Por Gonçalo Duarte Gomes
Em visita ao Algarve, para promoção de um roteiro da água, e segundo citação nos meios de comunicação social (aqui), o Ministro do Ambiente e da Acção Climática declarou que ”a água é, de facto, um bem económico, quando chega às nossas torneiras”. Será?
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Por Gonçalo Duarte Gomes
Há 11 anos, Portugal dizia a si mesmo que se ia limpar! Não, não se propunha erradicar a corrupção, esse lastro que nos submerge e impede de rumar a uma condição de maior desenvolvimento e justiça social, mas apontava a um objectivo igualmente lírico: num só dia, a população iria lançar mão à obra para limpar o lixo que, um pouco por todo o lado, feria as nossas paisagens! Por Gonçalo Duarte Gomes No Algarve, num momento em que a pandemia da Covid-19 parece dar sinais de aliviar um pouco, corre, à rédea solta, uma outra, que vem de trás: a do ódio às árvores. Os casos de mutilações e abates indiscriminados, arbitrários e, acima de tudo, injustificados, de árvores sucedem-se, um pouco por toda a parte, eventualmente numa grotesca inspiração originada pela reabertura de cabeleireiros e barbeiros. Em meio urbano as p(h)odas camarárias (muitas vezes ao nível do colo) são já uma instituição - de horror - que marca indelevelmente o subdesenvolvimento e atraso da visão e da gestão do espaço público. Esta febre dendrofóbica tem vindo entretanto a alastrar ao meio rural, numa voracidade de biomassa difícil de explicar, porque em nada relacionada com a necessária limpeza e/ou abate de árvores associado às tradicionais actividades neste contexto. Cortar ou deformar uma árvore devia ser uma decisão difícil, por respeito a tudo o que representa, do ponto de vista biofísico, emocional e cultural. Devia requerer uma justificação e uma ausência de alternativa. Devia obrigar a contextualização e explicação (principalmente para defesa de quem tem que tomar tais decisões), para lá de compensação. Pelo contrário, ocorre invariavelmente sob silêncios ensurdecedores. Que nós, nós os muitos, deixamos ecoar. Sem questionar, sem reclamar. E muito menos penalizar. A questão é apenas até quando, e o que é que vai restar, se e quando decidirmos fazer algo quanto a isso. Até lá, não esquecer de comemorar o Dia da Árvore, que é já no Domingo. Todos os que possuem conhecimentos científicos compreendem que um trecho musical e uma árvore têm algo em comum: ambos são criados por leis igualmente lógicas e simples. Por Gonçalo Duarte Gomes Para a breve nota de hoje, pedi emprestado, como título, o primeiro verso do poema "Sombra", do sambrasense Bernardo de Passos (1876 - 1930). Marcadamente influenciado por um lirismo de forte base telúrica, Bernardo de Passos parece-me, neste seu poema, ajudar a traduzir os valores etéreos que, na paisagem, acabam por também ser importantes. Por exemplo, "a voz das fontes" pode reportar-se não apenas às fontes propriamente ditas, mas também, em sentido lato, à água que, correndo nas ribeiras, é, efectivamente, a voz que depois ecoará em nascentes, chafarizes ou bicas. Muito se fala de água, mas quase sempre na óptica do consumo humano. Vital como é nesse sentido, importa - e nisto sou muito repetitivo - nunca esquecer uma ética paisagística que obrigatoriamente devemos considerar ao pensar neste recurso: a do valor ecológico da água. Que se cumpre deixando a água fluir livremente na rede hidrográfica, irrigando, destruindo, desobstruindo, arrastando, erodindo, fertilizando, transportando, descobrindo, cobrindo. Um agente modelador da paisagem de primeira ordem, através do qual o fundo de vitalidade se alimenta, com recurso a uma panóplia de funções que, em anos de generosidade hídrica como o presente, saltam à vista. Para os ver, basta abrir os olhos. SOMBRA Por Andreia Fidalgo Nos últimos tempos, não têm faltado notícias sobre os efeitos nefastos da pandemia e do confinamento obrigatório no Algarve. Por ser uma região altamente dependente do sector turístico, é também a região portuguesa mais afectada economicamente, com o desemprego a atingir valores muitíssimo elevados e preocupantes. De acordo com os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no final de Janeiro estavam inscritos, no Algarve, 33.571 trabalhadores. Nada mais, nada menos, do que mais 61,3% do que no mesmo mês do ano passado, quando a pandemia ainda não nos tinha assolado. No ano de 2020, a taxa de desemprego no Algarve foi a mais elevada de todo o país, na ordem dos 8,3%, quando a média nacional se fixou nos 6,8%. A somar a este cenário desolador, o risco de micro e pequenas empresas falirem é muitíssimo elevado… Muitos negócios não se conseguirão certamente reerguer depois de tantos duros golpes. Seria de esperar que, perante uma situação tão complicada em que as fragilidades regionais ficaram a descoberto, o Governo tivesse uma especial atenção para com o Algarve. Nesse sentido, a 21 de Julho do ano passado, António Costa anunciava um “programa específico para a região do Algarve” de 300 milhões de euros destinado ao apoio da economia regional. Mas, como as palavras, leva-as o vento, mais de seis meses transcorridos e parece que do dito apoio, nem há sinais. No entretanto, a população algarvia que se amanhe… A famosa “bazuca” de que tanto se fala, isto é, o Plano de Recuperação e Resiliência, parece que pouco contemplará as necessidades específicas do Algarve, nem apresenta para a região qualquer visão estratégica, nem grandes indícios de qualquer tentativa de coesão territorial. Ao Algarve caberá directamente a magra fatia de 1,7% dos milhões que estão destinados ao país. Parco, muito parco perante uma situação calamitosa e que tenderá a agravar-se nos tempos vindouros. Serve este preâmbulo para iniciar aqui uma breve reflexão sobre os contornos históricos da evidente negligência e indiferença do “centro” perante as necessidades das regiões “periféricas” – nas quais o Algarve se inclui, mas não é exemplo único. O binómio centro-periferia aplica-se tão bem aos dias de hoje como se aplicou durante séculos à história algarvia: um centro que absorve e esgota recursos, promovendo os seus próprios interesses – raras vezes coincidentes com os interesses do todo –, e uma periferia que é sucessivamente negligenciada e escamoteada. Em suma, o Algarve encerra em si o exemplo perfeito, pelos piores motivos possíveis, da máxima queirosiana “Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!”. Ou seja, na sua versão popularizada, “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Já é sobejamente sabido que o Algarve foi a única região do país que teve a designação simbólica de “Reino”, como se de um Reino à parte de tratasse, mas sem nunca o ter sido efectivamente. A designação simbólica de “Reino do Algarve” perdurou desde a conquista cristã do território algarvio, nos meados do século XIII, até à implementação da 1ª República, em 1910.
Mas o simbolismo teve repercussões mais efectivas. Passado o fulgor das expedições marítimas, no século XV e primeira metade do XVI, em que o Algarve saiu temporariamente da situação de periferia para se tornar centro e palco das navegações, rapidamente foi relegado, nos séculos seguintes, para uma posição periférica e secundária, totalmente esquecido pelos poderes do centro. Em períodos anteriores da nossa História, em que as vias de comunicação eram altamente deficitárias, o Algarve apresentava-se como uma região distante, de difícil acesso e contacto, muito devido às suas condições geográficas, em que a delimitação administrativa coincide com a delimitação biofísica de extensas serranias a norte, o rio Guadiana a este e o Atlântico a sul e a oeste. Assim, durante grande parte da Época Moderna, o Algarve não foi, de facto, um Reino à parte, mas fosse devido ao isolamento, ou fosse devido ao esquecimento, acabou por desenvolver idiossincrasias muito próprias que em muito o aproximavam dessa condição individualizada: a sociedade algarvia tinha condutas diferenciadas, pagavam-se aí impostos como se a região fosse um reino estrangeiro, e até a correspondência que para aí seguia pagava os portes de envio iguais à que ia para Castela. A situação diferenciada era de tal forma evidente que, durante o pombalismo e numa estratégia absolutista de reforço do poder do centro, o Algarve iria despertar o interesse da Coroa. Seria então criado, nas décadas de 60 e 70 de Setecentos, um plano de reforma económica e administrativa da região, no qual se intentaria acabar com a diferenciação regional, integrando o Reino do Algarve no restante Reino de Portugal. Foi nesse âmbito que se procurou abolir, por decreto, a “odiosa diferença” entre o Reino do Algarve e o Reino de Portugal plasmada numa discriminação aduaneira que era largamente prejudicial à região. Porém, a diferença não cessou com um plano que se gorou. Nem tampouco a indiferença. Findo o ímpeto reformista pombalino, a região algarvia retomou a sua posição periférica, permanecendo negligenciada e esquecida pelo centro. Quer-me parecer, aliás, que nunca saiu dessa condição até aos dias que correm. E perante a sucessiva negligência das necessidades regionais, ano após ano, década após década, muitas vezes dou por mim a pensar se parte dessa atitude de desprezo do centro perante a periferia algarvia não estará, efectivamente, imbuída de raízes muito mais antigas, com séculos e séculos de existência. Será caso para perguntar: até quando? |
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