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Bem-vindo

Algarve lumbersexual

6/1/2017

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Por Gonçalo Duarte Gomes

A moda é, em muitas coisas, quem mais ordena.

Aqui há uns anos, era coisa de valor para o cavalheiro de estilo e bom gosto andar com a bela da camisa aos quadrados,  botifarra de campo, um gorro estilo arrumador, e uma barbaça capaz de ocultar uma refeição completa, bem como os vários volumes da Enciclopédia Houaiss. No fundo, um montanheiro. Como em estrangeiro tudo soa com mais finesse, diz que é lumbersexual– mas sempre sem machado, pois a presença da lógica ferramenta parece que já dava direito a uma consulta com as autoridades. Vá-se lá perceber estas coisas...

Confesso que não sei se a coisa ainda se mantém trendy (a minha única hipótese de ser fashion victim é ser atropelado por um camião da Zara), mas o Algarve não é de modas, e vai daí, vestiu a sua melhor flanela e recebeu uma sessão da discussão pública da reforma das florestas. Resta saber se falamos de uma transformação ou do plano de aposentadoria definitiva das nossas vetustas matas...
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160.000 hectares de área ardida em 2016 (dos quais 5.800 são o triste contributo do Algarve) são coisinha para envergonhar qualquer País decente. Considerando que essa tremenda torrada paisagística nos coloca como responsáveis por cerca de metade da área ardida em toda a União Europeia no ano transacto... se calhar convinha pensar, mas a sério, no que andamos a fazer com as nossas matas. E pensar a sério é deixarmo-nos de sound bites, de lágrimas de crocodilo e de bipolaridade esganiçada para encher noticiário. Ou seja, é preciso pensar o que se quer (se é que se quer alguma coisa para além do actual triste cenário) das zonas florestais. E depois fazer. A sério.

Está em curso uma tal reflexão, sob o tal mote de “Reforma das Florestas”.

A matéria é extensa, e complexa, envolvendo um extenso “pacote legislativo” (porque em Portugal a legislação mede-se ao peso, e assim, embrulhado, é mais fácil de pôr na balança). Não me vou debruçar sobre todos os aspectos, mas apenas sobre algumas questões que me parecem estruturais (entre outras possíveis), até porque muita coisa é cosmética. Fica o convite a lerem o restante e a participarem.

Desde logo, fica sempre uma sensação de estranheza nestas reformas, porquanto não é claro o diagnóstico que origina a necessidade de reformar. Já que se convida o público, e muito bem, a participar da discussão, seria interessante a exposição inequívoca do que correu mal e também do que correu bem, de forma a melhor compreendermos o que gera o assinalável esforço que nova legislação implica para a sociedade – sim, porque cada papel que malfadadamente sai da Assembleia da República tem um impacto real na vida das pessoas, que não fazem outra coisa que não seja lamber papel cada vez que muda o Governo.

É basilarmente significativa a clivagem do ordenamento florestal em relação ao restante ordenamento territorial, permanecendo assim, legal e formalmente, desgarrado. Este absurdo isola a produção florestal das actividades económicas que dão continuidade à fileira ali originada, que são tuteladas por outros planos de ordenamento. Isola também o ordenamento florestal da sua inseparável componente conservacionista, também ela tutelada noutros instrumentos regulamentares.

No contexto das nossas paisagens, enquanto o modelo de ordenamento, gestão e exploração florestal não for baseado numa abordagem integrada que contemple a presença humana como agente dinamizador, num quadro de actividades diversificadas (uso múltiplo), incluindo protecção, indústria, agricultura, serviços, cultura, alicerçada fundamentalmente nas espécies autóctones (que devem conviver com povoamentos de exóticas, que abrem outros horizontes produtivos, mas nunca em regime extensivo) estaremos a persistir numa espécie de playback territorial: parece real, mas é falso. As clivagens sectoriais na abordagem ao ordenamento e gestão do território negam não apenas a lógica e a coerência, mas também a nossa identidade nos processos de construção das paisagens.

A este propósito, e no meio do considerável volume de papelada agora em causa, não seria boa ideia recuperar o efémero e defunto Código Florestal, corrigindo o que fosse necessário? Para quem não se lembre, o objectivo deste documento era, justamente, a compilação, articulação e compatibilização da variadíssima e fragmentada legislação vigente sobre o sector florestal. Foi revogado em 2012, no meio de grande confusão, após ter sido criado em 2009, tendo merecido inclusivamente a inglória atenção do então Provedor de Justiça. Simplificar não é connosco, o que é dramaticamente eloquente quanto à qualidade (ou falta dela) da regulamentação produzida.

Esta é uma confusão fatal, a de tomar regulamentação por gestão. Gerir é realizar, produzir, avaliar, corrigir, acrescentar, e não dissertar em perpétua invenção da roda.

No meio disto há no entanto um sinal potencialmente promissor, e que se prende com a constituição do Banco de Terras e do Fundo de Mobilização de Terras que, entre outras medidas, pretende instituir mecanismos de redistribuição de terras expectantes e/ou abandonadas, disponibilizando-as a quem as queira trabalhar – pese embora aparentemente sem obrigatoriedade de emparcelamento, o que me parece inviabilizar muito a exploração. No fundo, uma Lei das Sesmarias adaptada.

Esta é uma intenção que assenta, única e exclusivamente, em coragem e determinação política, bem como na capacidade de uma gestão proactiva por parte da Administração Pública.

Ora aqui é que a porca entra não nas couves, mas na mata. Face ao histórico recente de questões análogas, como por exemplo no Domínio Público Marítimo nas ilhas-barreira, basta o pessoal choramingar e fazer algum barulho, juntando-se-lhe uma dose massiva de populismo, e o Governo capitula. Bastará então que se instale algum clima de (previsível) impopularidade em torno deste instrumento, e não passará de um fogo… mas fátuo.

Ponderando a hipótese de passar a gestão florestal para autarquias, pior ficamos. A este nível o peso do voto é ainda maior, juntando-se à falta de meios, recursos e vocação do poder local para gerir investimentos geradores de riqueza reprodutiva. Bastará aqui lembrar a perequação, que nunca passou de uma linda intenção face à incapacidade para lidar com processos que impliquem mais do que a simples cobrança de emolumentos. Este neo-feudalismo em curso, que é “autarquizar” tudo e um par de botas coloca em risco, mais que não seja por esta falta de aptidão, a necessária abordagem estratégica e integrada que sectores como este devem observar.

Ainda para mais no País do chico-espertismo e do nacional-porreirismo, com o sempre presente risco deste mecanismo ser tomado de assalto por esquemas menos próprios, que lhe subvertam o espírito e os objectivos, acabando por ceder terras para empreendimentos hoteleiros e afins, ou não fosse o arborismo um produto turístico muito na berra...

Quem quiser falar de fiscalização e regulação, em Portugal, tente fazê-lo sem rir.

Sei que as vacas voadoras estão muito em voga, e pouca gente se preocupa para lá das aparências. Mas o sector florestal é um dos principais mecanismos de solidariedade intergeracional: plantamos e cuidamos do crescimento das matas para que os nossos filhos e os nossos netos possam colher os frutos e beneficiar das funções ambientais. Por isso é realmente estratégico.

No passado mês de Novembro de 2016, já um grupo de notáveis – em substância, mais do que em notoriedade – entre os quais Gonçalo Ribeiro Telles, Fernando Santos Pessoa ou Jorge Paiva (entre muitos outros e insignes nomes), havia endereçado ao Primeiro-Ministro António Costa uma carta aberta (disponível abaixo) alertando, precisamente, para os erros cometidos em termos de políticas florestais e de conservação da Natureza.

​Até à data, parece que de pouco serviu este apelo, de algumas das mais autorizadas vozes em Portugal para falar de gestão efectiva de espaços florestais.

Na discussão existencial, questiona-se se a queda de uma árvore na floresta produz som, não estando lá ninguém para o ouvir. O estrondo que o nosso sector florestal tem produzido no seu colapso não deixa dúvidas, é audível até na nossa consciência. E importa calar esse ruído no nosso futuro.
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