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Bem-vindo

O Algarve é uma manjedoura para Trumps portugueses

28/2/2020

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Por Gonçalo Duarte Gomes

Haja saúde, e da boa!

Quem nunca ouviu este tradicional cumprimento, afável e humano, revelador de um dos traços identitários mais marcantes de um Algarve predominantemente rural, que era dominante na região até há uns anos?

Com a crescente "urbanização" algarvia (mais no sentido cultural do que no geográfico) as distâncias afectivas entre as pessoas tendem a crescer na directa proporção em que as distâncias físicas se encurtam pela concentração. E o bom velho "haja saúde" parece cada vez mais relegado para a condição de delicatessen coloquial.

Isso... e prudente aviso a todos os que prezem a sua vidinha, especialmente no Algarve. Porque nesta região, vacilar em termos de saúde é mais ou menos o equivalente a seguir o conselho inscrito na entrada do Inferno de Dante, e abandonar toda a esperança à entrada.
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Centro Hospitalar Universitário do Algarve: leia-se, uma V E R G O N H A

25/2/2020

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Por Luís Coelho
São vários os escribas do Lugar ao Sul que têm vindo a alertar para a situação periclitante em que se encontra o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA). Infelizmente, os acontecimentos das últimas semanas obrigam-nos a retomar o assunto.

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Algarve, do Reino à Regionalização: um debate com mais de 100 anos

21/2/2020

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Por Andreia Fidalgo
“Quem pretende vencer os vícios do sistema ou sucumbe e se afasta ou, qual Calisto Elói, é pervertido por ele. Só há para o modificar um meio: é criar interesses mais fortes do que esses, que os substituam, que os batam, que os façam calar, e então teremos verdadeira «representação nacional», em vez de termos comédias nacionais postas em cena por empresários políticos, e as contendas parlamentares desenvolver-se-ão em volta dos interesses das regiões em vez de à roda dos interesses dos partidos.”

​Em A Queda de Um Anjo, romance publicado pela primeira vez em 1866, Camilo Castelo Branco satirizava a sociedade portuguesa e, muito em particular, a vida política do país, através do percurso de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, um fidalgo transmontano de bons costumes e suposta boa índole – um aparente anjo! –, que ao ser eleito deputado se instala em Lisboa e, progressivamente, se deixa corromper pela imoralidade e luxo que grassa na capital, sacrificando os seus próprios ideais políticos iniciais em prol de benefícios pessoais.
​
Em 1878, Eça de Queirós escreveria O Conde d’Abranhos, obra que só foi publicada postumamente, em 1925, mas que surge quase como uma “versão mais actualizada” de A Queda de um Anjo, na medida em que também retrata o percurso político do Conde Alípio Abranhos, um nobre rural que deseja escapar da província para a capital, que consegue ganhar notoriedade política com base em diversas artimanhas e discursos bacocos, e que se revela altamente impreparado para todos os cargos políticos que exerce.

Ambos os romances satíricos contêm em si ilações e lições que poderíamos aplicar ainda aos dias de hoje… Mas não, o que me traz aqui hoje não é nem o facto de ser aparentemente sempre obrigatório ir para Lisboa – porque o Estado é altamente centralizado – para ter uma intervenção política activa, nem o facto de uma parte, quiçá realmente significativa, da classe dirigente se parecer olvidar com demasiada frequência que quando é eleita passa a representar a maioria da população e que, logo, deve trabalhar em benefício do bem público, e não em benefício dos seus próprios interesses. O que me traz aqui hoje é a temática da reflexão inicial supracitada, a regionalização, que pela actualidade do conteúdo, quase poderíamos dizer que foi escrita nos dias de hoje. Só que não! Tem mais de uma centúria e foi extraída de um artigo de autoria de Gonçalo de Olivaes, publicado na revista Alma Nova (nº13) de Dezembro de 1915, intitulado “A organização regional e o nosso parlamentarismo”.

A regionalização está, pois, longe de ser um tema actual e consensual. De tal forma o não é, que andamos a debatê-lo, no Algarve e no país, há mais de 100 anos. Poucos anos volvidos após o 5 de Outubro de 1910 – que extinguiu oficialmente a designação simbólica de “Reino do Algarve”, remetendo-o para o mero estatuto de “província” – a região foi palco de uma iniciativa sem precedentes: o 1º Congresso Regional Algarvio, dinamizado e presidido por Tomás Cabreira (1865-1918) que decorreu entre os dias 3 e 7 de Setembro de 1915, no Casino da Praia da Rocha, em Portimão.

A realização deste Congresso surge na sequência dos congressos municipalistas realizados em Lisboa, em 1909, e no Porto, em 1910. E surge enquadrado num contexto político de debate sobre o alargamento da esfera de acção dos municípios: na Constituição de 1911 lançavam-se as bases de um poder local descentralizador, reforçadas pela lei nº88, de 7 de Agosto de 1913, que, até promulgação de um novo Código Administrativo, retomava em larga medida o de 1878, o qual descentralizava o poder local através da atribuição de competências em assuntos judiciais e fiscais.

O debate em torno do municipalismo estava, pois, na ordem do dia, aquando da realização do Congresso Regional Algarvio. Este, porém, ao contrário de outras iniciativas congéneres, teve muito mais do que contornos única e exclusivamente municipalistas, assumindo contornos verdadeiramente regionalistas, na medida em que teve por objectivo discutir as potencialidades de desenvolvimento da região algarvia, no seu todo, em diversos sectores, com especial enfoque no turismo. No Congresso, que contou com uma alargada participação de intelectuais republicados algarvios das mais variadas áreas profissionais e científicas, foram apresentadas a debate 26 teses sobre os mais diversos temas – pesca, agricultura, indústria, turismo, clima, ensino, transportes, etc. – teses estas que foram impressas e que apresentavam projectos de lei que deveriam ser rapidamente aprovados e implementados pelo Governo em benefício da região algarvia.

Só que nunca foram. E tampouco se conseguiu a almejada autonomia administrativa que, implicitamente, a facção republicana algarvia, ainda relativamente optimista à época, defendia. Portugal entra na I Guerra Mundial em 1916, causa de grande instabilidade social, a que acrescem problemas diversos de desenvolvimento económico do país e toda a instabilidade política vivida durante todo período de vigência da 1ª República, conjuntura esta que não terá beneficiado em nada os projectos de desenvolvimento da região algarvia. Nem terá beneficiado qualquer real tentativa de descentralização do poder central para os municípios.

Entrada a década de 20, o debate sobre a região algarvia reacende-se na Alma Nova, que havia sido, anos antes, o órgão oficial do 1º Congresso. Em Dezembro de 1923, por exemplo, Maurício Monteiro defendia que o Algarve possuía os “elementos mais aconselháveis para reclamar a sua autonomia”, considerando o desenvolvimento da região amplamente benéfico para o desenvolvimento e enriquecimento do país. Em Março de 1924, o engenheiro-agrónomo Ferreira Neto lamentava que o Algarve sempre tivesse sido “desprezado pelos poderes públicos, mas de há uns anos para cá, sobe de ponto esse desprezo: não é ele que tem concorrido para o louco desvario de aumento de despesas, que nos tem arruinado. Lisboa tem absorvido as riquezas do país e todas as províncias têm dado mais do que têm recebido, mas o Algarve tem concorrido com mais do que outra qualquer”. Qualquer semelhança com a actualidade (não) é pura coincidência…

Mas, uma vez mais, qualquer debate entretanto reacendido não passou de fogo-fátuo. A Ditadura Militar, implementada a 28 de Maio de 1926, pôs termo a qualquer tentativa de autonomia do poder municipal. Durante o Estado Novo, o Código Administrativo de 1936 aboliu a autonomia do poder local, ainda que a Constituição de 1933 reconhecesse a importância das autarquias. Doravante assiste-se a uma forte centralização do poder, dando continuidade à tendência em curso desde finais do Antigo Regime.

A história mais recente, por força do debate actual, é – ou, pelo menos, deveria ser! – do conhecimento geral. A Constituição de 1976, contrariando a tradição anti-democrática, centralista e burocrática da administração salazarista-caetanista, prevê a descentralização administrativa e institui as regiões administrativas como um nível de poder intermédio entre o Estado central e as autarquias locais. Desde então, este projecto fez parte de vários programas de Governo, mas tem sido sucessivamente adiado.

Adiado contra a vontade dos algarvios? Sim… E não! Tudo depende do período que escolhermos analisar e dos intervenientes no debate. Se olharmos única e exclusivamente para a actualidade, a mais recente sondagem indicia que o país, com a excepção nada surpreendente da região de Lisboa, é maioritariamente favorável à regionalização, com o Algarve a encabeçar a lista dos mais entusiastas. No entanto, ainda está bem presente na memória dos portugueses e dos algarvios o resultado do referendo de 1998… Onde, no Algarve, ganhou o “não”, quase empatado com o “sim”, é certo, mas, ainda assim, desmentindo a suposta vocação regionalista dos algarvios e num claro desencontro entre a opinião das elites, maioritariamente favoráveis, e a opinião da generalidade da população. Resultado que é fruto, quiçá, de debates pouco esclarecedores… ou da falta deles!

Certo é que desde 1976 que a regionalização tem sido alvo de sucessivos adiamentos. O último dos quais protagonizado por António Costa: o mesmo António Costa que, em 2015, enquanto secretário-geral do PS, defendia a regionalização para quando estivesse no governo; o mesmo António Costa que, em 2017, já primeiro-ministro, considerava que não existiam condições favoráveis à regionalização nessa legislatura; o mesmo António Costa que, em Março de 2019, ou seja, ainda na anterior legislatura, afirmou que a regionalização não avança por ser um tema fraturante, dada a oposição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa; o mesmo António Costa que, novamente primeiro-ministro e numa nova legislatura, veio em Dezembro do ano que findou anunciar o adiamento da regionalização para uma futura legislatura, em 2023… ou, melhor diríamos, veio adiá-la para as calendas gregas.

Enquanto se anda na dança do “empurra”, é a região que sofre com falta de investimento e com o desprezo por parte do poder central… Uma região que padece de problemas estruturais gritantes a nível dos cuidados de saúde, dos transportes públicos, das infraestruturas viárias – apenas para mencionar alguns – e que legislatura após legislatura vê as suas justas reivindicações serem menosprezadas pelas agendas políticas. Até quando? Será necessário esperar mais 100 anos?

Seja qual for o modelo, centralista ou regionalista, as necessidades da região e da população que aí reside não podem esperar, nem ficar esquecidas no meio de querelas político-partidárias. Podemos concluir relembrando aqui as palavras do autor da citação que abriu este artigo, ainda muito actuais: ideal seria se os debates parlamentares se desenvolvessem em volta dos interesses das regiões em vez de à roda dos interesses dos partidos. E, atrevo-me a acrescentar, ideal seria também se nos livrássemos dos “Calistos Elóis” e dos “Condes d’Abranhos” deste mundo, sejam eles singulares ou plurais, que atraídos e absorvidos pelo poder centralizador da capital, frequentemente se esquecem de dar prioridade aos interesses do bem público, nos quais se inclui toda a população que habita o território português. Afinal de contas, não existem cidadãos de primeira e cidadãos de segunda categoria… ou, pelo menos, não deveriam existir!
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Come a papa, Algarve, come a papa...

14/2/2020

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Por Gonçalo Duarte Gomes

​Nas últimas semanas há dois recortes de jornal que têm, de alguma forma, marcado a actualidade cívica.

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Uma ideia de Europa (e de Algarve) por cumprir

10/2/2020

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George Steiner (abril 1929 - fevereiro 2020)

Por Anabela Afonso

A Europa foi e é percorrida a pé. […] Os homens e as mulheres europeus percorreram a pé os seus mapas, de lugarejo em lugarejo, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade. O mais das vezes, as distâncias têm uma escala humana, podem ser dominadas pelo viajante que se desloque a pé, pelo peregrino até Compostela, pelo promeneur, seja ele solitaire ou gregário. […] Os componentes integrais do pensamento e da sensibilidade europeus são, no sentido radical da palavra, pedestres. A sua cadência e sequência são as do caminhante. Na filosofia e na retórica gregas, os peripatéticos eram, literalmente, aqueles que se deslocavam a pé, de polis em polis, e cujos ensinamentos eram itinerantes. Nas convenções métricas e poéticas ocidentais, o «pé», o «ritmo», o enjambement entre versos ou estâncias recordam-nos a intimidade próxima existente entre o corpo humano ao percorrer a terra e as artes da imaginação.

Excertos de George Steiner in A Ideia de Europa
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(c) Irina Kuptsova
Imagem de uma das caminhadas do I Festival das Amendoeiras em Flor, promovido pela Associação Recreativa, Cultural e Desportiva dos Amigos de Alta Mora (Castro Marim)

No passado dia 3 de Fevereiro, despediu-se de nós, aquele que seria, provavelmente o último grande intelectual vivo, o último herdeiro do homem renascentista, que cultivava o saber nas suas várias dimensões. Linguista, crítico literário, filófoso, poliglota, e sobretudo, um homem que nunca deixou de pensar a Europa: a sua História, as suas tragédias, a sua Cultura e o seu futuro. Futuro sobre o qual foi ficando, com o passar dos anos, cada vez mais pessimista.
 
O seu ensaio “A Ideia de Europa”, um pequeno livro que há anos me acompanha, serviu de base para enquadrar a programação da quarta edição do 365 Algarve, que se encontra a decorrer até Maio deste ano. Isto porque os projetos que integram esta quarta edição têm em comum a articulação de uma programação cultural com a vivência da paisagem algarvia, em particular - em alguns dos casos - com as caminhadas pelo interior da região.

Não tenho por hábito utilizar este espaço de reflexão para falar sobre os projetos em que estou envolvida, mas o desaparecimento de George Steiner, autor que deveria ser abundantemente lido nas escolas, universidades, autarquias e ministérios deste país, pareceu-me justificar esta exceção. E é por isso que agora recupero o texto que fundamentou o enquadramento da quarta edição do 365 Algarve, divulgando-o com algumas adaptações, em jeito de homenagem. Quem sabe resulte daqui, pelo menos para alguns dos leitores do Lugar ao Sul, a curiosidade para conhecer melhor a obra de Steiner. Aqui fica a partilha:
 
Sublinha-se, como fio condutor desta quarta edição, a profunda ligação ao território onde ela acontece, não como metáfora, não como mote de inspiração para algo que depois se justifica apenas no plano teórico, mas uma ligação de facto, física e muito concreta. George Steiner, no seu ensaio, A Ideia de Europa, define como um dos eixos identitários do Velho Continente uma paisagem à escala humana que se percorre a pé, em contraponto aos outros continentes onde as distâncias ganham dimensões maiores.

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(c) Irina Kuptsova
Imagem da atividade Colher e Cozinhar, inserida no Festival da Comida Esquecida, realizada em Tôr (Loulé).

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​Para Steiner, é esta escala humana que nos permite, pelo ritmo do caminhar, conhecer melhor praças e ruas, os detalhes deste espaço comum que é a Europa e a beleza do nosso património. É sobre este ideia que se construiu a quarta edição do 365 Algarve, sublinhando a importância da ligação de todos (residentes e visitantes) a esta terra, apresentando propostas de escala humana, que se fazem ao ritmo do caminhar nos trilhos de espaços já quase esquecidos, de atividades quase extintas e de memórias que ainda acreditamos ir a tempo de recuperar. Sem deixar, por isso, de conciliar, no mesmo território, propostas contemporâneas e mais experimentais, com as que nascem da necessidade de preservar, reinterpretar e divulgar a nossa cultura popular mais genuína.
 

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(c) da autora
Imagem da mesa que iria acolher o almoço comunitário da atividade Colher e Cozinhar, do Festival da Comida Esquecida, realizada em Giões (Alcoutim)


​​Também o nosso Algarve foi, até algumas décadas atrás essencialmente percorrido (e construído) a pé. Desses percursos, tal como em toda a Europa, surgiram formas de socialização que criaram traços distintivos na cultura deste território.
 
É preciso recuperar esse olhar feito a partir de quem caminha, com tempo para observar, aprender, sentir e deslumbrar-se.
 
É preciso reforçar a mensagem de que há um “outro Algarve” para além dos dias quentes e da linha do mar, que importa (re)conhecer.
 
É preciso meter mãos à obra e os pés nos trilhos por esse Algarve fora, onde muito do que somos, enquanto algarvios, está ainda por (re)descobrir, recuperar e reinventar.
 
É preciso acreditar que não ficaremos confinados a uma linha de mar.

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E trabalhar para melhor descentralizar?

7/2/2020

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A reflexão em torno do tema da descentralização e da regionalização, que tem vindo a ser promovida no Lugar ao Sul, recebe hoje um contributo muito especial. A Inês Morais Pereira, que é pessoa interessada e informada sobre questões de administração e gestão pública, bem como confessa apaixonada pelo Algarve, gentilmente acedeu ao convite para partilhar a sua perspectiva sobre o que pode ser o futuro da região, no âmbito deste processo. 
​Fogo à peça, Inês. E obrigado.

Gonçalo Duarte Gomes
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Por Inês Morais Pereira

Estas linhas versam sobre uma temática verdadeiramente apaixonante: descentralização de competências/regionalização. No Algarve todos sabemos a regionalização desperta confessados amores e renegadas desconfianças.

Declaração de princípio: não sou, por ora, uma entusiasta da regionalização. E não o sou, porque não creio que a regionalização seja a varinha mágica que resolverá todos os problemas, falências e carências do Algarve e dos algarvios, ao contrário do que muitos políticos e opinion makers querem fazer crer.

Sim, o Algarve é uma região, potencialmente, com condições favoráveis e convergências para a implementação de uma região administrativa. Como afirmou o Eng. João Cravinho (que liderou a Comissão Independente para a Descentralização) numa conferência promovida em Faro a propósito desta matéria, “não há questões de mapa, sabe-se onde termina o Algarve e há uma identidade histórica. Depois, as distâncias não são grandes e não há montanhas a afastar as pessoas”.

Tudo isso é verdade, mas o Algarve é também um território cuja monocultura económica alicerçada há muito no turismo e atividades relacionadas o torna pouco resiliente, com um inquietante enquadramento laboral com caraterísticas sazonais acentuadas, com debilidades várias ao nível da mobilidade, com questões preocupantes na área da saúde só para nomear alguns dos problemas sérios com os quais a região se debate.

Ainda assim o Algarve também consegue mobilizar-se em torno de boas causas. Exemplo disso são o Programa cultural 365 Algarve que tem conseguido mostrar, e bem, o outro Algarve, denotando que a região tem muito mais para oferecer que apenas o tão conhecido e apetecível binómio sol e mar e a mais recente candidatura de Faro a Capital Europeia da Cultura 2027. E se recuarmos 4 décadas lembrar-nos-emos da génese da implementação da Universidade do Algarve.

Contudo, o Algarve é também, lamentavelmente, um território que ainda não conseguiu capitalizar a conveniente massa crítica e união em torno de pilares estruturantes que uma Região, digna desse nome, necessita.

Uma leitura atenta do Relatório da Comissão Independente para a Descentralização, um documento de mais de 350 páginas, disponível aqui, fruto do envolvimento e participação de várias individualidades e entidades, que traça um aprofundado enquadramento para a análise da problemática em questão é um excelente ponto de partida para quem queira tomar posição sustentada sobre estas matérias.

Como sabemos para haver política pública propriamente dita, é necessário, em primeiro lugar, que o tema objeto dessa mesma política pública esteja na agenda. Posto isto, consegue o Algarve colocar o tema da regionalização na agenda política? Sabemos por um lado que o atual Presidente da República não é um aficionado da regionalização e que por outro, está em curso um processo de descentralização de competências visto por muitos municípios com reservas várias.

Nos dias 24 e 25 de janeiro, em Portimão, realizou-se o XVII Congresso Nacional da ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias, com a presença do Primeiro-Ministro e da Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública. A descentralização administrativa é uma pedra angular do poder autarca. Destarte, as autarquias têm que estar à altura do exercício dessas competências. Fará sentido continuarmos a ter municípios e freguesias subdimensionados face à realidade social e económica do país, num mundo em constante mudança tecnológica? Fará sentido ter equipas autárquicas a trabalhar num paradigma esgotado e ultrapassado? Fará sentido os cidadãos continuarem a ser prejudicados na prestação de serviços públicos fundamentais em condições de eficácia, eficiência e equidade, para manter um status quo que a poucos beneficia?

Não falo de reformas como a operada no âmbito da extinção de freguesias levada a cabo pelo Ministro Miguel Relvas em 2013 que, como recentemente foi evidenciado por um estudo académico, não trouxe poupanças significativas, nem uma melhor prestação de serviço público.

Há contudo um bom exemplo de reorganização administrativa recente, ocorrida em Lisboa, em 2012, com o seu atual mapa de freguesias, assente no princípio de subsidiariedade, que dotou as mesmas de escala e recursos para concretizarem um conjunto de competências. Esta reforma, de iniciativa local, também vingou porque foi participada e porque os diversos stakeholders foram envolvidos. Apesar dos bairrismos tão caraterísticos e sobejamente conhecidos, os fregueses lisboetas viram naquela reforma a expetativa de efetiva melhoria da prestação do serviço público.

Propugno que o processo de descentralização de competências que agora ocorre pode ser aproveitado no Algarve para operar um conjunto de alterações necessárias e incontornáveis, as quais podem ser o alicerce para um melhor desempenho da região como um todo e consubstanciadoras de um enquadramento, esse sim, mais propício para uma potencial implementação de regiões administrativas. E porque sim, acredito que o Algarve não precisa de ser uma região-piloto (como muitos advogam apesar de não ter qualquer acolhimento constitucional) para ser materialmente uma região de referência. Basta que cada entidade na medida do seu quadro de atuação cumpra o seu papel. E sim, isso significa que a AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve comece a atuar como tal e não como a soma de 16 municípios que se reúnem mensalmente. E que todos os serviços e organismos periféricos e desconcentrados da administração do Estado sejam dotados de trabalhadores capacitados e motivados, que trabalhem em Rede em prol de um serviço público de qualidade e adequado às necessidades dos cidadãos. E que a CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional intensifique a sua ação no sentido de aprofundar a coesão, a competitividade e a equidade e reforce a sua intervenção em domínios estruturantes do ponto de vista regional. E que a Universidade do Algarve se afirme como polo académico de investigação das dinâmicas de desenvolvimento territorial.

Creio que o novo quadro de descentralização administrativa exige soluções inovadoras que podem ser testadas e replicadas, e que passam por dinâmicas de colaboração e cooperação que permitam, mormente, a partilha de recursos, boas práticas e conhecimento e que valorizem a formulação e implementação de políticas públicas mais ajustadas à diversidade territorial existente e aos desafios hodiernos.

Realço o papel fulcral da participação cívica individualmente considerada e das associações e movimentos de cidadãos enquanto agregadores de interesses legítimos, como aliás ficou bem patente a propósito da exploração de petróleo na costa algarvia e que é conveniente aconteça agora também a propósito do tema das alterações climáticas, mormente no que respeita ao uso racional dos (escassos) recursos hídricos da região porque temas com esta seriedade e impacto não podem, nem devem, ser deixados, única e exclusivamente na mão dos decisores políticos.

Quem é algarvio/a, seja por nascença, seja “por adoção”, oriundo de Faro, Portimão, Olhão, Lagos, Tavira, Vila do Bispo, Albufeira, Castro Marim, Loulé, Alcoutim, Monchique, Aljezur, Silves, Lagoa, São Brás de Alportel ou Vila Real de Santo António, sabe que quando perguntado de onde é, responde invariavelmente que é do Algarve. Se esta pertença identitária acontece naturalmente quando estamos em Lisboa, no resto do País ou no estrangeiro, seria desejável que esse mesmo sentimento fosse vocacionado, de forma organizada, na abordagem a tantas e tantas questões que nos dizem respeito e que têm impacto no nosso dia-a-dia e para as quais todo o nosso contributo é essencial.
​
Em jeito de nota final, atentemos que o mais importante é que todos e em primeiro lugar os cidadãos destinatários primeiros de uma reforma administrativa tomem consciência de que esta deve ser pensada, estruturada, analisada, implementada, monitorizada e avaliada de molde a melhorar o processo de tomada de decisão, a participação, a governação e a qualidade das decisões públicas e neste campo cabe promover continuadamente o debate sobre estes assuntos. E sim, as opções nesta matéria são estratégicas, com impacto também na credibilização e confiança no sistema político e democrático e consubstanciam a visão de Estado e Administração que queremos.

Inês Morais Pereira, servidora pública por convicção, apaixonada pelo Algarve, a caminho dos 40 anos, licenciada pela Faculdade de Direito de Lisboa e a preparar tese na área da Gestão e Políticas Públicas. Pós-Graduada em Administração e Desenvolvimento Regional pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, fez também a parte curricular do Doutoramento em Gestão e Inovação do Território na mesma Faculdade. Exerceu advocacia e foi Presidente da CIVIS – Associação para o Aprofundamento da Cidadania. Mais recentemente ingressou na Administração Pública, sendo diplomada do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública do INA. Exerce atualmente funções no Centro de Competências Jurídicas do Estado – JurisAPP.
Adora viajar, fotografia e fazer petiscos para os amigos. Com raízes transmontanas, divide a sua vida entre Lisboa e o Algarve e tem a certeza que gozará a merecida reforma numa casa com vista para a bela Ria Formosa. Sempre que pode gosta de escrever, o que já fez inclusivamente e com muito gosto para o jornal regional online Sul Informação.
Entusiasta do debate sobre a res publica, ter sido convidada para escrever no Lugar ao Sul pelo Gonçalo Duarte Gomes foi encarado como um verdadeiro desafio. E os desafios são o que a move!

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Investimento no Hospital do Algarve: afinal estamos a falar exactamente do quê?

4/2/2020

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Por Luís Coelho
No passado dia 23 de Janeiro Marta Temido esteve em Albufeira e protagonizou mais um episódio da saga “Novo Hospital do Algarve”. De acordo com a informação partilhada pelo Sul Informação, a dita responsável pelo Ministério da Saúde afirmou que “Aqui no Algarve, onde há tantos anos está anunciada uma nova infraestrutura, temos, em 2020, de planear, de modo a que em 2021 possamos começar a executá-la”. Oh lá, boas notícias - pensei eu. Nada mais errado. De facto, a mesma fonte revela que Temido se apressou a esclarecer que “não estamos a falar de obras. Estamos a falar de estudos, de garantia de investimento, de decisões sobre a carteira de serviços e o caderno de encargos, para poder responder a essa necessidade dos algarvios”. Conclusão: nada de novo.

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