As formigas no relógio ou a memória persistente «Restauração intelectual do reyno» no século XVIII, «ressurgimento intelectual da província» no século XX, «especialização inteligente do Algarve» no século XXI, são expressões que integram o Algarve numa trajectória longa de procura pelo conhecimento, embora com hiatos e retrocessos. Nesses intervalos, como na pintura de Dalí, as formigas apoderam-se do vazio... Nem sempre temos facilidade em assumir a dupla condição de quem ousa Saber, regressando ao passado com os olhos postos no futuro, desejando tanto o conhecimento, quanto a compreensão através da inteligência. Será mais cómodo, mais económico, mais alienante também. Salvador Dalí – A Persistência da Memória, 1931. Por estes dias, inicia-se nova discussão pública em torno dos «Caminhos para a Competitividade e Especialização Inteligente Regional» e interrogo-me sobre o lugar que o conhecimento sobre a região, não só em termos estatísticos, económicos e sociais, mas também em termos históricos e culturais, ocupará no desenho da nova Estratégia de Especialização Inteligente tendo em vista o horizonte 2030. Tal assunto mereceu tão-só um parágrafo na descrição do contexto regional na versão de 2015 (https://issuu.com/ccdralgarve/docs/ris3_20-06). E, no entanto, é para os eixos do conhecimento, da inovação, da eficiência e da coesão territorial que todo o documento se dirige.
É, pois, oportuno lembrar o monumental trabalho de um particular, Mário Lyster Franco (1902-1984), em prol do conhecimento e desenvolvimento científico e social do Algarve e da sua valorização como um todo. Refiro-me, naturalmente, à Algarviana. Não àquela que a maioria dos leitores identificará com a paisagem natural do Algarve, através da Grande Rota Pedestre, a Via Algarviana, mas àquela outra paisagem, a mental e simbólica, construída pela imensa colecção de textos e de imagens sobre o Algarve, coligidos por M. Lyster Franco, para a qual criou o neologismo «Algarviana» e de que resultou a Algarviana: Subsídios para uma Bibliografia do Algarve e dos Autores Algarvios, vol. I, A-B (1982). Mário Lyster Franco procurou reunir o maior número de documentos, de periódicos, de livros, de imagens, de testemunhos sobre o Algarve e assim também de informações sobre os algarvios que, em qualquer época, desenvolveram actividade intelectual deixando memória escrita. O legado, que está a cargo da Biblioteca Central da Universidade do Algarve (https://www.ualg.pt/pt/content/pesquisa-bibliografica), representa e representa-nos uma região que abala completamente o conceito de um espaço culturalmente lacunar e subalterno. Erige, em vez dessa ausência, uma sociedade de cultura e de conhecimento, aberta e em diálogo, oferecendo-nos uma notável quantidade de informação sobre os lugares, sobre as pessoas, sobre a história, sobre o património e sobre as actividades desenvolvidas no território ao longo do tempo. O trabalho ficou suspenso em 1984, apesar de a sua utilidade não ter parado de aumentar, quer no contexto do desenvolvimento da Universidade do Algarve, quer das transformações tecnológicas, quer ainda no quadro da política de coesão da União Europeia ao levar os países e as regiões a delinear Estratégias de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente. Ora, o que é a Algarviana se não uma “especialização inteligente”, realizada de acordo com os instrumentos e as tecnologias disponíveis no século XX? Trata-se, com efeito, de uma abordagem ao território do ponto de vista do Saber, integrando-o nas dinâmicas globais de circulação e de produção do conhecimento, um extraordinário instrumento de pesquisa e simultaneamente um impulsor de desenvolvimento. Se é pouco exequível dar continuidade à Algarviana nos termos em que foi originalmente delineada, creio que a detentora deste criativo acervo, a Universidade do Algarve, reunirá as melhores condições para o potenciar, liderando e desenvolvendo uma plataforma digital agregadora – a ALGARVIANA.PT – que funcione como ponto único de acesso a informação sólida, segura e de qualidade sobre o Algarve nas suas múltiplas coordenadas espácio-temporais, contribuindo para incrementar as relações dialógicas entre a Academia e a sociedade. A Algarviana é um projecto de conhecimento sobre o Algarve que continua vivo e a desafiar o futuro. Estaremos à altura deste legado? A memória persiste. Persistamos.
3 Comments
Rogélio Mena Gomes
12/11/2018 21:04:09
Todos nós interessados na cultura do Algarve temos textos escritos, livros na nossa estante inúmeros livros e mesmo textos copiasdos sobre a matéria. Se cada um carrear um pouco dessr espólio podemos fazer ressurgir o espírito da Algarviana e prestar homenagem à memória de Lyster Franco
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Patrícia de Jesus Palma
12/11/2018 21:53:16
Caro Rogélio, o legado da Algarviana responsabiliza-nos, pois. É continuada por muitos de nós que reunimos informação sobre o Algarve e que poderemos cooperar com este projecto, mas é como serviço público que deve, em minha opinião, ser verdadeiramente tratado e desenvolvido: persistamos!
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fernando santos pessoa
13/11/2018 19:26:58
Reunir toda a informação com garantia de qualidade e autenticidade , disponível em muitas das nossas moradas, serão contributos valiosos para ir sedimentando o conhecimento sobre o Algarve. Por mim procurarei dar uma ajuda ´à medida das minhas possibilidades. (e também escrevo ocasionalmente para o Lugar ao Sul)
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