Por Gonçalo Duarte Gomes Na semana passada, o Bruno Inácio chamou a atenção (aqui) para um problema que aflige o Algarve: o preço inflacionado do metro quadrado para habitação por força do efeito especulativo do turismo. Como ele bem frisou, a coisa não é nova. Há décadas que qualquer pessoa que queira, precise ou seja obrigada a viver no Algarve se depara com um mercado imobiliário desregulado em alta, e com frequentes e frequentemente gritantes desfasamentos entre preço e qualidade construtiva – sem falar na qualidade arquitectónica ou urbanística do tecido envolvente. Esta é porventura a face mais visível de um processo regional de gentrificação (hoje tão na moda) que afecta a região como um todo. Por isso tive a oportunidade de comentar que, obviamente achando a questão preocupante, me parece mais sintoma do que causa, e empalidece face a outros aspectos em que esta desvalorização dos residentes se faz sentir, e que se me afiguram mais perversos e seguramente mais profundos, como as opções de construção de um futuro ao dispor de quem queira por cá viver. Porque os residentes no Algarve não só têm cada vez mais dificuldades em aceder ao mercado residencial central (e qualquer dia periférico também), como se vêem empurrados, em termos laborais, para as tarefas desqualificadas de apoio ao turismo, sazonais e pagas abaixo da média.
Isto acaba por não surpreender, pois desde sempre os amos viveram na casa grande, enquanto os serviçais vivem na cave ou num casinhoto lá mais para o fundo da propriedade. Ou estás com o turismo, ou basicamente (e)migras. As crianças algarvias escusam de sonhar ser cientistas ou astronautas… São estes fenómenos que têm vindo a impor o turismo não apenas como monocultura, mas como toda uma forma de totalitarismo económico-social, deliberadamente desenhada, e obedientemente mastigada. Não porque o turismo seja mau por si só, mas porque não tem sido politicamente regulado e enquadrado numa estratégia mais abrangente, sendo alfa e ómega, o que leva a que, como qualquer elefante solto dentro de uma loja de porcelana, cause danos, por vezes avultados e até irreparáveis. Na questão da habitação, em concreto, até discordo do Bruno relativamente à necessidade de uma intervenção da Segurança Social, ou do próprio Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, em auxílio do Algarve, em que “invejava” a solução cozinhada entre o Governo e o seu satélite municipal em Lisboa. Se os Municípios algarvios utilizassem o património imobiliário que detêm para intervir directamente na questão imobiliária, mais facilmente promoveriam uma política de efectiva gestão urbanística em que fossem actores e não meros espectadores ou verificadores de requisitos regulamentares e cobradores de emolumentos. Se o património municipal votado ao abandono e à degradação fosse reabilitado, não para terciarizar mas antes para, por exemplo, promover o arrendamento acessível – não dado, note-se, que pais há só uns – a jovens em início de vida activa, ganhariam as Câmaras algum poder regulatório sobre os valores do mercado imobiliário, acrescentando receita e contribuindo para o combate à desumanização dos centros por envelhecimento e morte dos habitantes, terciarização das actividades ali localizadas, e dificuldade de reabilitação/revitalização devido à especulação e seus efeitos inflacionários. Embora não resolvesse todos os males, tal permitiria uma intervenção activa, que muitas vezes representará até preservação patrimonial, liderando pelo exemplo uma revitalização com aquilo que se esperam ser boas práticas. Nem de propósito – ou talvez sim, pois é sabido o alcance do Lugar ao Sul – hoje foi dia de apresentação na Assembleia da República, pelo Partido Socialista, do Projecto de Lei de Bases da Habitação. Fruto de uma rápida e diagonal leitura do documento, parece uma intenção bondosa, colmatando a falta de uma abordagem política contemporânea à questão da habitação, afinal um direito constitucional. Não deixa de ser, no entanto, o Estado a apelar para que o Estado resolva o problema que o Estado criou e cria, nos seus diferentes níveis, por sistemática omissão de um verdadeiro processo de gestão territorial e urbanística, sem qualquer ideia para resolver este modelo esquizofrénico, de casas onde não há gente que queira morar, gente que não consegue encontrar casa e casas onde os turistas têm preferência sobre residentes. Porque foi o Estado que permitiu a edificação em excesso, dando carta de alforria aos apetites especulativos dos patos-bravos, os tais que financiavam (e financiam) campanhas e partidos políticos, sentando ainda à mesa a banca, numa refeição em que o prato principal f(s)omos todos nós. Por entre ideias que parecem muito boas, como a resolução compulsiva de impasses relativamente a imóveis devolutos ou degradados à espera das necessárias partilhas sucessórias, surgem outras mais delicadas. É o caso do Artº 82º, destinado a tratar as áreas urbanas de génese ilegal e bairros informais, que parece ter tudo para se tornar uma daquelas boas ideias que rapidamente se transformam numa porta aberta para toda a espécie de malfeitorias. Principalmente porque aborda a questão de forma acrítica, metendo no mesmo saco situações de carência e desamparo social com mero chico-espertismo urbanístico, ajudando quem precisa e premiando ilegalidades deliberadas de igual forma. Esperemos para ver a redacção final da coisa. Nós por cá, é prepararmo-nos para o paradoxo de ver encher a região do País onde é tão difícil arranjar onde ficar…
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