 - O ano que acaba tal como começou: a sangrar

30/12/2019

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Por Anabela Afonso

Gostava de fazer um daqueles textos de final de ano, cheio de bons desejos e mensagens de paz e amor para todos quantos nos leem, mas com as últimas notícias é difícil, para não dizer impossível.

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​Se recuarem ao histórico do blog e pesquisarem o que se publicou por aqui durante o mês de fevereiro deste ano, encontrarão, por puro exercício de ironia do acaso, - já que fevereiro é o mês do Amor - vários textos dos autores do Lugar ao Sul sobre a questão da violência doméstica e do número de mulheres assassinadas que, logo no início de 2019, já fazia antever a carnificina que estava por vir.

De acordo com esta notícia da SICN, este ano (que ainda não acabou e, como bem sabemos, num dia muito sangue pode ainda correr) já foram assassinadas em contexto de violência doméstica 35 pessoas. As mulheres continuam a liderar esta contagem, totalizando 27 das vítimas, mas há ainda 7 homens e uma criança, assassinados em 2019.

A violência doméstica continua a ser, para mim, o maior flagelo social dos nossos dias. A violência doméstica deixa marcas profundas a todos os que direta ou indiretamente com ela convivem. São dezenas de crianças que todos os anos ficam órfãos de mãe e/ou de pai, de um modo que dificilmente os deixará, alguma vez na vida, sarar a 100%, ainda que vivessem num país que lhes assegurasse o devido acompanhamento psicológico e social enquanto vítimas e sobreviventes que são de um crime atroz, o que todos sabemos não acontecer. 

Segundo o psicólogo António Castanho, e a análise que fez a 14 anos da base de dados da Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, nesse período, mais de mil crianças ficaram órfãs por causa de violência doméstica. De acordo com as suas declarações ao Jornal Público, “as crianças expostas à violência doméstica têm um aumento do risco de problemas psicológicos, sociais, emocionais e comportamentais, incluindo perturbações do humor e ansiedade, PSPT, abuso de substâncias e problemas académicos”. Além disso, as investigações apontam para uma transmissão intergeracional da violência com impactos psicológicos, de saúde, comportamentais e socioeconómicos, acrescentou. 

Este estudo demonstra também, como já é sabido, que a esmagadora maioria das vítimas mortais de violência doméstica são as mulheres, estando registadas, entre 2004 e 2018, 503 mulheres assassinadas. Mas o certo é que elas não são as únicas vítimas e 2019 trouxe esse aspeto à luz do dia, da pior forma possível, por contabilizar entre as vítimas deste ano também um criança de 3 anos e 7 homens. 

No relatório sobre homens vítimas de violência doméstica, entre 2013 e 2018, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), fica claro como, também sobre os homens, está a aumentar o registo de queixas, tendo passado de 395 em 2013, para 527 em 2018. Este aumento pode estar simplesmente associado a uma maior visibilidade do fenómeno, e ao facto de, tratando-se de um crime público, a queixa poder ser feita por terceiros, o que ajuda a ultrapassar a vergonha em assumir que se é vítima de violência doméstica, levando muitos homens a esconder a situação.

Enquanto 2019 não termina, fica como sugestão de leitura para o novo ano, o relatório anual da APAV, de 2018, com as várias leituras dos números da violência do ano passado.

Informação não nos falta, e todos sabemos que se não se fizer alguma coisa, rapidamente, muitos lares portugueses continuarão a ser, no próxima década, para muitas famílias, uma coisa mais próxima de uma zona de guerra, em vez do porto seguro para onde todos - mulheres e homens, crianças e idosos  - deveríamos ter o direito de regressar, ao final do dia.

Gostaria de me despedir com um Feliz 2020 a todos, mas hoje ainda não consigo, talvez amanhã...

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O Homem que esteve Reitor

20/12/2019

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Por Gonçalo Duarte Gomes

Há uma semana tive o privilégio de ser convidado a fazer uma apresentação do livro “Transitoriamente Reitor”, da autoria do António Branco e editado pela Sul, Sol e Sal, em conjunto com o Bruno Inácio.

Para quem não saiba, eu e o Bruno somos os maiores especialistas em António Branco, num período compreendido entre cerca das 21:30 e uma hora posterior que não sei precisar, de todas as Sextas-feiras que calhem no dia 13 de Dezembro de 2019, no espaço confinado da Fnac de Faro. Uma espécie de singularidade espácio-temporal literário-cultural, vá, com poucas probabilidades de se repetir.

Nessa sessão, e explanando tal sapiência, demos resposta a todas as perguntas que as pessoas sempre quiseram fazer sobre ele, mas tinham vergonha.

Ou então, de forma mais prudente e ponderada, limitámo-nos a dinamizar uma amena cavaqueira acerca de um livro que é mesmo bom e que, estando nós à beira do Natal, me parece uma excelente prenda para o sapatinho de qualquer pessoa que se interesse sobre reflexões em torno da Educação, da Universidade, da Sociedade, da Cultura, do exercício do poder, da Cidadania e… do Amor!

Partilho então, mutatis mutandis, as ideias que, pela minha parte, foram ali veiculadas, e outras que entretanto me esqueci e que gostaria de me ter lembrado. Metem-se com amadores, dá nisto…

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Receita para a amnésia de um povo - 7 anos depois

16/12/2019

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Por Anabela Afonso

Há sete anos, com o surgimento da TDT - Televisão Digital Terrestre, escrevi, a propósito desse processo que na altura deixou muitos locais do país, sobretudo no interior, sem acesso à televisão, a crónica "Receita para a amnésia de um povo". Essa crónica foi inspirada pelo chamado "apagão", já que, para quem não tivesse aderido aos canais por cabo e quisesse continuar a aceder aos canais generalistas de sinal aberto, só o poderia fazer adquirindo um aparelho específico que, mesmo assim, em muitos locais do país era ineficaz, fazendo com muitos portugueses ficassem, de um dia para o outro, sem televisão.

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Na semana que passou dois acontecimentos recordaram-me o que escrevi nessa crónica, publicada no Jornal "O Algarve", em 10 de agosto de 2012, jornal regional que, registe-se, deixou de existir: a notícia de que a Autoridade da Concorrência tinha autorizado a compra do grupo Media Capital (que detém a TVI) pela Cofina, depois de, em outubro passado, a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social ter declarado não se opor à operação; e o episódio em que o Presidente da Assembleia da República repreendeu o deputado André Ventura, por utilizar excessivas vezes a palavra vergonha.

Poderá parecer, à primeira vista, que estes dois episódios não têm nada que ver um com o outro, mas têm, e muito. No primeiro caso, tratando-se o grupo Cofina do detentor do Correio da Manhã e da CMTV, o qual, por coincidência, foi o que deu grande visibilidade ao deputado de que agora se fala, e conhecendo o estilo, pode imaginar-se o efeito de amplificação que ganhará a partir do momento em que a TVI passe a integrar o dito grupo.

No segundo caso, como já deu para perceber, o deputado André Ventura não perderá uma oportunidade para transformar episódios insignificantes (e por mais triste que tenha sido a intervenção do presidente da AR a repreender um deputado por uma coisa que era tudo menos inédita, não deixou de ser, apenas, mais um episódio insignificante em muitos dos que, em todas as legislaturas, acontecem no hemiciclo), que interessam muito pouco ao futuro do país, mas que rapidamente se transformarão em "notícia" e tempo de antena para o próprio. Ora, com o efeito arrastador que o estilo CM já tem sobre a restante comunicação social, a expandir-se para uma televisão com as audiências que tem a TVI, receio bem que estas peripécias comecem a ganhar cada vez mais terreno no espaço mediático, deixando cada vez menos lugar para a verdadeira informação, e para o jornalismo a sério. 

Gostaria muito de estar enganada, e gostaria, sobretudo, que estes não fossem novos ingredientes a acrescentar à tal "receita para amnésia de um povo" que, passados 7 anos, achei por bem recuperar, com a nota positiva de que, pelo menos por agora, se deixou cair a ideia de privatização da RTP2, e que não é demais lembrar, era o que estava em cima da mesa em 2012:

«Para quem ainda tem dúvidas de como é possível ser-se bem sucedido na enorme tarefa de fazer um povo esquecer-se de si, chegou-nos, este fim-de-semana, a notícia do passo que faltava à lista de ingredientes de uma receita que, a consumar-se, será infalível.
Primeiro deixam-se a marinar, durante alguns anos, 3 canais de televisão generalistas – um deles pertencente ao Estado - que passo a passo conduzem os lares portugueses para a total dependência de telenovelas.
Depois, de forma suave e discreta, os mesmos canais generalistas vão transformando os noticiários em espectáculo televisivo, onde por vezes, e se estivermos suficientemente distraídos, somos capazes de acreditar que já é hora da telenovela.
Introduz-se a televisão por cabo, a qual fornece conteúdos especializados a quem pode pagar, claro. Quando a televisão por cabo está bem estabelecida, chega a TDT, que vem assegurar, que uma boa parte da população - a que não pode pagar - se fica mesmo só pelo universo das telenovelas e dos noticiários-espectáculo.
Por fim (e de acordo com o jornal Expresso do fim-de-semana passado, a coisa deverá acontecer até ao final do ano), prepara-se a rápida privatização daquele que ainda vai resistindo como último reduto de algum serviço público de televisão em Portugal, a RTP2.
Poderá um canal único nas mãos do Estado, numa conjuntura onde os resultados quantitativos imperam sobre tudo o resto, assegurar um verdadeiro serviço público de televisão? Pode imaginar-se o que acontecerá aos conteúdos televisivos que resultarão da guerra de audiências e da luta pelas receitas de publicidade com mais um canal privado de televisão a operar no mercado.
Em 2004, no ensaio “A Ideia de Europa”, alertava George Steiner: “A Europa esquece-se de si própria quando se esquece de que nasceu da ideia da razão e do espírito da filosofia.”»

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O Reino do Algarve: entre a periferia e a “insularidade”

13/12/2019

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A Andreia Fidalgo volta a honrar-nos com a sua visita, desta feita para lançar um olhar informado e crítico acerca da questão da desigualdade de rendimentos no Algarve, à luz não apenas de dados recentes, mas da análise do passado da região nesta matéria. Uma autêntica e riquíssima aula, mas em jeito de história contada. Para apreciar e, acima de tudo, reflectir...

Gonçalo Duarte Gomes
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Por Andreia Fidalgo

Enquanto historiadora e defensora da ideia de que o estudo da História nos ajuda a assumir uma atitude crítica face ao nosso próprio tempo (tal como já defendi anteriormente), sou constantemente confrontada com o desafio de colocar em comparação os meus temas de estudo com a actualidade. Não é este um exercício que se afigure simples e evidente: se me tenho dedicado ao estudo do contexto socioeconómico do Algarve dos finais do século XVIII e primeiras duas décadas do século XIX, estabelecer comparações com o século XXI, numa escala temporal macro, apresenta os seus riscos e deve ser realizado com todas as reservas e cautelas. Evidentemente, o contexto político, social e económico dos dias de hoje é já uma realidade muito distante e diferenciada daquela que marcava o quadro político, social e económico dos finais do Antigo Regime em Portugal. No entanto, esta reflexão não deixa de ser útil, porquanto é possível verificar, ainda que em contextos históricos completamente diferentes, com dinâmicas próprias e em que os actores sociais são outros, que existem problemas que estão de tal forma enraizados no território que nem duas centúrias transcorridas foram suficientes para os extinguir.

​Esta nova reflexão vem a propósito dos resultados de um inquérito às Condições de Vida e Rendimento em Portugal, realizado este ano, tendo por base os rendimentos do ano anterior (Survey on Income and Living Conditions 2019), publicado no passado dia 26 de Novembro pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma vez mais, o Algarve salienta-se pela negativa: no panorama nacional, cuja média da taxa de privação material é de 5,6%, é a segunda região com a taxa mais elevada, com 8,1%, logo a seguir à Região Autónoma dos Açores, com 13,1%, e imediatamente antes da Região Autónoma da Madeira, com 7,3%; no que respeita ao risco de pobreza, cuja média nacional se fixa nos 17,2%, as três regiões referidas permanecem no pódio, com o Algarve agora a surgir em terceiro lugar, com 18,7%, antecedido pela Madeira, com 27,8%, e pelos Açores, com 31,8%.

Neste panorama, também é útil olhar para os indicadores de desigualdade de rendimento expressos pelo coeficiente de Gini. Este coeficiente é um instrumento estatístico utilizado para medir a desigualdade de uma distribuição, ou seja, mede a concentração do rendimento de uma amostra populacional para aferir as desigualdades. Traduzido em valores percentuais, varia entre o 0% e os 100%, em que o 0% representaria uma distribuição igualitária – isto é, o rendimento encontrar-se-ia igualmente distribuído entre os indivíduos de uma sociedade – e em que os 100% representam o expoente máximo de desigualdade – isto é, o rendimento encontrar-se-ia concentrado num único indivíduo de uma sociedade. Assim, quanto mais perto dos 100% se encontra o coeficiente, mais desigual é uma determinada sociedade no que respeita à distribuição de rendimentos. O coeficiente de Gini para Portugal, em 2018, fixa-se nos 31,9%, tendo baixado relativamente ao anterior ano de 2017, em que se fixou nos 32,1%. A nível regional, o Algarve surge em quarto lugar na desigualdade de rendimentos, com um coeficiente de Gini de 31,5%, só superado a nível continental pela grande área metropolitana de Lisboa, com 32,8% - o que eventualmente se coaduna com a teoria económica clássica de que as áreas urbanas são mais propensas a uma maior desigualdade de rendimentos –, e a nível global pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, com 33,5% e 37,6% respectivamente.

Se aliarmos o coeficiente de Gini à taxa de privação material e ao risco de pobreza, obtemos indicadores claros das regiões portuguesas mais afectadas, isto é, daquelas em que as desigualdades de rendimentos são mais elevadas, com repercussões evidentes nas condições de vida da população: as regiões autónomas da Madeira e dos Açores e, no Portugal continental, o Algarve. Indicadores reveladores de manifestas assimetrias regionais? Sim. Indicadores preocupantes? Sem dúvida! Indicadores, ainda assim, surpreendentes? Nem por isso, se os analisarmos também sob o ponto de vista histórico, com as devidas reservas que uma reflexão comparativa deste género sempre encerra.

Façamos, assim sendo, o exercício de recuar uns 250 anos, até ao período pombalino. É durante o consulado pombalino que em Portugal se vai inaugurar, sob a égide das Luzes, um reformismo mais sistemático, fundado num ideário ilustrado de progresso e bem-estar, no qual interessou, mormente, a realização de reformas económicas. Ao desenvolvimento económico almejado associava-se a preocupação constante com o desenvolvimento agrícola: numa sociedade de Antigo Regime, o rendimento encontrava-se essencialmente alicerçado na propriedade fundiária e na produtividade agrícola, pelo que implementar reformas económicas traduzia-se inevitavelmente em criar políticas de incentivo à agricultura. É neste âmbito que, quando é delineado para o Reino do Algarve, por Pombal, todo um projecto económico de “Restauração”, se vão diagnosticar problemas severos no desenvolvimento agrícola, sector amplamente subaproveitado na região algarvia. Este subaproveitamento estava sobretudo relacionado com a desigual distribuição da propriedade – o que equivale a dizer uma desigual distribuição do rendimento –, que se encontrava concentrada nas mãos de uma elite regional constituída por grandes senhorios, descritos nas fontes documentais da época como os “poderosos” e “ricos” do Reino do Algarve. Esta elite regional, pouco numerosa, concentrava em si a maior fatia do rendimento regional e, além da posse da terra, explorava também os lavradores com censos e foros (rendas obtidas através dos contratos de acesso e exploração da terra) de carácter usurário, ou seja, que ilicitamente se praticavam a uma taxa anual de 10%, quando a legislação em vigor estabelecia uma taxa anual de 5%.

A situação económica algarvia do final do Antigo Regime é ainda mais gravosa se aos problemas identificados para o sector agrícola se adicionarem os problemas identificados para o sector comercial. Neste domínio, também os diagnósticos pombalinos identificam uma situação calamitosa: o comércio externo, o mais lucrativo, que à época se fazia sobretudo com o Norte da Europa, era liderado regionalmente por comerciantes ingleses estabelecidos em Faro, a partir de onde exportavam os principais frutos e produtos algarvios – figo, amêndoa, laranja, cortiça… –, sem que fosse possível aos comerciantes locais competir com os estrangeiros e fazer frente às redes comerciais internacionais pré-estabelecidas.

Os diagnósticos pombalinos deixam antever, pois, um Reino do Algarve muito marcado por uma desigualdade de rendimentos. Não sendo possível obter dados que permitam calcular o coeficiente de Gini para a totalidade da região nesse período, é possível, ainda assim, calculá-lo para três das principais localidades algarvias – Faro, Tavira e Loulé – com base nos dados recolhidos através dos livros de pagamento da Décima, imposto que correspondia a 10% do rendimento anual e que abrangia todas as camadas sociais, incluindo as privilegiadas, sem excepção. Faro, principal cidade algarvia da época, era a localidade com um índice de desigualdade mais elevado, com 67%, seguida por Tavira, com 65% e por Loulé, com 61%. Uma desigualdade de rendimentos muito elevada, portanto, que espelha uma realidade muito díspar da actual, em que o coeficiente de Gini para a região está fixado nos 31,5%; ou, talvez, não tão díspar assim, se pensarmos, numa escala mais global, que estes valores percentuais são ainda muito próximos aos verificados recentemente em alguns países em vias de desenvolvimento, tais como a África do Sul, com 63% (2014), ou a Namíbia, com 59,1% (2015).

Estes índices de desigualdade de rendimentos verificados para as localidades algarvias nos finais do Antigo Regime não são, per se, um exclusivo da região, uma vez que vários estudos históricos que têm vindo a ser recentemente desenvolvidos, quer para outras localidades portugueses, quer para outras localidades ou regiões europeias, revelam índices muito similares. Não é de todo surpreendente, já que a sociedade do Antigo Regime se define, a priori, pela sua estratificação e desigualdade, o que evidentemente se reflecte na diferenciada distribuição da riqueza por cada grupo social. Porém, no caso algarvio acresce que todo o discurso contido nas fontes documentais sobre os “senhores poderosos” e “ricos” deixa transparecer, além da distribuição desigual de rendimentos, uma grande desigualdade social manifestada pela presença de uma forte elite regional interessada em manter os seus próprios interesses económicos, que não raras vezes agia ilicitamente, e à qual era difícil ao poder central fazer frente. O que, talvez, seja mais interessante notar é que o exemplo algarvio, bastante singular, encontra paralelismos vários quando alargamos o nosso olhar além do território continental, aos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Por exemplo, na Ilha do Porto Santo, na Madeira, uma lei expedida a 13 de Outubro de 1770 dava conta de uma situação generalizada de “ociosidade e inércia” dos seus habitantes e de que as terras se encontravam nas mãos de “poderosos e usurários”. Já no caso dos Açores, uma carta régia de 24 de Outubro de 1775 dava conta de que o termo da Calheta, na Ilha de São Jorge, se encontrava sob o domínio de um único indivíduo que intentara despejar um vasto número de colonos que aí habitavam e cultivavam as terras, contribuindo para a sua ruína e subaproveitamento agrícola.

Estes casos apresentam similitudes várias com o Algarve, sendo que, nos três exemplos supracitados, a actuação pombalina visou limitar o poder dos grupos privilegiados – principais detentores de riqueza – visto que estes chegavam mesmo a agir de forma ilícita e constituíam um entrave à exploração e ao desenvolvimento agrícola. Neste contexto não é, de todo, despiciendo comparar o Algarve com os Açores e com a Madeira. Se estes dois últimos são territórios insulares por excelência, o Algarve não deixa de padecer também de uma insularidade motivada pela sua situação geográfica, uma vez que, rodeado pelo mar a sul e oeste, pelo Guadiana a este, e por uma vasta serra a norte, foi, durante séculos, uma região de difícil acesso e votada ao esquecimento e isolamento – era, e não apenas simbolicamente, um reino à parte. A comparação é tanto ou mais pertinente se pensarmos que os três casos, todos eles alusivos a territórios periféricos do Reino de Portugal e onde a actuação pombalina assumiu contornos semelhantes, são reveladores da presença de uma sociedade muito desigual, cujo poder económico se alicerçava na posse da terra –  principal fonte de rendimento –, o que permite inclusivamente o seu enquadramento e leitura em quadros analíticos mais amplos, tais como o das relações centro-periferia, ou o da relação entre desigualdade social e desigualdade económica.

Ora, vejamos: no que à relação centro-periferia diz respeito, podemos recuperar aqui a ideia de que quanto mais afastados se encontram os territórios periféricos dos centros de autoridade, mais difícil se torna o exercício dessa autoridade, ou seja, a dispersão do sistema institucional dificulta a capacidade de afirmação da autoridade, o que nos três exemplos referidos terá certamente contribuído para a afirmação, no território, de uma elite local. Por outro lado, e complementarmente, é possível também recuperar aqui a ideia da relação entre desigualdade social e desigualdade económica, na medida em que as sociedades com uma maior desigualdade na distribuição da riqueza e predominância de uma forte elite social foram tendentes a criar instituições voltadas para a manutenção dos seus benefícios e privilégios e, portanto, menos eficazes na promoção do desenvolvimento económico e da distribuição mais igualitária do rendimento.

É verdade que decorreram cerca de 250 anos desde o panorama acima retratado. Mas não posso deixar de notar as similitudes com a actualidade, quando o inquérito às Condições de Vida e Rendimento em Portugal coloca, em 2018, as três regiões “insulares” portuguesas no pódio da taxa de privação material e no risco de pobreza, e reflecte também, nos três casos, uma desigualdade de rendimentos bastante elevada quanto comparada com outras regiões nacionais. Observemos o contexto histórico anterior, e talvez encontremos aí as raízes para os problemas de desenvolvimento económico de que estas regiões ainda padecem. Pensemos no quadro das relações centro-periferia, e talvez possamos compreender de que forma estes territórios isolados foram e são alvo de esquecimento e da falta de uma actuação eficaz por parte do poder central, que se reflecte actualmente na máxima de inspiração queirosiana de que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”.

​Recordemos a ideia de que sociedades desiguais, com uma desigual distribuição de rendimento e presença de uma forte elite social podem não ter promovido da melhor forma o desenvolvimento económico, e talvez possamos compreender de que forma os interesses económicos de certos grupos ditos privilegiados se podem ter sobreposto aos interesses da restante sociedade mais desfavorecida, sucessivamente, de geração em geração. Substituamos, no caso algarvio, os grandes proprietários do Antigo Regime pelos grandes grupos hoteleiros que operam e exploram na/a região nos dias de hoje, e talvez os lavradores que trabalhavam a terra e eram explorados pelos grandes proprietários fundiários não sejam assim tão diferentes dos actuais trabalhadores do sector hoteleiro. Substituamos ainda os comerciantes ingleses que se sediavam na região pela sua localização favorável nas rotas comerciais que ligavam o Mediterrâneo ao Atlântico, pelos estrangeiros oriundos de várias partes da Europa que actualmente escolhem o Algarve – e bem! – para a sua residência, pelas favoráveis condições que apresenta, e talvez não tenhamos duas realidades assim tão dissonantes. Por tudo isto, questiono: estaremos assim tão afastados do Reino do Algarve dos finais do século XVIII?

Não tenho respostas… deixo aqui, somente, algumas reflexões.
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SNS: uma guerra perdida pelo Algarve?

10/12/2019

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Por Luís Coelho
O tema da saúde é recorrentemente tratado no Lugar ao Sul. De facto, eu próprio já escrevi sobre o assunto apontando baterias para aquela que me parecia  ser a lacuna mais revelante da região neste domínio: a falta de investimento público. Escrevi “parecia” pois, à data de hoje, este é um tema secundário. Na verdade, na semana passada vimos finalmente e de viva voz a forma como a ministra da saúde olha com total desconsideração para a nossa Região. Em particular, como cidadão e contribuinte não posso aceitar que Marta Temido tenha afirmado à Antena 1 que “Não me parece que haja falta de médicos no Centro Hospitalar e Universitário do Algarve”, para de seguida sugerir que “[o que é preciso é] rever escalas e formas de organização”. Estas afirmações são indesculpáveis por duas ordens de razão.

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Nascido p'rá felicidade

6/12/2019

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Por Gonçalo Duarte Gomes

Numa rua esconsa de Olhão, eis senão quando um inesperado encontro anónimo com a poesia, pairando despojadamente acima de uns caixotes do lixo, e inscrita numa parede decrépita:
​
                           eu    nasci pra ser feliz
                              e   não   perfeito.

Vermelho, flamejante, taxativo, final como o ponto que conclui. É quase uma visitação agostiniana.
​
Não do Santo, mas do filósofo, Agostinho da Silva, na sua máxima:
​
O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

​Talvez o Algarve em confissão.

Numa rua. Esconsa e inesperada.
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Descentralização vs Regionalização suave

2/12/2019

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Por Anabela Afonso

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Foi publicada a 16 de agosto de 2018 a Lei Quadro de transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais. Esta lei quadro, ao longo dos seus mais de 40 artigos identifica as áreas em que se têm verificado, e continuarão a verificar, as transferências de competências, bem como os mecanismos para a respetiva transferência de recursos financeiros e humanos, e determina, no número 3 do seu artigo 4.º, que «Todas as competências previstas na presente lei consideram-se transferidas para as autarquias locais e entidades intermunicipais até 1 de janeiro de 2021[...]». Quer isto dizer que, queiram os municípios/entidades intermunicipais ou não, as competências previstas na Lei Quadro, transitarão inevitavelmente para a sua gestão dentro de um ano e uns dias.

As áreas a transferir são as mais variadas, desde a ação social, à proteção civil, passando pela cultura, saúde, habitação, património, praias marítimas fluviais e lacustres, entre outras tantas.

O princípio não me parece mau, sendo eu uma regionalista convicta, e acreditando que somos um país que ainda deve muito à prática do princípio da subsidariedade - aquele que determina que aquilo que possa ser feito pela estrutura/entidade mais pequena e mais próxima, não deverá ser feito pela estrutura/entidade maior e mais distante - o qual gostamos muito de reclamar quando apontamos o dedo à União Europeia por lhe faltar proximidade com a realidade dos Estados Membros, mas que depois esquecemos de praticar internamente.

No entanto, é inevitável perguntarmo-nos porquê uma descentralização a ser concretizada em tão pouco tempo, e a deixar de fora a discussão que deveria recuperar-se sobre, porque não a regionalização? Mas parece que afinal, a discussão está aí, pelo menos a julgar pela edição deste sábado do expresso, com a peça Marcelo aceita metade do plano de Costa para uma regionalização suave, apontando para a ideia deste mecanismo da descentralização ser o compromisso possível num governo que co-habita com um presidente da República que se sabe ser, desde sempre, contra a ideia da regionalização. Assim, numa primeira leitura também me parece fazer sentido, havendo essa condicionante, e tendo em conta a capacidade do Presidente da República comunicar para o seu eleitorado - que sabemos ser vasto - ser este um sinal de que pelo menos se está a fazer um esforço de trazer mais para perto dos cidadãos, os níveis de decisão das matérias que mais diretamente os afetam. E isso é positivo.

O problema, está no passo seguinte, com vista a cumprir essa "regionalização suave"
 e que passará pela eleição indireta dos presidentes das CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional), à semelhança do que já acontece com os presidentes das Grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, mas, e é aqui que nos devemos pasmar, segundo a versão em papel da edição de sábado do Expresso, e aquilo que consta no programa do governo, o que está pensado para as Grandes Áreas Metropolinas de Lisboa e do Porto é «que os presidentes se submetam ao voto dos eleitores, à semelhança do que acontece na Madeira ou nos Açores com os presidentes dos respetivos governos[...]. Como nas ilhas, passará a existir também uma assembleia metropolitana com 'deputados' eleitos diretamente. 'Democratizar as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, com uma assembleia metropolitana eleita juntamente com as eleições autárquicas de 2021, a qual aprovará por maioria a constituição de um executivo metropolitano.'» 

Ao que parece, e segundo a versão online da mesma notícia, já atualizada em relação à versão impressa, Marcelo Rebelo de Sousa, e bem, já se terá manifestado contra esta opção, dando conta, durante o Congresso da Associação Nacional dos Municípios Portugueses  da sua posição sobre a matéria, com a seguinte formulação: «[...] manifestou-se a favor de metade da regionalização 'soft' que Costa propôs: aceita a eleição indireta das CCDR mas chumba a eleição direta pelo povo nas áreas metropolitanas.»

Parece-me óbvio, que avançar para uma solução em que os cidadãos das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto teriam a opção de escolher, por voto direto, os atores de um novo nível de administração regional, deixando os cidadãos do resto do país órfãos do mesmo direito e dever, seria de uma injustiça enorme, aumentando a perceção, que já é grande em todo o país que, de facto, Portugal é Lisboa e o Porto e o resto é paisagem.

Acontecerá na próxima terça feira, no Rivoli, no Porto, um debate sobre esta temática entre os presidentes das Câmaras das duas maiores autarquias do país.

É lamentável não ver grande esforço, seja por parte dos deputados eleitos pelo Algarve, seja pelos autarcas da nossa região, de promover o debate público sobre esta matéria, informando aqueles que os elegem e que deviam representar sobre o que verdadeiramente está em jogo. Tal como lamentável é ver os presidentes de Lisboa e do Porto serem os únicos protagonistas de uma matéria que, por definição, interessa de igual modo a todo o território nacional. Não é por terem mais eleitores, que as duas grandes áreas metropolitanas deverão ter mais direitos no que toca ao acesso aos serviços públicos e à qualidade de vida das suas populações. E assim sendo, nada justifica haver diferenças entre uns e outros, na forma como elegem os seus decisores regionais. Ora, interessa discutir se se prefere a eleição indireta ou a eleição direta, mas uma vez tomada a decisão, ela terá de ser a mesma para todos os cidadãos portugueses.

Falta vontade política de trazer esta discussão para junto dos cidadãos, ou a regionalização já não interessa ao Algarve?

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