Por Gonçalo Duarte Gomes Sim, sim, é mais um texto sobre as recentes eleições autárquicas. Desculpem lá, mas tem que ser, até para fazer um trio (em conjunto com este texto e estoutro), ou um tripé, que sempre é mais equilibrado. Antes de mais, gosto sempre de recordar que, nestas coisas de eleições, não havendo fraudes ou falcatruas diversas, nem o cercear do direito de votar, os resultados são sempre bons, e os mais correctos, pois expressam a livre vontade dos que às urnas se dirigem. Parecendo esta uma coisa simples, parece não entrar em muitas cabeças e estômagos, principalmente derrotados, que não ultrapassam a ignorância e fraco discernimento do povo que, tolo, neles não votou… A democracia é um exercício de escolha, e não apenas de confirmação dos resultados apriorísticos que cada um desejava. Portanto, parabéns a todos os eleitos, com votos de bom trabalho, na difícil execução dos mandatos agora conferidos e da pesada responsabilidade depositada sobre os seus ombros. Mas o que resultou afinal da escolha dos algarvios? Em termos de resultados, o panorama compôs-se desta forma, nos diferentes órgãos autárquicos (infografias Sul Informação, clicar nas imagens para ampliar): As análises que desde então têm sido promovidas centram-se, naturalmente, nas mudanças de cor política de algumas autarquias ou na manutenção, reforço ou fragilização de outras. Isto é compreensível, face à paixão, verdadeiramente clubística (em forma, substância e profundidade ideológica), que se vive em torno dos grandes blocos e interesses partidários. Mais ainda depois da autêntica governamentalização destas eleições autárquicas, em que a democracia local foi instrumentalizada e reduzida à condição de mero prolongamento do poder central, por exemplo com a famosa “bazuca” do Plano de Recuperação e Resiliência a ser acenada como “cenoura” reservada aos concelhos que, bem comportados, se alinhassem com a cor do Governo. Mas o que é facto é que esse, bem como outros truques de prestidigitação propagandística, teve um único condão: afastar os eleitores. O Algarve registou o segundo maior nível de abstenção entre os distritos de Portugal continental, com uma preocupante percentagem de 54,15%, atrás apenas do distrito de Setúbal (54,37%) e largamente acima da média nacional, de 46,35%. Dentro da região, e nos extremos da abstenção, Alcoutim destacou-se pela positiva (22,96%) e Loulé pela negativa (59,29%). Mais, esta tentativa de polarização do voto resultou antes numa redistribuição de votantes, relativamente aos partidos veteranos (clicar nas imagens para ampliar): Como é possível constatar, os ganhos de eleitores acontecem no PAN, nos movimentos de cidadãos (muitos deles com antigos responsáveis partidários à cabeça) e no grupo que engloba o CDS-PP e coligações (sem PSD), ao que não será alheio o que aconteceu em Portimão. Junta-se a este quadro o resultado do estreante Chega, que conseguiu tornar-se a 4.ª força mais votada na região. No entanto, pese embora a busca por uma maior diversidade na representação, nem novas nem velhas propostas foram capazes de atrair mais eleitores às urnas, relativamente às Autárquicas de 2017. Na noite das eleições, quase todas as forças e candidatos perdem algum tempo a verter algumas lágrimas sobre o fenómeno da abstenção. Mas, iniciado o frenesim de reclamação universal de vitórias – grandes, pequenas, de Pirro e até… as que não o são – a coisa está esquecida, tornando-se no não-assunto preferido das oligarquias. A principal utilidade da abstenção reduz-se à de uma zona cinzenta, onde muitos, iludidos, gostam de pôr a pastar bodes expiatórios – “se os abstencionistas tivessem votado, ganhava!” – ou agregar uma fatia crescente do eleitorado sob um atestado de menoridade e/ou irresponsabilidade. Opta-se assim por ignorar que a abstenção é a sombra onde cresce a insatisfação com o esvaziamento moral da política, com o distanciamento entre os interesses dos partidos e os interesses das populações, com a sensação de que a voz dos cidadãos é ignorada, de que tudo se decide a outro nível, onde se esquecem as pessoas, os desfavorecidos, onde se agrupam os desencantados e os esquecidos pelo sistema que diz não deixar ninguém para trás, os que já perceberam que nunca lhes tocará a vez no elevador social. E é, principalmente, o substrato ideal onde medra o desespero que alimenta os extremismos (muitos dos quais já despontam, constando mesmo dos boletins de voto), à espera de canais adequados que, surgindo e servindo para dar voz à desesperança, nunca servirão nada excepto o caos e o oportunismo que a acompanha. Entretanto, e porque o erro mora sempre nos outros, lá seguimos com o doce optimismo de Pangloss: “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”. Até daqui a 4 anos. P.S. - O Lugar ao Sul faz hoje 5 anos. Ao fim deste tempo, e como costumo dizer, continua a não dar dinheiro, a requerer tempo e esforço, e ainda nos expõe e sujeita à azia alheia. Tudo isto num tempo em que valores como o diálogo, a tolerância ou o respeito na discordância se encontram em profunda crise.
No entanto, não altero a perspectiva de que, na sua reduzida dimensão, tem dado um contributo para a promoção e organização do pensamento em torno de uma região que se quer cada vez melhor, mais equilibrada e mais feliz. Só por isso, continua a valer a pena! Parabéns a nós e obrigado a todos vós.
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