Por Sara Fernandes Desde sempre, o Terceiro Sector tem-se apresentado como uma alternativa da sociedade civil para a resolução de problemas sociais, orientada pelos princípios da reciprocidade, cooperação e entreajuda. A terminologia pode não ser consensual. Uns falam de Terceiro Sector, outros de Economia Social ou então de Sector Cooperativo e Social. No entanto é unânime a validação deste sector que apresenta dados que evidenciam a sua capacidade de desenvolvimento económico e social nas comunidades, apesar de não pertencer nem ao Mercado, nem ao Estado. Os dados mais recentes da Conta Satélite do sector referente às entidades da Economia Social – Cooperativas, Mutualidades, Misericórdias, IPSS, Fundações, Associações com fins altruísticos e o Subsector comunitário, evidenciam um aumento do número de entidades, sendo estas entidades responsáveis por gerar mais de 5% do emprego total nacional. No entanto, nem tudo são rosas neste sector. Infelizmente, muitas das organizações apresentam uma forte dependência de outras entidades, tais como o Estado. Outras são muito frágeis no seu modelo de governança. Também é comum verificarem-se entraves institucionais, nomeadamente ao nível de regulamentação que criam obstáculos directos à actividade da organização, como é destacado no documento “Evolução recente da economia social na União Europeia” elaborado pelo Comité Económico e Social Europeu 2017, em que se faz referência ao facto de “(..) na Polónia e em Portugal, as recentes alterações introduzidas na legislação nacional que rege as cooperativas não são consideradas favoráveis a estas últimas”. E no geral, verifica-se uma incapacidade de avaliação dos seus resultados, tanto económicos como de impacto social. Para além de tudo isto, em 2018, algumas organizações foram destacadas na opinião pública pela sua má conduta, gerando um espírito de desconfiança para o sector. Já dizia Camões, “basta um frade ruim para dar que falar a um convento”. Estes são alguns dos desafios que se enfrenta enquanto agente da Economia Social. Há, ainda, outro que me preocupa: a falta de conhecimento e compreensão dos conceitos de economia social. Desde o momento que antecedeu a criação da QRER – Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios de Baixa Densidade (em 2016), da qual sou co-fundadora, sou confrontada com a necessidade recorrente de explicar o que consiste uma cooperativa, como funciona e quais os seus fins, não só à comunidade em geral, mas em particular às entidades públicas que em muitos casos é a primeira vez que lidam directamente com um parceiro com este estatuto jurídico. Contudo, esta questão parece cingir-se a território nacional, porque os nossos vizinhos espanhóis gozam de um forte espírito cooperativo, como espelha e bem a Coop57. A Coop57 nasceu em 1995, na Catalunha e tem, hoje em dia, a finalidade de apoiar projectos da economia social e solidária através da intermediação financeira. Aplica um modelo organizacional em rede, de pessoas e entidades, com uma forte ligação ao território e aos princípios da sustentabilidade. Além disso, tem várias secções territoriais, que só existem quando a comunidade assim o exige. Para ter uma noção da sua dimensão, em 2017 contabilizaram 799 cooperadores colectivos e 3.881 singulares, e nesse mesmo ano concederam mais de 13 milhões de euros em empréstimos a projectos com impacto económico e social. Importante destacar que até hoje, não foi registado um único incumprimento. Este é um bom exemplo que nos faz acreditar na possível emersão de uma economia colaborativa em Portugal, e em particular no Algarve, capaz de criar uma nova dinâmica centrada no potencial dos indivíduos e das suas comunidades. Uma economia justa e equilibrada, cujo sucesso se traduza na criação de valor, numa melhor qualidade de vida e na correcta valorização dos nossos recursos.
0 Comments
Por Bruno Inácio A tragédia de Borba devia envergonhar todo um Pais. Falhámos mais uma vez enquanto sociedade e enquanto Estado. Falhámos a concidadãos nossos que perderam a sua vida porque nós, o nosso conjunto, não teve a capacidade de antecipar uma tragédia que, ao que parece, estava anunciada.
Tenho sempre a resistência em tomar casos como estes para assumir posições públicas que acabam por ter um significado político. No entanto, este caso especialmente, é paradigmático da forma como o Pais está mal-organizado e de como essa organização pode, em situações como estas, ser infelizmente fatal. Em Borba assistimos ao pior dos dois mundos. Por um lado, a falta de capacidade do Estado central, através das suas direcções gerais (e por consequência dos políticos que as tutelam), em fiscalizar uma exploração comercial e sobre ela exercer o poder regulatório que se lhe era exigido. Adicionalmente (e infelizmente, de forma recorrente) esse mesmo Estado central aceitou desclassificar a estrada em causa sem, certamente, garantir a capacidade financeira da nova entidade que sobre ela iria ter competências. Assim como quem diz: sabemos que não vão cuidar convenientemente, mas deixa de ser nosso problema. Por outro lado, temos uma autarquia cuja volatilidade dos meios financeiros não lhe permitem ter um quadro de pessoal adequado a quantidade e tipo de competências que lhe são atribuídas. Não se trata certamente de má fé. Estamos perante um caso em tanto semelhante a outras dezenas (centenas?) de autarquias que não conseguem ter o corpo técnico adequado à prevenção, actuação e fiscalização de um conjunto cada vez mais amplo de atribuições. Perante tudo isto emerge a necessidade de fortalecer a presença do Estado no território, vinculando o mesmo a decisões populares empoderadas pelo voto e dotando-o de competências que as autarquias tem hoje dificuldades em cumprir e da capacidade financeira que uma gestão de proximidade gere melhor. Não temos que inventar nada, apenas temos que olhar para a grande maioria dos países europeus e perceber que a criação de governos regionais traz evidentes melhorias na vida das populações e consequentemente uma equidade territorial que urge acontecer neste Portugal que hoje vive a duas ou três velocidades. Em alguns casos, o lugar do património pode situar-se próximo do lugar da desesperança, apesar de este ser o ano europeu dedicado ao património cultural, sob o lema «Património: onde o passado encontra o futuro» (cf. http://anoeuropeu.patrimoniocultural.gov.pt/). Aí nos situa o último artigo de Aurélio Cabrita, no jornal Terra Ruiva a propósito do património monumental do concelho de Silves (https://bit.ly/2ByVfrd), e que um outro artigo de Paula Bravo também já deixara a nu. (https://bit.ly/2DH7LGu).
Junto-me às suas vozes. Mas, perante esta realidade, quero concentrar-me na ideia de que tudo é possibilidade e que dizê-lo é já forma nascente de esperança. No campo de futuros possíveis, a educação através do património (em sentido abrangente) terá um papel crucial, nomeadamente na identificação dos cidadãos com o seu espaço e com a memória colectiva. A história, a memória, os lugares estão carregados de sentidos, de conhecimento científico e cultural, que se manifesta de forma viva no património e que podemos explorar com recursos pedagógicos adequados, envolvendo a comunidade. Oferecer às crianças e aos jovens a possibilidade de aprender através da sua herança patrimonial, preservada nas aldeias, vilas ou cidades, é iniciá-los pelas «planícies e os vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens veiculadas por toda a espécie de coisas que se sentiram» de que nos fala limpidamente Santo Agostinho. O processo de defesa do património comum pode nascer aí, nessa construção da memória individual e afectiva onde se guardam os nossos «tesouros» (Santo Agostinho, Confissões. Lisboa: INCM, 2004, p. 241). Não se protege o que não se conhece. É, por isso, imprescindível preservar e comunicar. Aprofundar o trabalho colaborativo entre os arquivos, os museus, as bibliotecas, os centros de documentação e as escolas e centros de formação de todos os níveis de ensino é um caminho profícuo, de que há exemplos felizes. Uma das possibilidades será a construção de projectos educativos e planos de actividades conjuntos que satisfaçam os objectivos e metas pedagógicas e que, ao mesmo tempo, enriqueçam o curriculum, permitindo aos alunos a compreensão e o acesso à herança patrimonial local: a primeira que têm o direito de conhecer e o dever de preservar. Poderemos assim educar um olhar capaz de procurar razões – anteriores e interiores –, na certeza de que a cor do tempo é uma só, a do coração; como, muito melhor do que nós, diz Pedro Tamen (in O Livro do Sapateiro): Há um rio e o outro lado do rio. Ao longe há um verde entrando pelos olhos que fecho e sem saber ao certo se o que entra é a cor de um certo tempo antigo ou o licor de um outro tempo novo. E verifico então de olhos molhados que não há que saber nem distinções na paisagem — que é uma só no largo coração. Por Hugo Barros Neste período de globalidade, onde o desígnio da competitividade assenta na capacidade de retenção e valorização do talento como diferenciação concorrencial, é cada vez mais importante assegurar politicas e iniciativas de fomento da excelência.
Penso que poucos temas serão hoje mais centrais e estruturantes na sociedade, assumindo um impacto de curto, médio e longo prazo, não apenas na competitividade regional, mas na configuração da base económica, e das dinâmicas sociais e participativas nacionais. É certo que a formação formal tem, neste campo, um papel prioritário. Tal como tem profundo impacto as conhecidas vicissitudes do próprio setor e as dinâmicas dos seus agentes. Mas por muito importante (e necessária) que possa ser essa reflexão, não é sobre ela que pretendo escrever. Pretendo sim realçar e valorizar, mais até que a excelência, as iniciativas de promoção da excelência, essencialmente como mecanismos de oposição à vulgaridade e à mediocracia, e como definição de modelos de atuação. Muito embora os diferentes desafios enfrentados por cada geração, esta parece ser uma questão extremamente atual, para a qual recupero um excerto do texto do professor António Branco, ex-Reitor da Universidade do Algarve, neste Lugar ao Sul, com o qual não posso deixar de me identificar: “é visível na solicitação insistente dos jornalistas aos anónimos presentes nos locais de reportagem para que deem o seu testemunho, nos serviços noticiosos ininterruptos, na profusão de programas de comentário político, nas milhares de horas de debate futebolístico televisivo, no modo como usamos as redes sociais e em muitos outros contextos da nossa vida comum. Para mim, há nesse processo de imediatização da fala um efeito cujas consequências não são positivas: é que, na perspetiva da defesa da Razão enquanto albergue das boas decisões coletivas, a «fala» que mais contribui para o progresso e para o bem-estar das comunidades é aquela que decorre do «pensamento».” Como apresentado de forma eloquente, e sendo eu próprio um “cliente” do debate futebolístico televisivo, assistimos efetivamente a uma excessiva e abusiva massificação da banalidade. Não argumento que não possa ser relevante saber exatamente a que horas o Sr. Bruno de Carvalho adormeceu, ou rever um “loop” de 36 horas sobre a saída ou entrada de um carro que supostamente leva no seu interior alguma personalidade afeta a algum processo em segredo de justiça. Bem sei da importância de podermos opinar sobre coisas, e de podermos aumentar os Gosto das redes sociais, e não é isso que pretendo criticar ou argumentar. Prefiro seguir o caminho inverso. VALORIZAR EXCELÊNCIA. Não falo de grandes medidas publicas propostas pelo estado. Não falo de grandes prémios e reconhecimentos. Não falo de júris internacionais e candidaturas exigentes. Falo das pequenas e locais dinâmicas que visam identificar e reconhecer o trabalho e a excelência. Falo da dinamização de dinâmicas participativas que visem valorizar a intervenção social, o empreendedorismo, o desporto e todas as áreas na qual se reconheçam boas práticas. E para o presente, falo concretamente da iniciativa “Prémios Juventude”, dinamizada desde 2004 pelo Município de São Brás de Alportel. Iniciativas como a exposta configuram, pessoalmente, dinâmicas de inovação territorial que importa valorizar e replicar. Muito embora a critica fácil ao amadorismo da organização, à juventude e nervosismo dos premiados, ou ao eventual populismo da iniciativa, enquanto são-brasense (convicto), não posso deixar de ficar extremamente satisfeito com a decisão de valorização da excelência. Mais especificamente, num período de massificação da banalidade, não posso deixar de valorizar o facto de a iniciativa focar os jovens do município, reforçando o alento para a continuação do trabalho e definindo standards para os demais. Igualmente gratificante (e preocupante… é sinal que esta coisa de ser jovem vai-nos fugindo) é a verificação de que cada após ano, as diferentes categorias continuam a encontrar novas e válidas propostas, e que o concelho continua a gerar jovens interventivos, dinâmicos e empreendedores. Este é um elemento que nos deve orgulhar enquanto cidadãos, e perspetivar um futuro mais risonho, contrariando a critica e o saudosismo geracional. Enquanto são-brasense e algarvio, este é um fator de competitividade futura que importa valorizar e replicar, reconhecendo a excelência gerada pelo território. Consigamos agora dar continuidade, e reter todo este talento na região, e com certeza ultrapassaremos muitos dos inúmeros desafios que se colocarão à região nos próximos anos (mas isso são outras reflexões). Hoje tenho o enorme privilégio de receber, neste canto do Lugar ao Sul, António Branco. Dizer que o convidei corresponderia apenas a meia verdade, uma vez que nos encontrámos, por feliz coincidência, no meio do percurso entre uma generosa partilha (da parte dele) e um ousado desafio (meu). Uma e outro partilham uma raiz comum: o profundo, emocionante e pungente exercício de cidadania que o António ofereceu a um inexplicavelmente reduzido número de pessoas e que tem, obrigatoriamente, que chegar a muitos, muitos mais. Posso apenas agradecer penhoradamente que me deixe, e também ao Lugar ao Sul, participar dessa meritória partilha. Gonçalo Duarte Gomes Por António Branco
Na passada sexta-feira, usei da palavra numa sessão dedicada ao tema «Democracia e Participação», integrada no ciclo intitulado «O Algarve, Portugal e o Futuro», coorganizado pelo Rotary Clube de Faro e pela editora Sul, Sol e Sal. Estava presente, entre outras pessoas que muito respeito e admiro, o Gonçalo Duarte Gomes. No seguimento desse acontecimento, o Gonçalo, muito generosamente, desafiou-me a ser seu convidado no Lugar ao Sul – convite que aceitei sem hesitação, tanto em nome do que atrás disse sobre ele, quanto pela importância que atribuo a este espaço de que sou leitor assíduo, por se tratar de um excelente exemplo de cidadania empenhada, inteligente e plural que nos é oferecido por uma geração de algarvios muito promissora. Obrigado, por isso, ao Gonçalo e ao Lugar ao Sul. Aqui fica o texto da minha intervenção. Já gastámos as palavras pela rua, meu amor O Algarve, Portugal e o Futuro: Democracia e Participação 16 de novembro de 2018, 21h30, Anfiteatro da Escola Secundário João de Deus António Branco Agradeço o convite que me foi dirigido para intervir nesta sessão dedicada a um tema tão difícil. Não fosse a simpatia que nutro pelos organizadores e o reconhecimento por se terem lembrado de mim e não o teria aceitado, porque, desde que cessei as funções de reitor da Universidade do Algarve, decidi remeter-me ao silêncio, para compensar os 4 intensos anos em que falei demais. Esse excesso ficará patente num livro que publicarei em 2019, numa parceira da Universidade com a editora Sul, Sol e Sal, e no qual reunirei cerca de 50 intervenções públicas realizadas durante o mandato, de um total de mais de 80 que encontrei no meu arquivo informático, sem contar com as muitas intervenções improvisadas. Por aqui começarei a reflexão que fiz para esta ocasião. A verdade é que a espantosa mediatização envolvendo as pessoas com cargos públicos faz delas «faladoras intensivas», como se a velha máxima iluminista de Descartes se transformasse numa nova: «falo, logo existo». Esta idiossincrasia não é só observável nos detentores de cargos públicos: também é visível na solicitação insistente dos jornalistas aos anónimos presentes nos locais de reportagem para que deem o seu testemunho, nos serviços noticiosos ininterruptos, na profusão de programas de comentário político, nas milhares de horas de debate futebolístico televisivo, no modo como usamos as redes sociais e em muitos outros contextos da nossa vida comum. Para mim, há nesse processo de imediatização da fala um efeito cujas consequências não são positivas: é que, na perspetiva da defesa da Razão enquanto albergue das boas decisões coletivas, a «fala» que mais contribui para o progresso e para o bem-estar das comunidades é aquela que decorre do «pensamento». Ou seja, seria melhor assim: «Penso, logo existo – e, logo, falo.» Bem sei que António Damásio nos alertou para o «erro de Descartes», que consistiu em não compreender o papel central das Emoções nas decisões humanas, mas a Emoção também se distribui por muitos estratos: uns mais à superfície e outros mais no fundo de nós. Assim, também o exercício da Emoção profunda exige um tempo e um silêncio de que cada vez mais abdicamos ou que nos são sonegados. Diria, sintetizando: falamos muito, mas não sei se escutamos e pensamos proporcionalmente ao tanto que falamos. É certo que o excesso de fala pode ser entendido como resposta histórica ao silêncio de 48 anos que a Ditadura Salazarista nos impôs enquanto povo, mas talvez seja importante fazermos a síntese. Chegado a esta constatação pessoal e intransmissível, só me lembrava, quase obsessivamente, do primeiro verso de um famoso poema de Eugénio de Andrade. Começa por ser isso o que tenho para vos dizer hoje, a vós, comunidade a que pertenço, a vós, meu amor: Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. […] Interrompo esta revisitação, porque se segue uma despedida e eu não me quero despedir de vós. Pelo contrário, sei que sem vós só me resta mais de mim e a vulnerabilidade do individualismo e da solidão. Fui educado no seio de uma família de esquerda. Não sendo militante partidário, já votei, em momentos e contextos diferentes, nos três partidos principais da atual maioria parlamentar. Os tempos que vivemos, contudo, obrigam-me a uma especificação: não sou só de esquerda, sou da esquerda democrática. O adjetivo «democrática» é, hoje, mais importante do que nunca, porque delimita o meu campo de tolerância política e o meu posicionamento numa época em que a Democracia está a ser ou já foi posta em causa em vários pontos de mundo. Isto significa que, se o confronto político vier a ficar, em Portugal, reduzido àquilo a que chamo «os mínimos olímpicos», estarei mais próximo da direita democrática do que da esquerda não-democrática. Há umas semanas, um amigo meu (da direita democrática) dizia-me esta verdade pungente: «Chegará o dia em que estaremos os dois do mesmo lado da barricada, a lutar pelas mesmas coisas. Serão dias tenebrosos.» Eu concordei com ele. O que são, então, os «mínimos olímpicos» que me colocam do mesmo lado desse meu amigo? Para mim, são estes, cumulativamente:
E o confronto político democrático é aquele que, para cada um desses «mínimos olímpicos» ou para o seu conjunto, nos oferece projetos diferentes entre si, em Democracia representados pelos partidos políticos e outras formas de associação. Para mim, a saúde da Democracia mede-se, entre outros fatores, através do nível do reconhecimento social de que as organizações políticas em confronto representam, realmente, modos muito diversos de agir e de pensar e solucionar os problemas sociais. Neste âmbito, a sensação mais mortal para a Democracia exprime-se através da frase: «São todos iguais.» Quanto mais cidadãos a proferirem convictamente mais a Democracia corre riscos. Ora, eu acho que já demasiados cidadãos portugueses sofrem dessa sensação: uns, referindo-se aos políticos, em geral; outros, aos políticos de direita e centro-direita; outros, aos políticos de esquerda e centro-esquerda. Nomeio apenas estes três grupos, porque representam atitudes diferentes sobre as quais pretendo refletir convosco. Os grupos de cidadãos que metem no mesmo saco os políticos de direita e centro-direita ou de esquerda e centro esquerda, maioritariamente constituídos por militantes e simpatizantes dos dois lados, ainda exprimem, apesar de tudo, uma escolha diferenciada com base nesses grandes blocos. Enfermam, contudo, da doença do clubismo que considero altamente perniciosa para a Democracia. Chamo «clubismo» ao combate político similar ao da disputa entre adeptos ferrenhos dos clubes de futebol: é apaixonado, irracional e totalmente desprovido de capacidade autocrítica – o que, não poucas vezes, resulta num certo tipo de desonestidade intelectual. Exemplifico. Imaginemos que é denunciado um erro grave de um certo político, à luz da Lei ou da Ética. Logo o campo adversário o atacará e o seu próprio se apressará a defendê-lo ou a minimizar os factos que lhe são imputados – independentemente de eles ou outros similares já terem acontecido em ambos os lados da contenda. O campo desse político tentará demonstrar que aquela lama também atinge o campo adversário e esses apressar-se-ão a negar e a afirmar veementemente as diferenças que encontram entre aquele comportamento e o de um seu eventual correligionário. Não sei qual é a vossa experiência, mas já vi isto acontecer em situações envolvendo ambos os campos. Parece indiciar uma espécie de «norma implícita» no combate político atual, segundo a qual assumir a autocrítica com a mesma clareza com que se critica o outro é «dar pontos ao inimigo». Observando o modo como os adeptos ferrenhos discutem entre si os «casos futebolísticos», não posso deixar de notar semelhanças. E também não posso deixar de alertar para o facto de uma grande parte do jornalismo acicatar esse modo de combate político, talvez por ser mais benéfico para a dramatização do espaço político que faz aumentar as audiências. Honra seja feita a figuras públicas de todos os quadrantes que escapam a esta lógica viciada. Não são muitos, mas são bons. Na minha opinião, o «clubismo político» (seja no modo estreito do «clubismo partidário», seja no mais geral do «clubismo de campo ideológico»), ajuda a engrossar o outro grupo a que me referi: o daqueles que metem todos os políticos e todos os partidos no mesmo saco. «São todos iguais.» Esta frase, quando associada à frustração e à revolta surda provocada pelo sofrimento económico sem alternativas, pela desigualdade gritante, por um sentimento difuso de injustiça e pela degradação da ética republicana, escancara as portas aos populismos de cariz autoritário, ao sucesso dos boatos e das notícias falsas e aos «ditadores com voto mas sem lei», como recentemente lhes chamou Pacheco Pereira. Porque a frase «São todos iguais» sinaliza que o cidadão deixou de confiar nas palavras de que os vários partidos e quadrantes se servem para defenderem os seus diferentes projetos para a governação do país. Sim, Já gastámos as palavras pela rua, meu amor. Conto-vos uma história típica dos tempos que vivemos. Quando fui eleito reitor, pressenti que a imagem da Universidade do Algarve estaria desgastada na região, independentemente do grau de justiça das críticas que lhe eram dirigidas (umas apropriadas e outras, não). Considerando que a força simbólica, social e cultural da Universidade também dependia da vitalidade dessa ligação, no início do mandato tomei a iniciativa de propor a todos os concelhos algarvios receberem-me para me mostrarem o melhor que ali se fazia no setor público e privado. O impacto desta iniciativa, a que os jornalistas chamaram «o périplo do reitor» e «a abertura da Universidade à região», foi tremendamente positivo, tendo ajudado a mudar a perceção pública relativamente à qualidade da instituição e ao seu papel central no desenvolvimento do Algarve. Perguntar-me-ão: a Universidade mudou assim tanto durante o meu mandato? Mudou para melhor numas coisas, piorou noutras, mas a instituição que deixei em 2017 não era essencial e estruturalmente muito diferente daquela que encontrei em 2013. Melhorou, isso sim, muito, a perceção interna e externa sobre ela, graças a um ambicioso plano de comunicação institucional que, sem nunca mentir ou manipular, conseguiu fazer passar mais notícias positivas sobre a instituição. Por que motivo considerei esta história típica da época em que vivemos? Porque há muito tempo que sabemos que a credibilidade das instituições democráticas, incluindo a dos partidos e dos seus protagonistas, se joga no território da perceção social, agora intensificado pela multiplicação dos instrumentos que contribuem para a sua formação. Tem sido amplamente noticiado e debatido o papel dos boatos e das mentiras em processos eleitorais recentes, sendo os casos mais notórios o das eleições presidenciais americanas, em 2016, e o das brasileiras, no mês passado. Deixo aos especialistas a tarefa de nos explicar cientificamente o sucesso eleitoral desses procedimentos. Mas ficam-me, desde já, duas perplexidades, a partir da seguinte constatação: todos os indicadores fidedignos confirmam que o nível de educação formal das populações é hoje muito superior ao que era há algumas décadas. Sendo assim e se for comprovado que milhões de pessoas se deixaram manipular por uma avalanche de mentiras, então isso significaria que o preceito muito antigo de que «mais educação traz mais consciência», um dos pilares da Democracia, já está a ruir. A segunda perplexidade está relacionada com um dado que não pude comprovar, mas que parece ser coerente com o papel muito ativo que os próprios eleitores desempenharam na partilha dessas mentiras com milhões de outros: segundo li numa publicação credível, uma percentagem significativa de eleitores quer acreditar nessas mentiras, sendo essa uma das bases em que assenta a eficácia dos poderosos algoritmos que escolhem os destinatários a quem determinadas mensagens devem ser enviadas. Sendo que essas mentiras em que, alegadamente, tantos eleitores querem acreditar visam sempre representantes do status quo democrático e ainda que correndo o risco de produzir uma inferência abusiva, faz-me sentido estabelecer uma relação entre essa crença cega nas mentiras massivamente difundidas e aquela frase mortal: «São todos iguais.» Desdobro a frase: «São todos iguais na falsificação, no oportunismo, na corrupção, na incoerência, no carreirismo, etc.» Não é, de modo nenhum, o que eu penso, porque me excluo totalmente da corrente que diaboliza os partidos políticos, mas o que imagino que pode conter aquele desabafo genérico. E confesso que, às vezes, também me sai, inadvertidamente, esse desabafo entredentes, logo reprimido e corrigido pela minha formação e pelo meu próprio sentido autocrítico. Ora, quando, para uma franca maioria dos cidadãos, se instala a perceção, definitivamente transformada em convicção, de que «eles são todos iguais», passa a parecer solução (sublinho o verbo «parecer») para a sensação de bloqueio que ela gera apostar desesperadamente numa alternativa aparentemente diferente de tudo o que existe, entregando o poder a quem, oportunística e organizadamente, seja capaz de afirmar a sua diferença relativamente ao status quo democrático, mesmo que o faça recorrendo à rotura muito violenta com os códigos políticos, comportamentais, linguísticos e comunicacionais vigentes. E é isso que assusta tanto: a capacidade de sedução tão vasta dessa violência. E perceber que, em Portugal, não estamos preparados para a eventualidade de isso vir a acontecer. O que podem aqueles que ainda acreditam nas virtudes da Democracia, sejam da esquerda ou da direita democrática, fazer para evitar que esse tipo de combate ganhe uma força incontrolável do nosso país? (Digo «força incontrolável», porque ela já cá está, latejante.) Não tenho ideias suficientemente pensadas e abrangentes para responder. Mas, como em tudo, creio que devo começar por mim. Fá-lo-ei em jeito de conclusão. Em primeiro lugar, posso reconhecer que também eu contribuí para o desgaste de palavras de que agora tanto precisaria quando apelidei de «fascistas» práticas que, na realidade não o eram ou quando, por omissão, não condenei tão veemente uns processos de degradação ou derrota da democracia como o fiz relativamente a outros: fui muito mais incisivo nas críticas ao que Jair Bolsonaro representa do que ao que Nicolas Maduro está a fazer na Venezuela. Em segundo lugar, posso assumir que também participei nos «clubismos de bloco» sempre que, por omissão ou explicitação, tendi a valorizar mais os erros da direita do que os da esquerda. A lista continua, mas quis apenas deixar-vos dois exemplos do que tenho a certeza de que tenho andado a fazer individualmente para sanear o meu próprio exercício democrático. Não se trata de nenhuma recomendação a nenhum dos presentes nem de nenhum programa transponível para o plano coletivo. Acredito, contudo, que, quando nos restam mais dúvidas do que certezas e os tempos se tornam sombrios, a mudança que está mais imediatamente ao nosso alcance é aquela que temos a possibilidade de operar sobre nós próprios. Sim: Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Calo-me agora, para fazer jus ao poema. António Branco nasceu em Malange (Angola), a 16 de Janeiro de 1961. Entre 1979 e 1983, foi actor no Teatro do Mundo (em Lisboa). Em 1989, licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Depois de ter exercido a profissão de professor de português e de francês no Terceiro Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, entre 1984 e 1990, e de ter sido assistente estagiário no Departamento de Estudos Portugueses da Universidade da Ásia oriental (Macau, 1990-1991), começou, em Setembro de 1991, a dar aulas na Universidade do Algarve como assistente convidado, na área de Estudos Literários. Em Janeiro de 1999, doutorou-se em Literatura (Literatura Portuguesa Medieval) pela Universidade do Algarve, tendo passado em consequência disso a professor auxiliar da Unidade de Ciências Exactas e Humanas. É desde 2003 professor associado em Didácticas das Línguas e das Literaturas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, tendo aí realizado a sua agregação em Comunicação, Cultura e Artes, em Junho de 2012, mais precisamente na área do Teatro, em que lecciona e investiga actualmente. Na UAlg, já ocupou vários cargos dirigentes, nomeadamente: Director da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Director da Biblioteca e do Arquivo Central da UAlg e Coordenador do Centro de Investigação em Artes e Comunicação. Foi também membro eleito do Conselho Geral (entre 2009 e 2013) e Director do Mestrado e do Doutoramento em Comunicação, Cultura e Artes. Exerceu o cargo de Reitor da Universidade do Algarve entre 2013 e 2017. Crónicas de uma região esquecida e que se esquece dos seusÉ desígnio deste Lugar ao Sul fugir à espuma dos dias, procurando refletir sobre aquilo que nos move e nos bloqueia enquanto coletivo que tarda em afirmar-se num contexto nacional, um anseio que parece renovar e esfumar-se embalado pela sazonalidade que nos amaldiçoa. Pessoalmente, também não creio ser esse o caminho de incidência casuística que a região precisa de realizar. Estamos em plena época baixa, termo que transporta em si mesmo um carácter de somenos importância da vida que aqui ocorre em grande parte do ano, arrastando consigo os que aqui nasceram ou escolheram viver. Na verdade, sendo o turismo o motor económico da região, tudo aquilo que aparentemente não concorra para esta causa, parece ser relegado para terceiro plano. Ainda que esta realidade não seja promovida em primeira instância, de forma direta e declarada pelos seus agentes, foi essa a interpretação que enraizou no país e da qual dificilmente os autóctones conseguem divergir, ainda que por cansaço reclamem ingloriamente outro estatuto no final de cada verão, ou mesmo em sede de discussão do orçamento de Estado, que se realiza nesta época que sazonalmente nos é hostil. E assim, vítimas de um sucesso inquestionável e inatingível, somos formatados enquanto coletivo para servir quem escolhe passar por cá uns dias, sem tempo e disponibilidade para pensarmos verdadeiramente em nós próprios. A nossa razão de existir são os que aqui não vivem. Essa é a nossa droga, que simultaneamente nos sustenta e nos consome. O Algarve não é cidade, é mero destino. Este verão, o jornal O Expresso publicou um conjunto de guias entre os quais constava a lista das melhores cidades a visitar e onde o Algarve não marca presença. O que para uns poderá representar um nicho de mercado turístico mal explorado, para outros, onde me incluo, constitui reflexo deste abandono a que nos votámos e paraíso onde nos tentam aprisionar. Dificilmente se poderá atuar política e culturalmente sobre a região atual sem uma visão abrangente e num quadro de inovação multidimensional. Na realidade, parece imperar na região um défice de compreensão da cidade, enquanto plataforma de partilha e primeiro reflexo das nossas aspirações coletivas, avanços sociais e culturais. A abordagem defendida por Ferrão (2003), numa alusão entre a cidade e um ser vivo, propõe o entendimento daquela por intermédio de três grandes vetores que personificam o corpo, a vida e a alma. O corpo da cidade são assim os seus sítios, o espaço urbano nas suas múltiplas escalas. A vida da cidade é personificada nas suas redes e nos seus fluxos, as redes de mobilidade, as redes sociais ou os ecossistemas naturais, enquanto a alma da cidade e, designadamente o seu espírito cosmopolita “sustenta a cidade que pensa, intui e sente”, conferindo-lhe sentido, estrutura, atitude, comportamentos, e ainda competências, formando-a cultural, social e politicamente, consolidando-se “uma inteligência coletiva que apenas as cidades parecem conseguir alcançar”.
É pela conjugação destes elementos, que se geram três pilares de valores, que se reforçam reciprocamente, valores estes não menos importantes que os próprios elementos da cidade que estão na sua génese: paisagem, democracia e abertura. A paisagem da cidade assume-se como resultado da junção dos seus sítios com as suas redes, constituindo-se como a “infraestrutura que sustenta a cidade cosmopolita”. A democracia materializa-se pela fusão da ocupação dos espaços com o espírito social, cultural e humano, enquanto a abertura da cidade revela as suas condições de acessibilidade, mobilidade e conectividade nas suas mais variadas dimensões, desde a partilha de informação e de conhecimento, à capacitação e aprendizagem, à disponibilidade multicultural ou à forma como nos movemos. As fragilidades e frustrações da região resultam, em minha opinião, da dificuldade e, em muitos casos, de uma manifesta incapacidade de pensar e fazer cidade de modo estruturado, visão holística e alcance para além daquilo que é perceptível no imediato e à vista desarmada. O Algarve será melhor destino se for melhor cidade ou, dito de outro modo, o Algarve será tanto mais interessante para quem nos visita quanto melhor acolher e valorizar quem aqui reside. Nesta relação de romance passageiro que o país detém com a região, talvez possamos um dia perguntar a quem nos visita, numa noite de final de verão: foi tão bom para ti como é para mim ? Por julgar correto, aqui partilho convosco. Paulo Patrocínio Reis (*) O termo cidade é utilizado em sentido lato de lugar urbano de encontro, desenvolvimento económico, social e cultural. Etimologicamente, a palavra “cidade” tem a sua origem no latim, e vem de civitas, significava originalmente “condição ou direitos de cidadão”. Por sua vez, esse vocábulo deriva de cives, que pode ser traduzido como “homem que vive na cidade” ou “cidadão”. Por Luís Coelho
Faz quase dois anos que escrevi sobre o Brexit no nosso Lugar ao Sul. Nessa altura a discussão fazia-se em torno dos preparativos que haveriam de desencadear o processo negocial que permitirá concretizar a vontade dos Britânicos de sair da União Europeia (UE). Ora, como é sabido, o primeiro divórcio à séria no seio da UE tem data marcada: 29 de Março de 2019 pelas 11 horas. É pois altura de revisitar um dos temas mais importantes para o nosso futuro de curto-prazo. Por Anabela Afonso «[…]A cultura é qualquer coisa de extremamente elitista, e Goethe diz: “A verdade pertence a muito poucos.” Verifica-se que, neste planeta, noventa por cento dos seres humanos preferem (e estão no seu pleno direito) a televisão mais idiota, a lotaria, a Volta a França, o futebol, o bingo a Ésquilo e a Platão. Durante toda a vida esperamos estar enganados e mudar esta percentagem por meio do ensino, da disseminação dos museus – o sonho de Malraux – as casas de cultura, mas não! Mas não! O animal humano é muito preguiçoso, provavelmente muito primitivo nos seus gostos, ao passo que a cultura é exigente, é cruel, por força do trabalho que reclama. Aprender uma língua, aprender a resolver uma função elíptica, não é nada divertido. São coisas que só se aprendem com o suor da alma.[...]» George Steiner Na sexta-feira passada juntaram-se, ao final do dia, uma mão cheia de pessoas, em torno do tema Democracia e Participação. Éramos poucos, sem grande surpresa. O assunto não tem, pelos vistos, suficiente sex apeal, e apesar de um dos intervenientes ser uma "figura nacional", não é já uma presença constante nas nossas televisões, e todos sabemos que o que (ou quem) não está na televisão não existe. Quer dizer, já não é bem assim, porque parece que agora o que está a dar é estar nas redes sociais, mais do que na televisão, mas isso seria tema para outra crónica. Também sabemos que a uma sexta-feira à noite a concorrência é grande e não faltam espetáculos, eventos, encontros, palestras, e tantas outras coisas para fazer por todo o Algarve. E isso é bom. Mas sortudos daqueles que, na sexta, se deram ao trabalho de ir até ao auditório da Escola Secundária João de Deus, em Faro, sobretudo para ouvir a intervenção do Professor António Branco. Na semana em que foi notícia o caso em que o rápido disseminar de um boato pelas redes de Whatsapp levou uma pequena multidão a tirar um jovem de 21 anos e o seu tio de 43 do interior de uma esquadra (ao que parece tinham sido detidos por causar distúrbios), arrastá-los para a rua, regá-los com gasolina e pegar-lhes fogo enquanto outros tanto garantiam, de telemóvel em punho, que o mundo podia assistir a tudo com um sempre oportuno "direto" para as redes sociais, eu precisava de ouvir alguém que me fizesse acreditar que, apesar de todos os sinais, ainda há quem não se deixe ir na onda da superficialidade, do imediatismo, da ligeireza, e do juízo fácil que ao mínimo sinal, mesmo que inventado, nos faz condenar o outro e fazer justiça pelas próprias mãos. O caso referido acima aconteceu no México, um país com índices de violência alarmantes e onde acredito que seja cada vez mais difícil acreditar nas instituições. Mas não sejamos ingénuos, não somos assim tão diferentes dos mexicanos. Aliás, não somos, também, assim tão diferentes dos americanos, dos ingleses, dos brasileiros, dos húngaros ou dos italianos. E o que estamos a observar em alguns destes países, onde através de processos democráticos perfeitamente legítimos são eleitos responsáveis com discursos eles próprios incendiários, não é algo que esteja assim tão distante de nós. As redes sociais não têm fronteiras e contêm em si material altamente combustível que não reconhece línguas ou geografias e que facilmente se propagará por todo o lado, sem haver razão nenhuma para acreditar que Portugal e o Algarve estão a salvo. Na sua intervenção António Branco chamou a atenção para alguns dos fenómenos que também nos deviam deixar alerta na nossa própria casa, como os «faladores intensivos» e o «clubismo político» que, não explicando tudo, dão um contributo importante para que também por cá se acredite cada vez menos nas instituições e nos escolhidos para nos representarem, e comece a disseminar-se de forma ostensiva a crença de que os políticos “são todos iguais”. E aqui, não posso deixar de concordar com António Branco quando diz: a sensação mais mortal para a Democracia exprime-se através da frase: «são todos iguais.». Mortal porque simplifica um processo que é por natureza complexo; porque nos manipula levando-nos a crer que os nossos problemas enquanto comunidade se resolvem com soluções fáceis; e porque faz a coisa mais perigosa de todas que é encontrar um “culpado” que rapidamente se tornará um alvo a abater. Ora a Democracia é tudo menos um processo fácil e de resultados imediatos e requer muito trabalho da nossa parte, como bem responde George Steiner quando, numa entrevista conduzida por Antoine Spire em 1977, é questionado sobre a dualidade entre superficialidade e profundidade na resistência aos fantasmas de destruição e aniquilação que poderão conduzir-nos à idade animal e à barbárie: […]A cultura é qualquer coisa de extremamente elitista, e Goethe diz: “A verdade pertence a muito poucos.” Verifica-se que, neste planeta, noventa por cento dos seres humanos preferem (e estão no seu pleno direito) a televisão mais idiota, a lotaria, a Volta a França, o futebol, o bingo a Ésquilo e a Platão. Durante toda a vida esperamos estar enganados e mudar esta percentagem por meio do ensino, da disseminação dos museus – o sonho de Malraux – as casas de cultura, mas não! Mas não! O animal humano é muito preguiçoso, provavelmente muito primitivo nos seus gostos, ao passo que a cultura é exigente, é cruel, por força do trabalho que reclama. Aprender uma língua, aprender a resolver uma função elíptica, não é nada divertido. São coisas que só se aprendem com o suor da alma. Arrisco o crime de roubar esta ideia a Steiner - que passados mais de 40 anos se mantém tão atual - e adaptá-la para: Aprender a Democracia não é nada divertido. É uma coisa que só se aprende com o suor da Alma! Em tempos da ditadura do entretenimento imediato e do soundbite clicável, resta saber quem está disponível para o trabalho… NOTA: O conjunto de entrevistas de Anoine Spire a George Steiner está publicado em livro, com o título George Steiner, Atoine Spire, Barbárie da Inorância, editora Fim de Século, 2004. Por Sara Fernandes As ICC - Indústrias Culturais e Criativas são o coração da Economia Criativa. Abrangem as actividades relacionadas com a arte, música, literatura, moda, media, design e artesanato. Podem ser serviços criativos (que englobam por exemplo a arquitectura) como actividades artísticas. Estas indústrias contribuem de forma positiva não só para a criação de emprego qualificado, em muitos casos autónomo, como são consideradas uma ferramenta de coesão social e territorial ao contribuirem para o bem-estar das comunidades, para a afirmação da identidade local e para a protecção das manifestações culturais tradicionais. O foco é a criatividade, a cultura e a inovação. E será que esta trilogia encontra no interior do Algarve terreno fértil para se desenvolver? Necessitará o interior de uma nova abordagem de desenvolvimento assente na relação destas disciplinas? Acredito que sim. A este propósito, aponto aqui uma candidatura transfronteiriça recentemente aprovada que acredito que possa estimular o espaço rural algarvio a afirmar o seu potencial. O “Projecto Magalhães_ICC” que reúne instituições de Andaluzia (Gerência de Urbanismo do Ajuntamento de Sevilha, o Instituto de Cultura e Artes de Sevilha, Andalucía Emprende - Fundación Pública Andaluza e Agencia Andaluza de Instituciones Culturales), Alentejo (Universidade de Évora, Direcção Regional de Cultura do Alentejo e Associação Portuguesa de Treino de Vela (APORVELA)) e Algarve (Direcção Regional de Cultura do Algarve, Comissão de Coordenação de Desenvolvimento do Algarve, Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), QRER - Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios da Baixa Densidade) pretende contribuir para um horizonte mais favorável para estas regiões através do desenvolvimento de uma rede de cooperação que prevê a criação, dinamização e difusão de um ecossistema jovem, empreendedor e qualificado a fixar-se ao nível profissional e pessoal nos territórios referidos. No Algarve, vão ser instalados nos concelhos de Alcoutim, Loulé e Silves (com o apoio dos seus municípios) pólos de incubação para iniciativas empresariais ligadas às ICC, de forma a impulsionar a capacitação de dezenas de candidatos que serão apoiados nas várias fases de evolução do seu negócio. Para que este projecto não caia no vazio como tantos outros, será necessário (e fundamental) desenvolver uma estratégia paralela de capacitação dos territórios para acolher este grupo de pessoas e de iniciativas. Falo da necessidade de apresentar (e executar) soluções para a deficiente estrutura de serviços de apoio, que poderá proporcionar o conforto necessário aos futuros residentes e que pode facilitar o dia-a-dia do tecido empresarial (como por exemplo, um bom acesso a uma rede de comunicações) ou então para a fraca oferta - ou mesmo inexistente - de habitação em regime de arrendamento, que pode comprometer de forma irreversível um projecto como este. As situações elencadas exigem uma actuação proactiva por parte do poder local, independentemente, dos ciclos políticos. Iniciativas como o “Projecto Magalhães_ICC” apresentam-se como valiosas oportunidades para as organizações envolvidas consolidarem o seu papel de agentes de mudança ao pensarem, elaborarem e executarem ideias que podem contribuir para afirmar o Algarve como uma região mais coesa e equilibrada, que valoriza o seu espaço rural e que investe activamente nele para que seja mais dinâmico, atractivo e competitivo. Um território diferenciado, ambientalmente sustentado e que nos orgulhe pela forma única como se revitaliza com sólidos alicerces na Cultura e na Criatividade. O Websummit 2018 contou com 70 000 participantes, um número capaz de fazer arregalar os olhos se pensarmos que nem sequer foram lá tocar os Pearl Jam ou os Guns N’ Roses (que me perdoe o NOS Alive e o Passeio Marítimo de Algés). Mas nós, malta da província outrora apelidada de Reino dos Algarves, temos de nos deslocar à Capital para conseguirmos fazer parte destas massificações, o impressionante aqui é tratar-se de um evento corporate e não de ócio e mesmo assim os números conseguirem ser superiores. Emotions in VR AR - Eric Darnell @Baobab Studios As expectativas são altíssimas, perante todo o social media à volta do evento e dos preços com valores superiores ao ordenado mínimo nacional. Diga-se de passagem, que também não é muito difícil. Não o facto de haver eventos que custem mais de 580€, e sim qualquer coisa que ultrapasse essa “amostra” de ordenado (mas isso ficará para outra semana). O Websummit é apelido do evento mais disruptivo (the new buzz word) de tecnologia da Europa, um evento que vendeu entradas entre os 700 e pouco e 1500€, ou seja, uma pechincha de 700 e picos se formos um “pássaro madrugador” (os chamados Early Birds, portanto) ou 1500 para os que deixam tudo para a última. Claro que ainda tivemos os bilhetes especiais entre os 4995€ e os 24 995€ para os “Executives and Chairperson”, que garantiam acesso a áreas restritas e contactos directos com os speakers. O primeiro contacto com o Websummit foi uma entrada para um registo algo caótico, em que foi literalmente necessário caminhar até ao extremo oposto da entrada para ir levantar a acreditação (tudo bem, se tivéssemos no Alentejo seria o equivalente ao “é logo ali”). Mas vejamos o resto do enquadramento: Novembro, Lisboa… e como seria de esperar o tempo não está propriamente convidativo para se andar na rua, eis que as coisas ficam ainda melhores (ou talvez não) e que a solução da organização passa por fazer um evento de abertura no Main Stage e quem chegou primeiro está safo, quem chegou depois tem direito a um ecrã gigante ao estilo Mundial de Futebol, mas em que se pagou os tais 700-1500 euros, não para ir ao “estádio da tecnologia” mas para ver um ecrã. Claramente que neste caso, no acto do registo ficou esquecido o belo do tremoço e da cerveja para o resto do pessoal que ficou fora do estádio. Tudo merece uma segunda oportunidade e na manhã seguinte qualquer semelhança entre uma linha de contagem de gado é uma mera coincidência! Segurança é essencial (imprescindível!!!), portanto as revistas à entrada são obrigatórias. Já os múltiplos scans e checkpoints eram desnecessários. Talvez os organizadores tivessem um “desejo estatístico” … Nós, o “gado drone”, tínhamos um desejo de ser tratados como pessoas e não ter de estar em filas para tudo e estarmos muitos mais “RESTful” e “microservidos”. Felizmente para entrar no WC não era necessário scan, apesar de até aí haver filas. Nem tudo é drama, e de que me posso queixar eu quando fui alvo de discriminação positiva e fiz parte da % de mulheres que teve bilhetes duplos a 85 euros (também este tema para outra semana), uma verdadeira pechincha e sem dúvida mais em conta que os bilhetes para o grande Hans Zimmer. Adiante, porque nem tudo é triste, nem tudo é Fado, e há que enaltecer o bom do maior evento Tech da Europa. O que valeu realmente a pena? 1200 oradores, 24 palcos em que destaco as talks sobre Inteligência Artificial, Machine and Deep Learning, Civitech e Healthtech, verdadeiramente inspiradoras. Folgo em saber que ainda controlamos as máquinas e que num futuro próximo não temos uma Skynet a incitar exterminadores contra a humanidade. Por outro é bom ter presente que podemos para breve ter carros e estradas mais seguras, operações em que os robots asseguram maior rigor na missão de salvar vidas e que na genialidade algumas pessoas podem realmente contribuir para um mundo melhor diminuindo a pegada humana através de soluções tecnológicas. Infelizmente com tantas palestras, pessoas e stands para visitar não tive a oportunidade de conhecer a Sofia, mas consta-me que tal como os humanos têm os seus momentos, também ela não estava num dia bom. Talvez tenha dormido mal justificando a lentidão e respostas pouco correctas. Isso, ou falhou a Internet, um dos dois, até porque eu nem sei se ela dorme ou fica só sem bateria. Conferência de Impressa com Sofia @YouTube Por outro lado, se analisarmos o evento enquanto empresa é possível justificar o tempo/investimento, basta existirem objectivos concretos traçados. Seja por procurarmos um Business Angel ou VC, parceiros ou puramente por questões de Marketing. Quiçá pretendemos recrutar, mudar de emprego, fazer networking, perceber as novas tendências ou simplesmente inteirar-nos do que a concorrência tem na manga. Seja como for, nesta envolvente Torre de Babel é verdadeiramente de salientar o facto do nosso “Algarve do Céu Azul” ter estado representado por algumas empresas da região, estando presentes a: #TurbineKreuzeberg, #Yourdata, #Brasfone, #Dengun, #MontionSphere, #Redux e provavelmente outras as quais não tive o prazer de saber/encontrar. Esperamos que, com o arranque do Algarve TechHub, no próximo ano e nos 9 seguintes, a representação regional tenha uma presença mais viva. Para aqueles que não trabalham no sector da tecnologia propriamente dito podem olhar para o evento como uma oportunidade de adquirir software, estarão certamente no sítio certo. Outra informação válida para o leitor é dar a conhecer a panóplia ou chamemos-lhe até universo de eventos durante o Websummit, oficiais e “extra” Websummit. O difícil realmente é escolher onde pretendemos estar estrategicamente e se precisamos mesmo dormir mais de 6 horas. A presente edição teve um tremendo foco nas Mulheres e a sua presença no Mundo da Tecnologia (Women In Tech), contando com a Portuguese Women in Tech. Fazendo um parêntese, e porque o Algarve não é só Turismo, também nós por cá estamos a começar a dar cartas nesta área: é caso para salientar que, não mais do que uma semana antes, Penelope Gonçalves uma Programadora da empresa #Contenserv, esteve nomeada para “Best Developer” nos Prémios Portuguese Women In Tech. E ainda que no próximo dia 23 de Novembro, as GeekGirls Portugal – Faro irão realizar o primeiro evento de Women in Tech no Algarve. Voltando ao tópico e a modo de conclusão, ir ou não ir ao Websummit, eis a questão? Pessoalmente diria que vale a pena ir, claro que com a esperança de mais bilhetes para Women in Tech, uma excelente promoção, ou de passarmos a ter um ordenado mínimo assim mais para o “Ibérico”. Constrangimentos organizacionais à parte, é um espaço que permite sem sombra de dúvida elucidarmo-nos sobre o que há de mais recente na tecnologia e qual o futuro que podemos vislumbrar, assim como ter a oportunidade de contactar com pessoas excepcionais e ouvir os melhores dos melhores. Os bilhetes para a edição de 2019 já se encontram à venda.
Tal como o enredo de Milan Kundera, o proximo orçamento de Estado para o Algarve não passa de uma mera conceção filosófica.
A diferença é que consegue, só explicado pelo conteúdo alienígena em que se baseia, ser ainda mais preverso que Timothy Leary. É grave caros algarvios. Aliás, corrijo, é muitíssimo grave aquilo que se está a passar no Algarve com o permanente delapidar daquilo que devia ser a criação de condições mínimas para o desenvolvimento económico-social do Algarve. O próximo orçamento de estado não contempla qualquer tipo de verba minimamente impactante para o Algarve. Repito, não há investimento previsto para a região algarvia nos próximos tempos. Esqueçam a saúde, a EN125, as variantes de acesso, a via do Infante, esqueçam os programas de apoio e desenvolvimeno. Esqueçam. Esqueçam. Esqueçam. O OE é uma mão cheia de nada. E é isto que temos. Infelizmente. Por Luísa Salazar Não sei se alguma vez se questionaram quanto vale efectivamente o dinheiro dos algarvios. Já? Se sim: Boa! Ficaram desanimados!
|
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|