Por Cristiano Cabrita
O atual Governo está enamorado pela descentralização. De facto, no último ano, António Costa tem vindo a público defender a necessidade de avançar fortemente com a descentralização “com claro reforço das competências dos municípios e das freguesias na gestão dos seus territórios". A ideia é que o processo esteja concluído durante esta legislatura. Recentemente, o Ministro-adjunto, Eduardo Cabrita, sublinhou que a "descentralização é um grande desafio da reforma do Estado e é uma prioridade do Governo", e que o objetivo da legislação "é dar mais poderes às autarquias". O objetivo é que a intervenção municipal assuma uma maior preponderância em áreas como a educação, a saúde, a acção social, na gestão das praias, na reparação de estradas nacionais, entre outras. O que pressupõe, a curto e médio prazo, que as autarquias absorvam as competências do governo central. Este momentum merece, desde logo, três considerações rápidas. Em primeiro lugar, a descentralização é um tema que tem vindo a ser debatido há muitos anos e não me parece que se consiga agora dar um salto em frente, cortando tudo a direito, sem o devido espaço para discussão e consensos. Parece-me, isso sim, mais retórica política do que outra coisa, mas esperemos para ver. Aliás, o tema foi sendo sucessivamente debatido desde o Governo de Durão Barroso. E, na anterior legislatura, também existiram alguns avanços nesta matéria. Por isso, não foi encontrada nenhuma fórmula mágica tendo em conta que o debate não é novo. Em segundo lugar, tenho sérias dúvidas sobre a eficácia do efeito “descentralizador”. Ou seja, não acredito plenamente nos objetivos que se propõe a alcançar. Tenho algumas dúvidas, para não dizer muitas, de que terá o mesmo efeito em todos municípios e freguesias do país, as quais encerram em si especificidades próprias. Será que um Município com um orçamento anual de 10 milhões de euros tem capacidade para “assumir” o papel do Estado, nas várias áreas? Esta passagem de competências far-se-á num corte a direito? Por outro lado, por exemplo, existem autarquias algarvias que há longos anos que se substituem àquilo que deve ser o papel do Estado, mas que, devido à ponderação do número de residentes, recebem apenas 4 ou 5 milhões de euros dos cofres do Estado, quando na realidade todos os meses têm no seu território cerca de 150 mil pessoas. Existirão novas ponderações em termos de afetação de verbas por parte do Governo? A proposta em cima da mesa não responde claramente como serão efetuadas as repartições de competências e os poderes de cada entidade e, mais importante, como é que o financiamento chegará. Repare-se que o trabalho desenvolvido pelas CCDR’s e pelas Áreas Metropolitanas tem ficado aquém das expectativas sendo órgãos sem legitimidade prática e com competências em áreas, muitas vezes, transversais a outras entidades, como as autarquias. Posto isto, uma solução assente na descentralização aumentará o risco dos titulares dos órgãos nem sempre estarem preparados para as funções e responsabilidades de gestão administrativa. É também verdade que podemos elencar as vantagens teóricas da descentralização, como a maior celeridade na administração, maior democraticidade, maior facilidade da participação dos interessados na gestão da Administração, e uma maior limitação do poder público, consequência da sua repartição pelas pessoas coletivas. Mas, no global, fico com a sensação de que não passa de uma solução intermédia. Em terceiro lugar, quanto a mim, e aqui é que está o cerne da questão, este debate pretende esconder um outro ponto mais importante: saber se existem condições para voltar a debater a temática da regionalização. Isso é que importa discernir. E este é um tema que deve interessar ao Algarve, no geral, e aos algarvios, em particular. Porquê? Porque, sinceramente os algarvios estão cansados de serem constantemente esquecidos pelo poder central. O Algarve é a região do país que mais contribui para o PIB proveniente do sector do turismo, representando mais de cinquenta por cento das receitas, e onde esta atividade apresenta uma maior relevância económica. Além disso, como se viu recentemente, geramos mais de metade dos bens transacionáveis em Portugal. Somos um exemplo mundial ao nível do turismo. Mas arriscamos o futuro. Porquê? Porque temos paupérrimas condições estruturais na região! Este é o retorno que temos por parte do Estado central. Como é que queremos competir com outros destinos turísticos quando diariamente nos deparamos com a inexistência de acessibilidades ferroviárias e rodoviárias? Como é que abordamos a promoção turística quando existe falta de médicos e quando os Centros de Saúde operam em condições precárias? Quando é que entendemos de uma vez por todas que as portagens na Via do Infante representam uma “barreira” económica para residentes e turistas? Quando é que o Hospital Central do Algarve sai do papel? São as autarquias que neste suposto processo descentralizador vão construir um novo hospital no Algarve? Não me parece. Mais, quando é que os utentes hospitalares têm um tratamento condigno? Quando é que se resolvem os problemas da orla costeira? Quando é que os acidentados deixam de esperar uma hora por uma ambulância? São as autarquias que vão resolver este problema, criando um INEM de raiz? Também não é crível. Quando é que acabam as obras na EN125? Quando é que a região assume o controlo do seu próprio destino e deixa de ser esquecida? Sim, porque não vale a pena pensarmos num paradigma de valorização do Algarve quando depois apresentamos um conjunto de respostas estruturais que são manifestamente insuficientes. É contraprudecedente. Qual é denominador comum? Todos os grandes problemas que existem no Algarve resultam da inércia do Governo central. O mais grave disto tudo é que não conseguimos controlar a nossa galinha dos ovos de ouro. É como ter um carro topo de gama e ao abrirmos o capô encontramos um motor de um corta relvas. A dimensão é extremamente preocupante porque somos completamente dependentes desta indústria, mas não conseguimos controlar as respostas para aumentar a qualidade da mesma. Estamos num colete de forças, maniatados pelo centralismo. Desde logo, importa relembrar que a Constituição da República Portuguesa de 1976, consagrava a organização do poder político local no artigo 238º. No número 1 do mesmo artigo lia-se: “no continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas”. Portanto, em termos constitucionais, existe esta possibilidade desde o período pós revolucionário. A regionalização em Portugal deve ser uma meta a atingir, o problema é que o país tem adiado a decisão, talvez fortalecido pelo negativismo que saiu do referendo de 1998, refugiando-se em processos de descentralização e em instrumentos de desconcentração para, sucessivamente, adiar a regionalização preconizada na Constituição de 1976. Acredito que a regionalização, a prazo, poderia trazer grandes benefícios económicos para o país e para os portugueses. Teria uma maior legitimidade democrática e um papel mais forte junto das populações, em relação a órgãos distantes e intermédios, como é o caso das CCDR’s. Dentro da própria União Europeia as regiões também têm ganho uma maior importância e são um exemplo positivo neste aspeto. Todavia, a realidade diz-nos que os sucessivos Governos não acreditam na regionalização. Na generalidade, acreditam que tal processo colocaria em risco a coesão nacional e a integridade num país pequeno como o nosso. Que geraria mais burocracia e um clima de conflito entre regiões, que seria um risco desnecessário num país onde não existem diferenças socioculturais evidentes. Que a despesa aumentaria e que, em caso de dúvida, é preferível reforçar os poderes das autarquias e manter o modelo atual de descentralização. Não partilho desta opinião, sobretudo, se colocarmos em cima da mesa o exemplo do Algarve. Acredito, isso sim, que a regionalização reforçará a coerência das políticas públicas; que será importante para cumprir com o princípio da subsidiariedade e com o aprofundamento da democracia, diminuindo o peso excessivo do Estado e o centralismo; que também pode reforçar o peso das organizações da sociedade civil que atuam em benefício do desenvolvimento local e regional; que mitigará as desigualdades e as assimetrias locais e regionais, podendo reforçar o desenvolvimento regional; que a probabilidade é bem grande da diminuição das despesas do Estado porque o número de autarcas regionais é diminuto e implicaria o desaparecimento de alguns cargos atualmente existentes na Administração Pública como, por exemplo, os presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional e respectivo quadro de pessoal; que melhoraria também as vias de comunicação nos domínios rodoviário, ferroviário e aéreo com ganhos para a mobilidade das populações; que distribuiria de uma forma mais justa e racional a riqueza gerada na região; que tornaria o país mais moderno e mais auto sustentável. Dito isto, sou a favor daquilo que deve ser o combate das assimetrias regionais e em prol de uma maior equidade social. Compreendo, em teoria, por exemplo, a especificidade das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, para manter um estatuto “autónomo” sustentado num Governo Regional. Todavia, não concordo que se invoque “características específicas” para dotar aquelas regiões com um estatuto político-administrativo e de órgãos de governo próprios. A geografia, a insularidade, não pode, não deve, ser suficiente para determinar a especificidade de uma região. Se assim o for, então o Algarve tem um conjunto de características próprias, já para não falar na História, que serve de um bom ponto de partida. Agora, tudo isto não vale de nada se, em caso de um novo referendo, mais de 50% da população portuguesa voltar a ficar em casa, e mais de metade dos algarvios não votar no SIM!
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