Por Gonçalo Duarte Gomes Há um excelente filme de 2015, intitulado The Big Short (traduzido em Portugal para A Queda de Wall Street), que explica, com algum humor à mistura, a espiral de ganância, irresponsabilidade e demissão ética que conduziu à crise financeira de 2007/2008. Como já foi há muito tempo, as pessoas podem não se lembrar, mas essa crise foi provocada maioritariamente pela bolha imobiliária no mercado dos Estados Unidos da América, que rebentou com a chamada crise do subprime (basicamente, créditos bancários concedidos a tomadores que se estava mesmo a ver que não tinham como os pagar), arrastando a economia americana que, por sua vez arrastou toda a economia mundial, dadas as ligações, principalmente bancárias, entre uma e a outra. A sorte dos bancos é não transmitirem doenças venéreas entre si, porque com o nível de promiscuidade que ostentam… Adiante. Esse filme expõe também o quão visível era a desgraça que se estava a desenhar, e como ninguém quis, deliberadamente, saber. No final, conclui-se que o problema assentou na inconsciência dos consumidores e no facto da banca não se importar com as consequências das suas acções porque as alicerçava numa certeza sólida: a de que, se algo corresse mal, os Governos de todo o Mundo prefeririam sacrificar os seus contribuintes a prejudicar a fantasia financeira que alimenta a denominada “Economia Global”. Podem ver na televisão, que de vez em quando dá em reposição. Ou então olhem à vossa volta, e assistam à repetição ao vivo e a cores. O súbito ressurgir do boom imobiliário em Portugal tem tido uma ajuda forte do turismo, quer seja através das modalidades e plataformas emergentes (pelo menos por cá) de alojamento – que têm alimentado a voracidade de um mercado que neste momento literalmente devora toda a oferta colocada nos principais centros urbanos – quer pelo renovado e saudoso surto de resorts e demais operações imobiliárias especulativas travestidas de salvação da pátria, como, por mero exemplo, o caso de um novo mono para a zona de Benagil, que se junta a outros comatosos projectos reanimados.
Um dos impactos mais significativos é visível na dificuldade que se coloca crescentemente a quem queira arrendar ou comprar casa em cidades com um mínimo de turismo (pelo menos a preços que não impliquem vender vários órgãos internos no mercado negro ou ter amigos como os do Sócrates). Por outro lado, há toda uma quantidade de gente que se dedica à angariação e mediação imobiliária e que, aparentemente, dela consegue viver. A loucura em torno do sector imobiliário está num ponto tal que até já temos agências de rating (sim, aquelas que participam e lucram com a loucura!) a alertar para a evolução do mercado imobiliário em Portugal, especificamente para os riscos que a especulação introduz no financiamento, destacando-se aí as zonas de Lisboa, Porto e… Algarve! Logo nisto, o Algarve, que em nada se equipara aos maiores centros de decisão nacionais, tinha que acompanhar a parada! Em Faro, a própria dinâmica da Universidade terá já saído prejudicada, por incapacidade dos estudantes competirem com turistas e aspirantes a residentes no autêntico leilão de casas que vai acontecendo. Mais do que gentrificação, isto é como preferir ter estômago dilatado por gases em vez de cérebro. Talvez por isso, e para além de aspectos comerciais, este fenómeno deixa já muitos autarcas, que voluntariamente confundem visitantes com residentes, a lamentar a escassez do seu parque edificado, a acusar falta de “habitação”, e a olhar com olhinhos meigos mas galifões para os Planos Directores Municipais (muitos em revisão), em busca de novas conversões de solo rústico em urbano, para expansão dos perímetros urbanos. Mesmo que os censos o contrariem, mesmo que muito permaneça por fazer em termos de reabilitação urbana e os fogos devolutos subsistam. No fundo, continuamos, como há 10 anos, a adoptar uma postura subprime na abordagem à gestão paisagem, transpondo para ela uma atitude negligente e irresponsável: pedimos emprestados ao sistema, sem qualquer ideia de como o pagar, valores naturais para suportar investimentos que não terão retorno em termos de mais-valias paisagísticas, nem para nós, nem para os vindouros. Aliás, estamos pior do que há 10 anos, porque o trambolhão que entretanto demos obrigava-nos a ter aprendido algo. Só que não. Continuamos a cavar um fosso contabilístico, construindo paisagens estéreis, incapazes de garantir a cobertura das suas obrigações perante a banca telúrica que nos capitaliza. Não apenas com as operações imobiliárias especulativas, mas também através de outros erros de base, como o abandono do interior, com reflexo directo em coisas tão imediatas como o aumento do risco de incêndio. Nesse capítulo, destaque para um recente lampejo de esperança nas palavras do ministro adjunto Pedro Siza Vieira, que fala numa intenção aparentemente estruturada de valorização dos serviços de ecossistema que as áreas interiores e de baixa densidade prestam à paisagem e para uma (re)concepção dos modelos de ocupação e exploração, mais próximos de uma efectiva coesão territorial. Principalmente porque parece integrar o interior com o resto, e não embarcar na comum abordagem estilo jardim zoológico ou parque temático, onde os urbanos vão brincar aos rurais ao fim-de-semana, relacionando os serviços de ecossistema com a necessidade de haver gente que, quotidianamente, trabalhe nos ecossistemas para que continuem a providenciar serviços... Pode até resultar numa mão-cheia de nada, mas temos que beber esperança nos poucos oásis de ideias que vão surgindo no actual deserto. Vamos ver no que dá tudo isto, até porque a tal banca natural tem a particularidade de, ao contrário de outras, não ter resgate possível, pelo menos num horizonte solidário para com outras gerações. A única coisa que vai tendo de similar às outras, pelo menos em Portugal, é a omissão das entidades reguladoras…
0 Comments
Leave a Reply. |
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|