Quando a culpa nos visitaAnabela Afonso |
É caso para dizer que se a nossa Padeira fosse viva e ainda andasse por terras Algarvias, não tinha tido mãos a medir nos últimos dias! Na verdade precisaríamos de um exercito de Brites de Almeida munidas de pás, não que esteja a insinuar que devemos meter os "CROMOS" no forno ou que devemos seguir o exemplo da Índia onde a policia anda à paulada com quem se passeia pela rua... bate e a grita "VAI PARA CASA"! Mas porque acredito que devemos tomar mais algumas diligências neste sentido. |
Sou contra a violência, acho que deve ser o último recurso nas opções que temos. Mas dou por mim em loop a perguntar-me "o que é que fazemos nós a estes CROMOS que continuam a meter em risco, em primeira linha os agentes de autoridade, bombeiros, profissionais de saúde e depois a nós tod@s? NÃO SEI! Mas tenho momentos que até a mim me apetece pegar num "panito" e distribuir umas cacetadas.
Vivemos de Turismo e são tod@s bem-vindos, mas apenas quando o Algarve tiver segurança para o fazer! Não tenho as respostas mas talvez um apelo ao bom senso de quem está na área de alojamento local, hospedagem, hotelaria e similares... por favor não fomentem estas situações. E para quem está a dirigir a Nação, que tal como a nossa Padeira que não tenham medo de fazer o que é necessário "exceptional times requires exceptional measures", estamos a viver um momento único na nossa História, em que mais que nunca não podemos ser meros expectadores e ficar a olhar para um cenário de Portagens do Algarve cheias de carros.
Voltem e visitem o Algarve, mas quando for seguro! Não sei se vai ficar tudo bem, mas uma coisa sei #FiquemEmCasa (quem pode).
O tempo das coisas bonitas
Por Anabela Afonso
Por aqui os dias correm rápidos, como se, apesar de tanto tempo em casa, deixássemos de ter tempo para tanta coisa que, afinal, se pode fazer a partir do recolhimento.
Hoje quero falar das coisas bonitas que os tempos difíceis acabam por proporcionar. Não sei se porque se abre um espaço para acontecerem coisas novas, ou se porque as coisas sempre lá estivessem e só agora tivéssemos reparado nelas. Esta coisa de pararmos, de mudarmos de ritmo, de nos limitarmos a um curto espaço de deambulação, ao que parece também transforma o olhar, a escuta e o sentir. Talvez resulte daí esta sensação de que, apesar da angústia dos dias, há sempre qualquer coisa que vale a pena agradecer, em cada dia que passa.
Uma dessas coisas, surpreendentemente, para mim, pelo menos, é o "espaço" digital. Essa outra dimensão que, para pessoas como eu, ou seja, aqueles que conhecem apenas o suficiente para o utilizar como meio de comunicação básica no trabalho ou com os amigos, de repente se está a revelar um importante meio de aproximação, de descoberta e de criatividade.
De aproximação porque, como bem sabemos, nos permite, apesar da distância, o contacto regular com os telefonemas, as várias aplicações com chat, as videochamadas, e as redes sociais que nos trazem os quotidianos dos nossos conhecidos para mais perto de nós. Tudo isso nos aproxima, e mais do que eu imaginaria possível.
De descoberta porque, não sei se convosco se passa o mesmo, mas ao fim de uns dias de isolamento, o telefonema habitual, o teclar mensagens nos grupos de amigos, deixam de ser suficientes e começa a parecer-me estar meio mundo a explorar um bocadinho mais as potencialidades destes poderosos meios que temos à mão (literalmente!). Dessa exploração resulta que cada vez dominamos melhor este mundo digital, mas também que, através dele, vamos descobrindo um pouco mais daqueles com quem interagimos.
De criatividade, porque a conjugação dos fatores, tempo, isolamento e meios digitais à distância de um simples toque, leva muitos de nós a revelar as mais extraordinárias formas de como passar os dias, e como ajudar os outros, sobretudo aqueles que estão mesmo sozinhos, a sentir que continuam acompanhados. E isso é um efeito extraordinário.
É assim que, para mim, a nossa relação com o digital (em particular com aqueles que lhe eram mais resistentes), será uma das grandes transformações que estes tempos nos trarão. E é também por isso que, hoje, a classifico com uma das coisas bonitas que estes dias me têm revelado.
Percebi que o nossos telemóveis e o nossos computadores são agora, também, uma grande sala de jantar onde reunimos os que queremos bem, são a esplanada onde ao final de uma sexta feira me nos juntamos com a(o)s amiga(o)s para um copo de vinho, descomprimindo assim de uma semana de trabalho (sim, porque o trabalho continua e isso servirá para outra nota, talvez), são espaços de delicada intimidade entre amigos que, nunca, como agora, partilharam tanto.
Através do digital o mundo canta, dança, abraça-se, beija, chora, ri, e percebe que precisa mais do que nunca do calor do contacto físico, mas que até lá, pode ainda descobrir muitas outras formas de sentir e de estar próximo, e isso é uma coisa bonita.
Para nós, em particular, é também a confirmação de que a saudade é arte suprema de ser português. É a ausência a mostrar-nos como nos faz falta o outro. Como nos fazem falta os abraços, os beijos, o toque e o cheiro, a mesma medida em que percebemos que que não há distância que nos impeça de sentir o calor de uma amizade, e como mesmo longe, os amigos conseguem, sempre!, aquecer-nos o coração.
Para os mais cépticos, fica a prova de que, quando queremos muito, até dançamos juntos à distância: Danse à 5 confnement. Mais uma coisa bonita que me chegou hoje, enviada por quem está perto, apesar de longe. Mais uma a juntar às muitas coisas bonitas que me têm chegado nestes dias, e que me fazem acreditar que no final #VaiFicarTudoBem.
Todos os anos, lá pelos inícios de Dezembro, a Porto Editora costuma lançar a lista das dez palavras que mais marcaram o ano que está prestes a findar, para votação e subsequente eleição da Palavra do Ano. Em 2019, a lista era composta por palavras como “desinformação”, “sustentabilidade”, “violência doméstica”, “influenciador”, entre outras. A votação elegeu a “violência doméstica” como palavra do ano, uma preocupante realidade que também não devemos descurar nos dias que correm, tal como a APAV já veio relembrar na recente campanha “Quem está isolado também pode ser vítima”.
Ainda estamos longe do final de 2020, mas talvez não seja assim tão despropositado assumir que entre as palavras da futura lista em votação poderão constar “pandemia”, “isolamento social”, “quarentena”… E é precisamente a propósito desta última que decidi trazer aqui, a este Lugar ao Sul, mais um apontamento histórico.
A quarentena é, na verdade, uma das medidas mais antigas e eficazes para se evitar a propagação e o contágio de doenças altamente infecciosas. A origem da palavra remonta ao século XIV, altura em que a Europa foi também assolada por umas das mais mortíferas pandemias da História: a peste negra – também conhecida por peste bubónica –, responsável pela morte de cerca de um terço da população europeia e por uma grave crise económica e demográfica.
Nessa época, a Península Itálica era o centro do movimento comercial europeu, pela sua privilegiada posição no Mediterrâneo; porém, precisamente por isso, era também um território muito exposto ao contágio da peste que chegava por via marítima aos seus portos. Foi por esse motivo que em Veneza, o maior porto comercial à época, se começou a decretar um período de isolamento para os navios que aí ancoravam: todos os passageiros, animais e mercadorias deveriam ficar isolados dentro do navio por um período de 40 dias antes de poderem desembarcar. Mais tarde, em 1403, seria também em Veneza, numa das ilhas da sua lagoa, que viria a ser criado o primeiro local de isolamento dedicado exclusivamente à quarentena marítima.
Foram os quarenta dias – ou, melhor dizendo, os quaranta giorni, em italiano – que estiveram na origem do termo quarentena. Porquê um período de quarenta dias? A resposta não é consensual, mas pode estar relacionada com o simbolismo e presença desse número em várias passagens bíblicas do Antigo e Novo Testamentos: foi durante 40 dias e 40 noites que Moisés permaneceu no Monte Sinai para receber a Lei; foi durante 40 dias e 40 noites que Jesus se retirou para o deserto, privando-se de comer, antes de iniciar a vida pública; durou 40 dias o período em que Jesus ressuscitado instruiu os seus discípulos antes de subir ao Céu; dura 40 dias a Quaresma, período de penitência, oração e abstinência que antecede a Páscoa, iniciado na Quarta-feira de Cinzas.
A quarentena enquanto método de isolamento generalizou-se posteriormente a outros territórios além da Península Itálica, e foi recorrentemente utilizado em várias épocas de surtos epidémicos. Ainda que o período de isolamento estipulado nem sempre fosse o de quarenta dias, o termo quarentena subsistiu e continua ainda hoje a ser empregue para designar qualquer período de isolamento preventivo, independentemente do número de dias.
À semelhança do que assistimos actualmente com o Covid-19, a necessidade da quarentena justificava-se sobretudo devido à mobilidade das pessoas: aplicava-se, obviamente, para prevenir que uma determinada comunidade ou grupo fossem contaminados por indivíduos que tivessem vindo de territórios assolados por uma epidemia, ou que pudessem já ser eles próprios os portadores da doença. Neste contexto, Portugal, na sua vocação marítima e expansionista desenvolvida do século XV em diante, foi sempre um território muito exposto aos surtos epidémicos, e não raras vezes recorreu à quarentena para prevenir os contágios.
Foi precisamente o que aconteceu no Algarve, no século XVI.
No contexto da política régia de expansão além-mar, o Reino do Algarve, outrora muito isolado do restante Reino de Portugal em virtude dos seus condicionalismos geográficos, adquire uma posição central e estratégica devido aos seus excelentes acessos portuários, tornando-se subitamente o palco privilegiado para a partida das expedições marítimas. A sua situação periférica inverte-se, com localidades como Lagos e Tavira a adquirirem uma importância decisiva na política expansionista.
Numa primeira fase, foi a urbe de Lagos que ganhou primazia. Em 1415 foi conquistada a cidade norte-africana de Ceuta e a partir de então, o porto de Lagos, estrategicamente localizado no prolongamento do Cabo de São Vicente e com uma ampla baía com condições ideais para a navegação, tornou-se o principal centro de operações. Foi aí que o Infante D. Henrique assentou residência poucos anos depois da tomada de Ceuta, depois de ter sido encarregue por D. João I da sua defesa e provimento. Sob a liderança do Infante, partiriam de Lagos as navegações exploratórias em direcção ao Atlântico, tais como a expedição de Gil Eanes, em 1434, que foi além do limite marítimo conhecido, ao ultrapassar o Cabo Bojador. Progressivamente estabeleceram-se novas rotas do Atlântico e a empresa marítima tornou-se cada vez mais atractiva, sobretudo pelas lucrativas actividades mercantis.
Lagos prosperava. Mas a morte do Infante D. Henrique, em 1460, viria a ditar um ponto de viragem: o centro coordenador das navegações foi-se transferindo gradualmente para Lisboa, e Lagos, ainda que permanecesse o principal centro de comércio ultramarino na região, foi perdendo a sua posição de destaque no Algarve. Não obstante, o Reino do Algarve continuou a prosperar e a crescer, sendo que a partir de 1471, com a conquista das praças norte-africanas de Tânger e Arzila, a simbólica designação de Reino do Algarve transformou-se em Reino dos Algarves, abrangendo simultaneamente a região d’aquém mar e as regiões d’além mar.
Doravante, a vocação do Algarve já não seria tanto a de servir de palco às navegações no Atlântico. Com o crescente número de praças portuguesas no norte de África – às já referidas Ceuta, Arzila e Tânger somam-se Alcácer Ceguer, Safim, Azamor e Santa Cruz de Cabo de Guê, e, ainda, a construção de raiz da praça de Mazagão já durante o reinado de D. Manuel I – o centro das operações marítimas muda-se para Tavira nos finais de Quatrocentos e sobretudo na primeira metade de Quinhentos. Esta vila localizada na metade oriental do Algarve, com bons acessos marítimos e um porto em crescente evolução, passou a ser o local de eleição para o contacto e acesso às praças norte-africanas e ao Mediterrâneo.
A posição privilegiada de Tavira não só permitia o contacto frequente com o norte de África, como a própria povoação desempenhou funções importantes na defesa militar das praças africanas, cedendo o seu porto para ser utilizado pelas armadas da Coroa, mas também enviando as suas gentes para a sua guarnição militar e defesa. Em 1508, por exemplo, os tavirenses desempenharam um papel importante no combate ao cerco de Arzila. Por isso mesmo, no ano seguinte, D. Manuel manda fundar em Tavira o Mosteiro de Nossa Senhora da Piedade, mais conhecido por Mosteiro das Bernardas, em acção de graças pelo levantamento desse mesmo cerco, para o qual o contributo dos tavirenses havia sido determinante. Em 1516, foram novamente os moradores de Tavira que impediram a perda de Arzila.
Mas os perigos no Algarve d’além mar não eram somente de cariz bélico. Em 1522, Arzila é assolada por um nefasto período de fome e de peste bubónica, que levou a que as mulheres e filhos das famílias que guarneciam essa praça quisessem regressar a Portugal. Foi-lhes dado salvo-conduto para que o pudessem fazer, mas era necessário acautelar que a peste do Algarve d’além mar não viria assolar também o Algarve d’aquém mar. A estratégia passou, então, pela quarentena para todos os que regressassem daquela praça marroquina para terras lusas.
É através de Bernardo Rodrigues, autor dos Anais de Arzila – crónica inédita do século XVI – que ficamos a conhecer melhor de que forma se processou a quarentena. Diz-nos este que aquando da peste, as mulheres e filhos dos moradores portugueses de Arzila regressaram a Portugal entre os meses de Fevereiro e Março de 1522. Foram mais de quinhentas pessoas que então embarcaram em Arzila com destino ao Algarve, tendo ficado obrigadas a cumprir dois meses de quarentena na ilha dos Cães, perto de Tavira, com a excepção da senhora condessa, esposa do Capitão de Arzila, que se refugiou e cumpriu quarentena em Renilha.
Ilha dos Cães? Renilha? Estes topónimos requerem, claro, uma explicação adicional. Comecemos pelo último. Renilha é, na realidade, Santo António de Arenilha, povoação localizada no extremo-oriental algarvio, na foz do Guadiana, nas proximidades da qual se iria edificar, na década de 70 do século XVIII, por ordem do Marquês de Pombal, Vila Real de Santo António. Quanto à ilha dos Cães, o próprio Bernardo Rodrigues refere tratar-se de uma ilha nas imediações de Tavira. Podemos assumir, assim sendo, que se trata de uma das ilhas-barreira da Ria Formosa, sendo que a carta corográfica de João Baptista da Silva Lopes, de 1842, localiza o topónimo de ilha dos Cães na actual ilha da Culatra.
A História da região algarvia relembra-nos, pois, da sua vocação marítima e da sua posição estratégica no complexo luso-hispano-marroquino do golfo de Gibraltar e na ligação ao Mediterrâneo; por isso mesmo, tratava-se de uma região muito exposta aos surtos epidémicos, quer fosse pela actividade piscatória que se estendia até aos mares de Larache, quer fosse pelas rotas marítimas de circulação de pessoas e bens, que abrangiam todo o Mediterrâneo e se alargavam até ao Norte da Europa e, inclusivamente, à América do Norte. Por aqui circulavam pessoas oriundas de várias partes do globo. E onde circulam pessoas, podem circular, também, doenças, em períodos de surtos epidémicos.
Actualmente, tal como no passado, a região continua a ser potencialmente muito exposta às epidemias, ainda que por motivos diferentes. O Algarve é uma região apetecível pela sua vocação turística, o que no actual contexto já suscitou preocupação, por parte das autoridades e da população em geral, de que os que cá possuem segundas habitações decidam rumar à região para “vir curtir uma quarentena esperta, aquecida ao Sol do Algarve”. Não o façam! Neste momento de estado de emergência deve imperar o bom senso, o civismo e o respeito máximo pelas recomendações das autoridades.
Ademais, olhemos para a nossa História e retiremos daí as melhores aprendizagens que conseguirmos: ninguém nos está a pedir, tal como aconteceu aos nossos antepassados, que façamos quarentena numa ilha totalmente desprovida de condições sanitárias, onde as instalações resumir-se-iam certamente a umas poucas e frágeis palhotas. Temos – pelo menos, e felizmente, para a maioria de nós – o privilégio de poder cumprir o isolamento e a quarentena no conforto dos nossos lares, sentados nos nossos cómodos sofás, permanentemente ligados ao mundo através da internet.
Será que pedirem-nos, pelo bem comum, que fiquemos em casa, é pedir assim tanto?
Por Anabela Afonso
Levamos praticamente duas semanas desta experiência surreal, vivida, agora, à escala global, ou muito perto disso. Esta será, para todos nós, arrisco dizê-lo, a experiência das nossas vidas. Sabemos todos o que éramos quando aqui chegámos (uns mais do que outros, talvez), mas nenhum de nós sabe o que será quando tudo isto terminar. E, para já, não fazemos ideia de quanto mais tempo durará este período de confinamento, que nos é tão pouco natural.
É a minha primeira crónica no Lugar ao Sul, desde que as medidas de isolamento social e o estado de emergência foram impostas. Felizmente, os meus colegas de blogue têm regularmente contribuído com artigos e crónicas que com certeza têm ajudado muitos de vós a perceber melhor estes dias, ou pelo menos, a passar o tempo com a suas leituras.
Esta parece ser, compreensivelmente, altura em que não faltam temas que justifiquem a reflexão e a escrita, mas é também, curiosamente, uma altura em que a proliferação de opiniões, teorias, indignações, avisos, gritos de alerta, ou conselhos bem intencionados, acabam por provocar uma sensação de confinamento intelectual. O resultado acaba por ser esta sensação estranha de se estar num daqueles jantares de amigos, onde estão todos tão entusiasmados por estarem juntos, que acabam todos a falar ao mesmo tempo, e por mais que se tente perceber um raciocínio de um deles até ao fim, a cacofonia reinante torna esse exercício inglório. Valerá ainda assim a pena continuar a escrever?
Esta é a pergunta que me tenho feito nestes últimas dias, de cada vez que o sentimento de culpa me assalta por não estar a fazer a minha parte, assegurando conteúdos regulares para o Lugar ao Sul. A esta pergunta, muitas outras se vão juntando, tais como: tenho alguma coisa de novo para dizer sobre o que se passa? fará sentido escrever sobre outros temas, agora que o mundo está focado na pandemia? estarei disposta a manter-me nessa grande sala de jantar, em que se está a tornar o nosso espaço de partilha que é agora, mais do que nunca, a internet, e onde todos falam ao mesmo tempo?
Não tenho respostas para nenhuma destas perguntas - e estas são apenas algumas das muitas perguntas que me assaltam - mas ainda assim, hoje, achei que era dia de escrever, mesmo que seja para dizer coisa nenhuma. Achei também que, a partir de hoje, me deveria colocar a mim própria este exercício de todos os dias deixar no blogue um apontamento, por mais breve que seja, do que está a ser, para mim, esta estranha experiência de uma tão improvável quarentena. Se vos parecer bem, esse será o meu compromisso convosco, leitores do Lugar ao Sul.
Se vos parecer bem também, poderemos fazer deste, um pequeno espaço onde se respira o mundo para lá da Pandemia, por mais improvável que hoje nos possa parecer que, afinal, ainda existe um mundo para lá de um pequeno e invisível vírus que, sem darmos conta, nos remeteu a todos para os dias mais improváveis das nossas vidas.
Termino, partilhando uma das coisas bonitas que, no meio da cacofonia nos chegou pelas partilhas das redes sociais. Uma coisa bonita que surgiu como resposta de uma dupla de músicos açorianos, Flávio Cristovám e Pedro Villas Silva, a estes dias de confinamento, distância física e ansiedade coletiva. É uma resposta bonita que vale a pena ouvir, ver e partilhar, porque a verdade é que, por mais difíceis que sejam os próximos tempos, haverá de ficar tudo bem, sim.
#VaiFicarTudoBem https://www.youtube.com/watch?v=bUZIp_PKeZ0
Há notícias perturbadoras de hordas de turistas epidémicos que, exaustos após várias sessões de palminhas à varanda para ajudar o ânimo dos médicos e enfermeiros, e várias cadeias de #vamostodosficarbem no WhatsApp, se movimentam em direcção ao Algarve, munidos de garrafão de tinto e outras bizarrias estivais, porque pelos vistos parece-lhes boa ideia vir curtir uma quarentena esperta, aquecida ao Sol do Algarve.
Inclusivamente terão já sido registados ajuntamentos em praias algarvias, estes provavelmente protagonizados por locais, reeditando boçalidades já vistas em Carcavelos ou na Póvoa de Varzim, levando mesmo à intervenção das autoridades para dispersão de tão infelizes bandos.
A este propósito lembro-me sempre da comparação entre a situação que vivemos e o apocalipse zombie retratado na série Walking Dead. E a conclusão é inevitavelmente a de que os zombies tinham desculpa: não tinham cérebro. Estes nossos asininos compatriotas pelos vistos também não, pelo menos a funcionar.
Parece-me que a culpa é também das autoridades, que inventam expressões complicadas como "Fiquem em casa", com muitas palavras e cheias de termos difíceis. Ora, isto num País onde já se sabe como são os níveis de literacia, é pedir sarilhos...
Pessoas, agradecendo-se a atenção: deixem lá isso.
Ida esta aflição, haverá muitas oportunidades no futuro para voltarmos ao normal, e nos brindarem com todo o circo de horrores que são aqueles comportamentos e atitudes que só uma pessoa em turismo - incluindo os locais, que quem paga taxa turística, turista é - consegue montar, e para desdenharem do sítio para onde vêm a correr, até em tempos de pandemia.
É certo que o Algarve sempre falou no turismo de saúde, mas provavelmente não era nisto que se estava a pensar.
Além do mais, aos nossos sacrificados profissionais de saúde nas instituições públicas já basta terem que ser autênticos MacGyvers da coisa para tratar os que já cá estão com o pouco que têm, a fazer ventiladores com CD não vendidos do Luís Gomes (felizmente, esses não faltam), máscaras a partir do cuecame de gola alta da avó e das ceroulas ruças do tio e desinfectante a partir de medronho contrafeito.
Agora a sério, e de forma simples: Fiquem. Em. Casa. Porra.
Uma das coisas mais marcantes que resulta do "Platoon", de Oliver Stone, é a clara percepção de que a primeira vítima de qualquer guerra é a inocência, aforismo que, de resto, serve de promoção a esse magistral filme.
A União Europeia parece nesta altura ser inquietante reflexo disso mesmo. Tornada epicentro da pandemia (embora rapidamente outros focos concorram para a destronar de tão infeliz liderança), grandemente por incapacidade de concertação de pensamento e acção, não parece estar a conseguir cumprir as suas promessas de solidariedade e cooperação, em particular na reacção à doença e na preparação do futuro imediatamente a seguir.
Resta esperar que seja apenas a convulsão e desorientação (todos têm direito a ela e devem assumi-la, já que vemos inclusivamente liberais a defender intervenções estatais, e intervencionistas a apelar à maior acção do privado) que acompanha a tosse e que, ultrapassado tal espasmo, as coisas voltem a um renovado lugar, pese embora este quadro sintomático não seja de hoje e represente mesmo o nicho em que medram os populismos (diagnóstico extensível às Nações Unidas - Organização Mundial de Saúde incluída - que cada vez mais se parecem com a Sociedade das Nações, e António Guterres com um Seán Lester).
Para resolver os problemas, há que identificá-los, com coragem e desassombro, e não varrê-los para debaixo do tapete da menoridade intelectual. E depois trabalhar - muito - em conjunto.
Saibam os Governos pôr os olhos nos grandes exemplos de humanismo e entreajuda que a sociedade civil vai dando (ok, excepto o pessoal da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde, e aqueles animais de La Línea de la Concepción, em Espanha), de modo a que se ergam à altura das suas responsabilidades, e todos nós com eles.
Que seja esse o grande legado desta crise, e não o seu contrário.
Citando Keynes, numa frase que embora extraída da teoria económica, me parece aplicável, com adaptação, neste nosso contexto:
O importante para um governo não é fazer coisas que os indivíduos já fazem, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior; é fazer aquelas coisas que não estão a ser feitas de todo.
No entretanto, esperança e ânimo.
A História não acaba aqui.
Escrevo este texto às 23h e 23m do dia 23/03/2020. O nosso País está em Estado de Emergência por conta de uma pandemia que ameaça a nossa forma de viver. É hora de salvar vidas. O foco só pode estar aí. No entanto, parece-me importante tentar vislumbrar o que pode ser o mundo pós-covid19.
Cenário A: estamos no final de Maio de 2020 e a pandemia está controlada. Em Portugal e no mundo. As pessoas festejam efusivamente. Abraçamo-nos. Dormimos na rua, juntinhos e em harmonia. Estranhos beijam-se. O planeta lamenta. A economia respira e o preço do petróleo começa a subir vertiginosamente anunciando a retoma.
Cenário B: estamos no final de Maio de 2021. A pandemia continua descontrolada. São várias as áreas do globo que registam muitos novos casos diariamente. Os mortos acumulam-se. Há uma enorme tensão social por todo o lado. A vida ainda não retomou o seu normal; estamos muito longe disso. De facto, o Estado de Emergência é renovado recorrentemente. O convívio social está proibido. Neste autêntico poço sem fim tentamos fazer o melhor que podemos e sabemos mas a situação não tem um fim à vista. O desemprego aumenta. O desespero instala-se. A sociedade desagrega-se.
Cenário C: estamos em Janeiro de 2021. Passámos seis meses muitos duros. A pandemia em Portugal está controlada mas o custo foi elevado. O custo ainda é elevado. Todos fazem testes diários para detectar infecção por Covid19. Os mais velhos não contactam com os mais novos. Todos os passos ficam registados num sistema que monitoriza os nossos movimentos constantemente (onde fomos, quando fomos, com quem estivemos, etc). As fronteiras estão fechadas e quem entra tem de fazer o teste ao Covid19 sendo obrigado a um período de quarentena em unidades especializadas. A economia vai funcionando. As pessoas estão conformadas. Mas estão tristes e desanimadas.
Infelizmente, não me parece que o cenário A) seja minimamente realista. De facto, na ausência de uma vacina e/ou uma medicação eficaz para o combate à covid19 será virtualmente impossível recuperar a normalidade da nossa vida daqui a três meses. Esta pandemia constitui aquilo que os economistas chamam de choque simétrico que afecta simultaneamente o lado da oferta e da procura a nível global. Em Português que se entenda: a covid19 está a forçar o fecho de TODAS as economias desenvolvidas ao MESMO tempo (a China e outros países asiáticos mais pequenos levam uma ligeira vantagem neste domínio). Este facto quilha brutalmente a capacidade do mundo para produzir bens e serviços ao mesmo tempo que reduz a procura dramaticamente (primeiro porque as pessoas estão em casa; logo depois porque vai faltar dinheiro por conta do desemprego, redução de salários e outras situações análogas). Assim, mesmo que existisse uma vacina ou equivalente seria necessário uma coordenação internacional quase sem precedentes para que a normalidade regressasse no muito curto-prazo. Coordenação e, claro, um plano de acção esclarecido nas suas várias facetas (social, política e económica) e que fosse implementado com vontade por todos (Estados e cidadãos).
O cenário B) é o da catástrofe total. De facto, não é possível que a economia fique quase totalmente parada por muito tempo. A razão é simples: mesmo economias poderosas como a Alemã ou as voluntaristas como a Espanhola e a Italiana não aguentam medidas de estímulo por parte dos governos (ou da Europa) que perdurem eternamente no tempo: não há dinheiro nem capacidade de endividamento estatal para tal. Caso o vírus force o tipo de economia que está implícita no cenário B) (nomeadamente em face da incapacidade de o erradicar de forma permanente – por exemplo por conta de mutações sucessivas que tornam medicamentos e vacinas pre-existentes ineficazes) seremos confrontados com um amargo paradigma. Deixar morrer um conjunto significativo de compatriotas de forma a criar imunidade de grupo para os que sobrevivem ou permitir a morte agonizante da economia e lidar com as consequências sociais e de ordem pública que daí podem advir. Impensável, portanto.
O cenário C) é o que se me afigura como sendo o mais provável estando já a materializar-se na China. Parte do pressuposto que o surto inicial é controlado com um custo razoável (de vidas humanas E económico) e que em seguida nos mobilizamos para evitar que existam novos surtos inviabilizadores da vida em sociedade. O cenário C) admite que não existe ainda vacina e/ou medicamento para a covid19 mas que uma solução destas ficará disponível com certeza no curto-prazo. Este cenário obriga a que se vivam liberdades e direitos de forma diferente já que os mesmo não poderão ser aproveitados em pleno. Também não garante uma economia robusta; é mais de sobrevivência. Por exemplo, tudo o que tem a ver com as relações com o estrangeiro estaria condicionado pelo receio da reintrodução do virus no País. Ajuntamentos de pessoas seriam, provavelmente, desaconselhados. A própria confiança que é necessária para construir relações interpessoais deixaria muito a desejar nestes dias cinzentos.
Qual é a conclusão? Infelizmente, não me parece que o surto de covid19 se vá resolver rapidamente. Tal provoca uma tensão entre o valor da vida e a necessidade de haver uma economia a funcionar. A escolha não é fácil. Nunca o será. Assim, para já, a prioridade deve ser conter o surto. Dar todas as condições para que o SNS se consiga aguentar e responder de forma eficiente e eficaz a este enorme desafio. Todos já conhecemos a expressão “achatar a curva”. É isso mesmo. Se tivermos sucesso ganhamos tempo. Este é o activo mais precioso do nosso País neste momento. De facto, é o tempo que vai permitir aos cientistas trabalhar a questão da vacina e do medicamento contra a covid19, única solução verdadeiramente estrutural para o que estamos a enfrentar. É também o tempo que permite pensar no que fazer no momento seguinte ao primeiro surto. Haja capacidade e clarividência de quem de direito para o fazer. Haja vontade de todos nós para materializar as opções que teremos, seguramente, de tomar.
No meu último artigo, relembrei que a História nos mostra que os eventos pandémicos são cíclicos, tendo afectado os nossos antepassados em diversas ocasiões, ao longo dos séculos. A mais recente e grave pandemia, antes do Covid-19, ocorreu há pouco mais de 100 anos, quando em 1918-19 a gripe pneumónica foi responsável por mais mortes do que a Primeira Guerra Mundial ou do que a Segunda Guerra Mundial.
Os eventos são cíclicos, mas a verdade é que a História é irrepetível, e enfrentamos hoje circunstâncias muito adversas e distintas das anteriores, com repercussões muito graves, que só daqui a algum tempo nos será realmente possível analisar. Estamos a experienciar um momento histórico sem precedentes, em que não é só o país que está parado e foi afectado, mas sim todo o planeta. E a História que agora estamos a escrever é uma História global, é a História da Humanidade.
Nestes tempos difíceis – e ainda só vamos com uma semana de reclusão – não são raras as alusões ao Apocalipse.
Soa bastante dramático, ainda por cima quando, ao fim de tão pouco tempo – e quando se adivinha que tanto tempo difícil está à nossa frente – parecem os poetas, gurus da auto-ajuda e engraçadinhos de WhatsApp e demais redes sociais estar a queimar já todos os cartuchos, sejam eles palavras bonitas, frases inspiradoras ou piadolas em vídeo. Principalmente agora, que começamos a ter as primeiras vítimas nacionais para lamentar, é quando mais precisamos de manter a calma, o ânimo e, já agora, aproveitar para fazer alguma introspecção e colocar as coisas em perspectiva.
Para isso, recorro a outro livro bíblico, no caso o Evangelho segundo Lucas, concretamente a parábola do filho pródigo (Lucas 15: 11-32). Segundo este relato, Jesus terá, perante a acusação de partilhar a mesa com pecadores, contado um conjunto de três parábolas, a última das quais acerca de um filho que, depois de estoirar a sua parte da herança cobrada em vida a seu pai, a casa torna, desgraçado e miserável, em busca de ajuda. De acordo com a história, e ao fim de várias peripécias, o progenitor terá perdoado o filho arrependido, acolhendo-o com um amor imaculado.
Nesta nossa relação com o COVID-19, vejo como que uma versão enviesada desta parábola, mas em que somos nós os pais pródigos, esbanjadores, que se confrontam com um filho, no caso virulento, que não sabemos bem como nos vai tratar no final…
Se existe momento em que nos deparamos com a falta de Inovação e Digitalização na Região e reafirmamos a dependência do Algarve no Turismo, é agora! Atrevo-me a dizer que o sector das TIC’s na nossa região, possivelmente, é das áreas mais avançadas neste campo da estruturação do que é necessário para garantir um posto de trabalho a partir de qualquer localização. As questões passam por: COMO? E COM O QUÊ?
Não prometo abordar tudo, até porque as bases continuam a ser mais comportamentais/ humanas do que meramente tecnológicas. O que quero dizer é que podemos deter o melhor instrumento disponível no mercado, o melhor “músico” pronto a tocar, mas o Maestro não consegue “articular” a orquestra.
1# Mindset (mentalidade): por vezes é preciso esquecer tudo o que achamos que sabemos de organização laboral... coisas como controlo, vigilância, chefias e decisões top-down. É imprescindível a confiança na equipa e de responsabilizar as pessoas por aquilo a que se comprometem. Para isso uma boa definição de objectivos escritos e tarefas distribuídas pelas pessoas em concreto, ajuda e muito! O investimento de tempo no momento da descrição/clarificação das tarefas e transparência de quem está a trabalhar em quê e quando torna-se essencial. Utópico? Não... mas não é para todos os contextos.
São múltiplas as soluções (cada caso é um caso), o mais importante é haver um processo descrito junto da empresa.
A primeira necessidade a resolver em contexto de trabalho é a COMUNICAÇÃO, podem começar por ferramentas mais básicas como :
- Messenger
- Telegram
- Hangouts
São eficiente para criar grupos, mas têm o problema da perda de informação e a dificuldade em localizar ficheiros e temas de conversa. É sempre uma boa prática dispor de uma solução que permita fazer video, amplamente facilitador de processos de comunicação comparativamente a um email ou telefonema. Claramente que podemos sempre utilizar ferramentas mais estruturadas como:
- SLACK - https://slack.com/intl/en-pt/
- Discord - https://discordapp.com/
- Rocket - https://rocket.chat/
- Skype - https://www.skype.com/pt/
- Zoom - https://zoom.us/
- Whereby - https://whereby.com/
Algumas destas ferramentas são totalmente gratuitas e outras têm uma versão gratuita (com limitações) e uma paga. Pessoalmente recomendo o Zoom para reuniões com muitos utilizadores (durante 40 minutos é gratuito), o Whereby para reuniões até 4 utilizadores e o Slack para conversação escrita. Nesta última ferramenta é possível fazer integrações de outras valências, entre elas destaco o Hangouts e Google Calendar que facilita muito conjugar agendas e fazer chamadas.
Para organização de tarefas e saber quem está a fazer o quê, destaco o Trello - https://trello.com/ que pode trabalhar de forma gratuita ou paga se quisermos mais funcionalidades.
Numa versão mais complexa e definitivamente boa para empresas com uma estrutura maior, temos softwares com integrações completas e que nos permitem outras gama de funcionalidades, como por exemplo o:
- Microsoft Teams;
- E para quem trabalha com desenvolvimento de software o JIRA
Mais informações AQUI
São 22h e 31m de dia 17/03/2020 e estou neste momento a ouvir o Prós e Contras da RTP (passou em directo na segunda-feira mas só hoje é que consegui ver). Foi um programa interessante já que, ao contrário do que é usual, foram convidadas pessoas que me parecem tecnicamente capazes e que, claramente, não fazem parte do establishment. Conclusão: a conversa foi bastante informativa e permitiu perceber melhor o verdadeiro tsunami que se pode abater sobre o nosso País. Vejamos.
Neste momento que assola o País e o Mundo a prioridade é salvar vidas humanas. Isto não se discute. No entanto, é preciso pensar no momento seguinte, algo que infelizmente não se afigura cor-de-rosa (ou verde, preferência de pessoas como eu).
No seu último artigo sobre “O COVID-19 e os dois calcanhares de Aquiles do Algarve”, aqui no Lugar ao Sul, o Gonçalo Duarte Gomes veio relembrar, de forma consciente e ponderada, as vulnerabilidades da região algarvia perante a actual pandemia, mas terminava com uma mensagem de esperança, escrevendo que “A noite é sempre mais escura antes da alvorada. Mas, infalivelmente, o Sol volta a nascer”.
Hoje regresso eu aqui ao Lugar ao Sul para reforçar esta mensagem de esperança, relembrando que a História da Humanidade esteve já sujeita a adversidades semelhantes e que, invariavelmente, a História nos relembra que os períodos de crise são cíclicos e que a Humanidade volta sempre a encontrar o seu equilíbrio na luta constante para sobreviver e para se manter sã em períodos difíceis.
Em Portugal, a peste negra entrou em 1348, provavelmente por altura de S. Miguel, isto é, nos finais de Setembro. Durante os três meses seguintes, estima-se que esta epidemia terá sido responsável pela morte de cerca de um terço a metade da população portuguesa, fazendo com que o país mergulhasse, à semelhança de outros territórios europeus, numa grave crise demográfica e económica. Os surtos da peste negra não se ficaram pelo século XIV e continuaram a assolar periodicamente, com maior ou menor intensidade, o país, assim como outras partes do globo, até ao século XIX, ainda que sem as repercussões dantescas do anterior período medieval.
Por associarmos esta epidemia à Época Medieval, parece-nos sempre uma realidade demasiado longínqua e até inimaginável nos dias de hoje. De facto, apesar de lidarmos agora com uma situação muito preocupante de pandemia, a peste negra medieval ocorreu num cenário que seria actualmente impensável, na medida em estamos hoje num patamar de evolução e desenvolvimento científico absolutamente notável, sem qualquer tipo de comparação possível com o período em que a Yersina pestis causou as suas maiores vítimas.
Nos dias que correm, perante a propagação do COVID-19, não nos faltam recomendações sobre as diversas formas de prevenir o contágio e informações detalhadas sobre a doença e sobre os sintomas mais comuns; não faltam, também, profissionais de saúde empenhados em tratar, no terreno, os doentes que entretanto vão aumentando de dia para dia, assim como não faltam equipas de cientistas que se esforçam ao máximo por investigar e conhecer o novo coronavírus, procurando afincadamente criar uma vacina e fármacos eficazes ao seu combate. E, além disso, claro que não é expectável que esta pandemia com a qual lidamos agora conduza ao desaparecimento de um terço da população mundial, o que seria sem dúvida ainda mais catastrófico do que o cenário já de si bastante alarmante em que agora nos encontramos.
O desenvolvimento científico da contemporaneidade trouxe à medicina progressos absolutamente assinaláveis, com um aumento exponencial da esperança média de vida, vacinação e a erradicação de várias doenças outrora mortíferas. Por isso mesmo, estamos hoje, felizmente, muito melhor preparados para lidar com as novas doenças… Mas estamos, no reverso da medalha, muito menos preparados do que os nossos antepassados para lidar com a morte… E, na verdade, apesar de sabermos, em teoria, que as epidemias são cíclicas, tal como a História nos ajuda a relembrar, não estamos também nada preparados para lidar com elas. Tal como não o estavam os nossos avós e os nossos bisavós quando, nos finais de 1918, tiveram de enfrentar uma das mais mortíferas pandemias de que há registo na História: a gripe pneumónica, também conhecida como gripe espanhola, causada por uma estirpe do vírus Influenza A, subtipo H1N1, altamente contagioso e particularmente agressivo, causador de pneumonias e responsável por uma elevada mortalidade, sobretudo em jovens adultos saudáveis, e não tão elevada, como seria de esperar, nos grupos de risco como os idosos, os doentes crónicos e as crianças.
Durante os anos de 1918 e 1919, estima-se que a pneumónica tenha afectado cerca de 500 milhões de pessoas e que tenha causado a morte de entre 50 milhões a 100 milhões de pessoas em todo o mundo; somou mais vítimas do que a peste negra na Europa, mais do que a Primeira Grande Guerra (16 milhões) e provavelmente mais do que a posterior Segunda Grande Guerra (entre 50 a 85 milhões), tendo sido, portanto, responsável pelo desaparecimento de cerca de 5% de população mundial daquela época.
Não se sabe ao certo a origem desta doença, embora a maioria dos estudiosos defenda que terá aparecido num campo militar dos EUA, no estado do Kansas e se tenha propagado a partir daí, pelo Atlântico e pelo Pacífico, para os outros continentes. A rápida propagação da doença em muito se terá propiciado pela movimentação e posterior desmobilização das tropas da Grande Guerra, que teria o seu término em Novembro de 1918. A pneumónica desenvolveu-se em três vagas: a primeira entre Março e Abril de 1918; a segunda vaga irrompeu em Agosto até finais desse ano e foi a mais virulenta e mortífera; a terceira vaga ocorreu nos inícios do ano seguinte.
Neste cenário, Portugal não foi excepção. Estima-se que esta gripe foi responsável pela morte de 2% da população portuguesa (cerca de 135.000 pessoas), deixando a descoberto as fragilidades da rede de assistência médica no país durante o instável governo de Sidónio Pais, numa época em que Portugal sofria os efeitos adversos de participação na Grande Guerra e enfrentava uma grave crise económica, política e social. A segunda e mais intensa vaga da pneumónica começou na região do Porto, em Gaia, em meados de Agosto e daí foi irradiando para o resto do país. Chegaria ao Algarve em inícios de Outubro de 1918. E, tal qual o novo coronavírus, foi também um vírus muito democrático, que contagiou e afectou pessoas de todos os grupos sociais. Por cá, não lhe resistiria o advogado e poeta olhanense João Lúcio, que aos 38 anos deixou para sempre o seu “Algarve impressionista e mole”.
Os dois concelhos inicialmente mais afectados na região algarvia foram Loulé e São Brás de Alportel, onde a intensidade e fatalidade da pandemia teriam causado desde logo algum pânico entre a população, noticiado pela imprensa regional. Daí, alastrou-se aos concelhos limítrofes de Tavira, Olhão e Faro na segunda quinzena de Outubro e antes do final desse mês também foram afectados os concelhos do barlavento, nomeadamente Portimão, Lagoa, Lagos e Monchique. Os últimos concelhos afectados parecem ter sido Albufeira, Aljezur e Alcoutim, onde a taxa de mortalidade foi mais elevada em Novembro; porém, nenhum concelho algarvio, fosse ele do sotavento ou do barlavento, escapou ao surto pandémico, que teve consequência muito nefastas para a população.
Num telegrama dirigido pelo então Governador Civil de Faro ao Presidente da República, solicitava-se a protecção do Algarve perante um cenário absolutamente calamitoso, afirmando que a “epidemia varre povoações inteiras havendo já cemitérios completamente cheios, fazendo-se enterramentos em campa rasa. Faltam medicamentos, arroz, açúcar, velas, petróleo, massas, manteigas, batatas, e há três dias que não há pão”. Este cenário não era exclusivo da região algarvia e o governo central viu-se então obrigado a tomar medidas de combate à pandemia… porém, não tão drásticas como efectivamente deveriam ter sido, de forma a conter a doença. O então Director Geral da Saúde, Ricardo Jorge, acreditava que sendo a gripe causada por um vírus, só uma vacina poderia resolver o problema, pelo que considerava que as medidas tradicionais como o isolamento seriam ineficazes. Por isso mesmo, chegou mesmo a defender que a vida social e as distracções deveriam prosseguir para não aumentar o isolamento e o pânico entre a população.
Não obstante, o elevado contágio acabou por levar ao encerramento de escolas e universidades, de serviços públicos, e as feiras e romarias foram interditas. Foram tomadas medidas, em articulação com as autoridades locais, que passaram por informar a população das adequadas medidas profiláticas no combate à gripe, por garantir a presença suficiente de médicos em todos os distritos para acudir aos casos de doença, e por providenciar um melhor atendimento nas farmácias, assim como a disponibilização de medicamentos. Além disso, o Estado Português incumbiu-se de ajudar financeiramente as delegações de saúde dos distritos para socorro das populações afectadas pela pandemia. Ainda assim, muito tardiamente. A resposta do Estado não acompanhou a rapidez de propagação do surto gripal, revelando não só as dificuldades de comunicação do centro com a periferia, como também as frágeis estruturas de apoio e assistência na saúde em Portugal.
Os últimos três meses de 1918 corresponderam a um cenário de caos e pânico em todo o país, com desastrosas consequências não só demográficas, como também económicas e sociais, numa conjuntura já de si muito complicada. Ajudaram a salientar as fragilidades de resposta do Estado e das diversas autoridades, fragilidades estas que, consumados os acontecimentos, são sempre tão fáceis de apontar, mas que, em última análise, são sobretudo resultado de decisões muito difíceis de tomar a quem cabe a responsabilidade de agir num período atípico de crise e de surto pandémico.
Não queria, porém, terminar esta reflexão salientando as fragilidades de então, que bem podem ser as de agora, mas sim terminá-la relembrando a forma como, perante uma situação tão difícil e trágica de perda de tantas vidas, se desencadearam no Algarve, como um pouco por todo o país, movimentos cívicos de solidariedade social e de entreajuda, que partiram de cidadãos anónimos, de associações, de comissões locais de apoio, do bispo e dos párocos, entre outros, que contribuíram como lhes foi possível com dinheiro, alimentos e outros géneros, ou ajudando as autoridades no tratamento e prevenção da doença, ou mesmo na transmissão de informação e no apoio e conforto dos mais necessitados. Basta, para tal, relembrar os donativos da companhia de seguros “A Latina” aos concelhos de Silves, Portimão e Faro; ou a acção do industrial João António Júdice Fialho que, durante a epidemia, manteve um sistema organizado de serviços de apoio na doença aos seus funcionários e respectivas famílias; ou, ainda, o apoio da Associação da Senhoras da Caridade de Faro na angariação de fundos para as famílias mais afectadas – isto apenas para salientar alguns exemplos, de entre os muitos outros que então ocorreram.
Situações catastróficas e de grande dramatismo, que ameaçam a nossa vida e vida daqueles que nos são próximos, são também situações que tendem a fazer sobressair a nossa empatia e compaixão pelo drama do outro. São momentos em que nos sentimos compelidos a ajudar o próximo. Podemos, neste momento, encontrar algum conforto na nossa História, ao relembrar que, em 1918, os nossos avós e bisavós estiveram sujeitos a circunstâncias muito adversas, quiçá bem mais penosas que as nossas, e que foram, ainda assim, capazes de as ultrapassar; lidaram de perto com a doença e com a perda de familiares e de amigos, e encontraram, ainda assim, ânimo e força para prestar assistência aos mais necessitados.
Podemos e devemos, neste momento tão difícil, envidar todos os esforços para fazermos a nossa parte no combate ao COVID-19… mesmo que nos pareça que a nossa parte é pequena e mesmo que corresponda somente a ficar no recato do nosso lar, protegendo-nos não só a nós próprios, como também aos outros. Se todos fizermos a nossa parte, todas as partes, que podem até parecer pequenas, juntas se tornam grandes e se fazem fortes!
Neste momento temos de nos manter unidos em torno de um mesmo objectivo comum: ultrapassar, da melhor forma e com os menores danos possíveis, esta pandemia. E assim será!

O humor é considerado pelo próprio Freud um dom precioso e muitas vezes raro, sem dúvida um mecanismo de coping evoluído que em momentos difíceis funciona maravilhosamente contra o stress... STRESS esse que além de meter em causa a nossa saúde mental, debilita também o nosso sistema imunitário com a produção de cortisol. Os estudos são inúmeros sobre os benefícios de uma boa gargalhada para a nossa Saúde!
Deixo aqui um conjunto de "artefactos" criados no combate ao medo que me fizeram rir. Não desvalorizando quem perdeu a vida neste processo ou quem está na linha da frente, fica o meu obrigada aos criativos (por esse globo fora) que continuam a conseguir usar a sua inteligência emocional no combate à adversidade.
7 Recomendações:
- 1# LAVE AS MÃOS durante pelo menos 20 segundos! Caso não aprecie (como eu) a música dos Parabéns, existem outras! PS- A torneira não deve ficar a correr, lembre-se que temos FALTA DE ÁGUA NO ALGARVE!!!;
- 2# Mesmo que não tenha Sintomas opte pelo ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO grande parte dos portadores têm sintomas ligeiros e o vírus tem um período grande em que estamos assintomáticos (Podem ler mais sobre a importância disso AQUI);
- 3# Se tiver sintomas ligeiros (mesmo sem diagnóstico) NÃO SE DIRIJA ÀS URGÊNCIAS, as urgências devem ser para casos graves (falta de ar e febres altas) ligue antes para a Saúde 24 se apresentar sintomas ou em caso de urgência 112;
- 4# Faça COMPRAS DE FORMA CONSCIENTE, planeada e organizada para não ter de sair todos dias mas não precisa de se preparar para um cenário Apocalíptico! Isso diz respeito à comida, aos medicamentos.... e ao Papel Higiénico;
- 5# AS MASCARAS E DESINFECTANTES são necessários nos Hospitais e Centros de Saúde. NÃO FAÇA STOCKS, quando os nossos profissionais de Saúde ficarem doentes por falta de medidas de auto-protecção quem é que nos vai assistir? Os recursos são escassos de momento;
- 6# NÃO ABANDONE os animais! Até à data NÃO HÁ informações oficiais CONFIRMADAS de os animais de companhia transmitirem o Vírus, pelo menos o Covid-19;
- 7# CONFIRME AS FONTES das coisas que partilha e anda a dizer! A DESINFORMAÇÃO é o pior inimigo de maus procedimentos. Consulte os sites de Direcção Geral de Saúde e outras fontes oficiais do Estado. Einstein já dizia: " Apenas duas coisa são infinitas: O Universo e a Estupidez Humana. Mas, em relação ao Universo, ainda não tenho certeza absoluta";
Na mitologia grega, Cassandra é uma das filhas de Príamo, rei de Tróia, que tem a particularidade de ter sido abençoada pelo deus Apolo com o dom da profecia, e simultaneamente amaldiçoada pela mesma divindade – depois de se ter recusado a dormir com ele – com o absoluto descrédito das suas previsões.
Cassandra ficou assim marcada como a maluquinha da aldeia, facto que levou a que ninguém prestasse atenção aos seus avisos relativamente à iminente destruição de Tróia às mãos dos gregos, e muito menos aos seus apelos para que o fatalmente traiçoeiro Cavalo de Tróia fosse destruído, em vez de acolhido no interior dos inexpugnáveis muros da cidade.
Também ligado à história de Tróia está Aquiles, herói grego que foi morto por Páris – outro dos filhos de Príamo e engatatão responsável por toda a confusão que levaria à queda da cidade, gerada com o rapto de Helena – através de uma seta envenenada cravada no seu calcanhar, ponto único de uma vulnerabilidade mística, obtida através da imersão nas águas do mágico rio Estige.
Infelizmente, tudo isto se reúne no bem real Algarve, em particular neste momento desafiante que a região, o país e o mundo enfrentam, por força de uma pandemia que sobre nós se abateu.
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