Por Gonçalo Duarte Gomes O Monopólio é um jogo interessante, quer de um ponto de vista pedagógico, quer sociológico. Criado para explicar as teorias económicas de Henry George (que, mesmo sendo economista, tinha umas ideias interessantes, e pioneiras, relativamente ao valor social dos recursos naturais e do solo) e mostrar que os monopólios são coisa tramada, acaba por, basicamente, iniciar a petizada, desde tenra idade, no exercício especulativo sobre o qual assenta toda a economia contemporânea, tendo em vista conseguir promover a bancarrota alheia. É fofinho. Só para termos ideia, no início do Séc. XX, quando o jogo é inventado, cá pelo feudo ensinava-se às criancinhas essa mariquice da Cartilha Maternal de João de Deus… Em Portugal, e no Algarve em particular, joga-se uma épica partida de Monopólio, em que a região vai ficando depenada, qual triste jogador da versão de tabuleiro que, sem quaisquer propriedades de jeito em sua posse, cai sistematicamente na casa do Rossio, cheia de hotéis, até ficar KO e ter que abandonar o jogo. Só que neste caso, esgotadas as notas, as propriedades, as estações de comboio e as companhias de serviços a entregar, será o jogo a abandonar a região. O jogo em si é, em resumo, relativamente simples: distribui-se inicialmente um determinado valor a cada jogador, sem que ele tenha feito o que quer que seja para o merecer – situação que se repete a cada volta completa ao tabuleiro, premiando a mera permanência no circuito. De bolsos aviados, inicia-se uma corrida desabrida, procurando, qual perdigueiro numa trip de coelho, fuçar o maior número de propriedades o mais rapidamente possível. De caminho, espera-se que a sorte dite que sejamos os primeiros a cair nas propriedades mais valiosas, e que o mealheiro ainda dê para as adquirir. Lá pelo meio, outros alvos vão surgindo, como estações ferroviárias, e companhias de água e luz (convenhamos que a EDP, portuguesa ou chinesa, sempre levou este jogo muito a sério). Depois é esmifrar os outros transeuntes, apostando no imobiliário de forma a cobrar pela sua passagem pelas nossas propriedades.
Ah, e há um cartão que permite escapar de ocasionais visitas à prisão. Não me recordo da cor, mas qualquer uma deve servir, imagino… Ora o nosso País é muito isto, e dentro dele, o Algarve é caso paradigmático. Nas últimas décadas, num sistema puramente especulativo e apontado à construção de uma efabulada riqueza do sistema bancário, com o beneplácito de um sistema partidário – que monopoliza, por sua vez, o sistema político – alimentado por essa mesma banca e pelos homens de mão de toda a coisa, os patuscos patos-bravos, também esta região foi mergulhada numa desenfreada corrida à construção e, mais do que isso, à transformação profunda das suas paisagens, já que valeu tudo, até mesmo arrancar olhos – ou pelo menos as suas meninas... Em determinado momento houve uns lampejos de planeamento, impostos por uma União Europeia que disse que o regabofe dos fundos comunitários era à vontade, mas não à vontadinha. Vai daí, muito à pressa e na base do "bacalhau basta", traçaram-se estratégias, definiram-se planos, estabeleceram-se directrizes. Mas, passado um período de algum pudor, rapidamente se percebeu que não passavam de gatafunhos, não valendo o papel em que estavam impressos, desde logo para aqueles que, por mandato, tinham a obrigação e se comprometeram a defendê-los. Recentemente foi divulgada uma notícia interessante, relativamente às transformações da paisagem portuguesa, que pode ser consultada aqui. O título é apelativo: “País está mais urbano, mais florestal e menos agrícola”. Mas, isto dito assim, é o mesmo que nada. Ou, na melhor das hipóteses, será como fazer um puzzle do avesso. Conhecemos as peças, com paciência até as podemos encaixar, mas não fazemos ideia da imagem que se forma. Uma coisa é dizerem-me a mim: “estás mais velho, mais gordo e mais chato”. É desagradável, e é mentira, mas pronto, já se sabe que as pessoas são ruins umas para as outras, e as opiniões são como aquela parte pudenda da anatomia: cada qual tem a sua, e quando quer dá-la, dá-la. Já nestas coisas do ordenamento do território, dizer que a paisagem está mais isto, aquilo ou o outro, sem uma análise qualitativa integrada e comparada com objectivos, deixa-nos num limbo nada esclarecedor ou, pior ainda, enganador. São, não obstante, dados interessantes para começar a falar destes assuntos. Por exemplo, em torno do urbano. O País está mais urbano, ou está meramente edificado? São as urbes meros amontoados de betão, justaposto sob a forma de edifícios, ou algo mais? O mesmo em relação à "floresta". É realmente "floresta", enquanto projecto e cultura inter-geracional, em todas as suas dimensões ecológicas, sociais ou económicas, ou não passa de imediatista produção de madeira e pasta de papel? E afinal, qual das espécies é dominante? Pinheiro, eucalipto, eucanheiro, pinhilipto? E acerca da velocidade dessa transformação? Foi, ou é, consentânea com alguma estratégia, ou estamos apenas perante uma desenfreada fuga para a frente, deliberadamente impossibilitando qualquer planeamento e ordenamento, de sempre em nome do "progresso que não pode parar"? De facto, parece mesmo ter havido um organizado e deliberado esforço de deseducar a sociedade para as temáticas do ordenamento do território e seu impacto na organização e na qualidade de vida das pessoas, competitividade das regiões, resiliência do País, etc.. Não é à toa que tudo o que destoe do discurso de facilitismo relativamente à materialização de interesses (sempre medidos em euros e nunca em dimensões humanas) raramente alinhados com o interesse regional/nacional, é rapidamente apelidado de “velhice do Restelo” ou entrave ao desenvolvimento. Curiosamente, nos períodos de crise, quando seria interessante explicar o que correu mal no Paraíso prometido, os messias esfumam-se impunemente, tal como as ilusões que apregoaram. Vantagens de manter o tema na ignorância e esquecimento das massas. Tratando-se este tema dos alicerces de tudo, da organização das actividades no espaço de que dispomos – finito e condicionado, como parece querer ignorar Trump, ao retirar os Estados Unidos da América do Acordo de Paris que, com as suas falhas, é ainda assim o melhor que temos, e seguramente melhor que covfefe –, da vocação telúrica para a implementação das actividades, do casar a bota com a perdigota. A transformação da paisagem de um determinado tempo é a sua expressão e afirmação perante a posteridade, o legado que é deixado ao tempo vindouro. Não é uma imagem, não é estatística, é vida. Esta questão seria merecedora de uma atenção mais cuidada por parte dos responsáveis regionais, justificando, 17 anos após a assinatura da Convenção Europeia da Paisagem (e 12 da sua ratificação por Portugal) a criação de um Observatório da Paisagem do Algarve. Para lá de agendas partidárias e sem a fatal contaminação dos seus agentes, para lá de experiências pontuais e esporádicas, como o PaysMed, é necessário um trabalho metódico e sistemático de monitorização da evolução da paisagem regional, não apenas quantificando áreas disto e daquilo (e conhecimento há muito, carecendo apenas de inventariação, organização, sistematização, processamento e… divulgação), mas confrontando tais dados com objectivos realmente estratégicos e não circunstanciais, cruzando também tal realidade com os sonhos plasmados em planos e políticas sectoriais, em estreita articulação com a evolução económica e social do Algarve. No fundo, para tentar perceber qual o retorno e sustentabilidade do investimento do nosso capital natural e cultural, neste alucinante processo de metamorfose. As coisas correm realmente bem? Correm mal? Asseguramos reservas estratégicas e capacidade de realização para fazer face a períodos de dificuldade? Somos resilientes? Temos capacidade de adaptação? Vendemos a nossa identidade? Caro ou barato? Deveríamos fazê-lo ou tê-lo feito? Contas feitas, tudo se resume a estratégia, à ideia (ou falta dela) para o futuro. Defini-la, de forma séria e responsável, talvez fosse algo mais consistente do que meramente lançar os dados para mais uma ronda no tabuleiro…
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