Por Gonçalo Duarte Gomes Sendo certo que o tempo é de Ano Novo, e de resoluções pessoais com uma fiabilidade ao nível das promessas eleitorais - e se este ano vamos levar com elas - de um político, parece-me importante voltar a 2018 e olhar para uma prenda natalícia deixada no sapatinho do Algarve. Rezam as notícias (aqui) que um grupo de investidores franco-portugueses vêem com bons olhos a possibilidade de investir na região, concretamente num empreendimento na área do lazer, mais especificamente num parque de diversões, ao estilo da Disneyland. Altruísta como sou, apresento desde já um conceito para a coisa: que tal um parque que recriasse uma região de um país da Europa meridional, com um modelo territorial equilibrado, respeitador das suas características climáticas e biofísicas, consciente e preparada para os desafios das alterações climáticas numa zona de confluência de diversas influências, dotada de serviços de saúde, transportes públicos, promotora de uma economia diversificada, de valorização cultural, de investigação tecnológica, e em que os residentes fossem pelo menos tão valorizados como os visitantes? Falo, obviamente, da Algarveland! Em 1955, no discurso de inauguração da Disneyland, ouviu-se algo como isto: "A todos os que vêm a este lugar feliz, sejam bem-vindos. A Disneyland é a vossa terra. Aqui a idade revive gratas memórias do passado e a juventude pode saborear o desafio e a promessa do futuro. A Disneyland é dedicada aos ideais, aos sonhos e aos duros factos que criaram os Estados Unidos da América... com a esperança de que venha a ser fonte de alegria e inspiração para todo o Mundo" Walt Disney Embora provavelmente longe de imaginar a gigantesca corporação de entretenimento em que a sua companhia se viria tornar, Walt Disney não se enganou no seu sonho. A, ou melhor dizendo, as Disneyland têm sido fonte de alegria e inspiração para todo o Mundo, ao longo de gerações, deliciando miúdos e graúdos com magia. Vai daí, esta ideia de dotar o Algarve de uma oferta diferenciada e diferenciadora, assumidamente dimensionada à escala da região e fugindo do recorrente tema da água - até mesmo para quebrar a sazonalidade - não parece má de todo. Até porque o Algarve já encarna, por vezes em demasia, a lógica de "mi casa, su casa" que presidiu à abertura da Disneyland. No entanto, pode enfrentar um problema: numa região toda ela praticamente Disneyficada, profundamente adulterada e transformada em parque temático dedicado ao turismo, a única forma de chamar a atenção será... oferecer realidade. Quem sabe uma atracção chamada "Operação", onde o visitante pudesse pôr em dia cirurgias difíceis de obter na região sem vender um órgão interno. Ou uma outra, intitulada "Quem é Quem", em busca da identidade perdida do Algarve. Uma dedicada ao "Monopólio" não pode faltar, em que os incautos tentarão adquirir uma morada neste distrito de Faro, que fechou o ano de 2018 na 2.ª posição do ranking dos distritos onde é mais caro comprar casa em Portugal, atrás apenas da capital e à frente do pobretanas Porto (de acordo com dados do Idealista). Já agora, qualquer coisa na área da realidade virtual, que possa recriar os valores naturais e patrimoniais da região, incessantemente alvo de destruição e substituição. Culturalmente despojado, paisagisticamente prostituído, economicamente sequestrado, intelectualmente alienado, nacionalmente ignorado (até mesmo por, pasme-se, um Ministro das Finanças patrício, que ainda assim alguns guindam em ombros), este Algarve continua adiado. Por isso mesmo, valeria a pena pensar se o Algarve, em vez de - ou para além de - um parque temático, não precisa ainda mais de temas de fundo. E aí será importante explorar um outro aparente interesse deste mesmo grupo de investidores, despertado pela Universidade do Algarve: as condições propícias ao desenvolvimento de iniciativas empresariais na área das tecnologias na região, capitalizando sobre as condições naturais e humanas disponíveis. Porque temos, em definitivo, que arrancar rumo a algo mais. Não necessariamente em adição, mas eventualmente em complemento, reinvenção, reinterpretação, diversificação. Numa postura proactiva face a intenções positivas como a deste grupo, apresentando-lhes possibilidades, alternativas, visões, projectos, sem nos atirarmos cegamente às primeiras "migalhas" largadas a terreiro. É que no fatal mito do crescimento ilimitado, seja na economia ou na busca contínua da próxima grande coisa para nos entreter neste paradoxal tédio em que globalmente nos vemos cada vez mais mergulhados - a inevitável saturação da sociedade do espectáculo - estamos condenados a acabar em parques, mas de depressão, como aquele que Banksy nos deu a provar em 2015...
2 Comments
Miguel
6/1/2019 21:31:12
Não diria melhor caro Gonçalo, até porque inclusivamente para alguns algarvios, em especial os de adopção, continua o Algarve e seus costumes a serem vistos com exotismo e desconhecimento, sentimento talvez mais comum no litoral que há muito perdeu uma parte da sua essência; permita-me acrescentar, e que tal se em vez do Algarveland que já é a região em si (o projecto original, mais valia vir do criador dos looney toons porque é isso que é, looney) efectivamente houvesse um festival do Algarve, em que para além dos comes e bebes habituais, estivessem presentes todos aqueles que amando a região, estivessem livres de amarras pessoais ou ideológicas, cujo unico projecto seja a reabilitação e preservação da região? Pessoas que não digam que não é o eucalipto ou monoculturas intensivas de regadio o principal causador dos incêndios ou da desertificação do país e região (desertificação real e humana vide Portugal em Chamas), que não promovam o continuo binómio sol e praia e sobretudo que não se verguem aos ditames do Estado Central, um dos mais Centralistas da Europa? Porque parques de diversões há muitos, e o Algarve infelizmente boa parte do ano é um gigante...
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Gonçalo Duarte Gomes
7/1/2019 11:48:03
Precisamente, Miguel.
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