Por Gonçalo Duarte Gomes A exposição “50 Livros, 50 Algarves”, que daqui a pouco vai estar em discussão na FNAC do Forum Algarve, é um desafio à leitura. Não apenas à leitura literária literal – a aliteração redundante é propositada – mas à leitura figurativa, imaginária, poética, de um Algarve patrimonial que foi expresso (e impresso) em palavras, no caso dispersas por 50 obras seleccionadas. No actual momento do Algarve, marcará esta exposição um epílogo ou um prólogo? O desafio é fantástico: apreender a essência do Algarve, tal como descrita pela pena dos autores de 50 obras escritas, num exercício pleno de partilha cultural, cobrindo diferentes épocas, no qual seguramente a interpretação pessoal de cada um criará novas realidades, não sonhadas pelos escritores.
Mas deste interlúdio resulta uma inevitável reflexão. Em que caracteres se grava o Algarve de hoje? Qual a meia centena de obras em que os vindouros poderão conhecer este tempo meridional? Um tempo urgente, em que não há tempo para nada – o Algarve impressionista e mole de João Lúcio obliterado pela necessária eficiência e rapidez no atendimento ao turista que tem pressa para ir instagramar a sua checklist de hotspots, no package que este cluster oferece. Um tempo de banalização, generalização e uniformização de acordo com cânones impiedosos que não conhecem local nem região, apenas o global – os outros sinais de uma mesma nação, vistos por Torga, hoje apagados. Um tempo asséptico, em que a poeira da vida de um povo, feita de pequenas e grandes excentricidades, não tem já lugar – o braço de barro de António Ramos Rosa coberto pela farda de serviço a que todo o empregado hoteleiro de preceito está obrigado. Aliás, que espaço ou tempo poderá o imaginário algarvio ter, num pragmatismo automatizado, em que robots inexpressivos operam máquinas calculadoras como volantes de uma sociedade, alegremente proclamada “de consumo”, e tudo vergam a uma economia mal parida, porque desligada da ecologia? Bernardo de Passos já não escutaria hoje nos ermos a voz das fontes ou veria as frontes verde-tristes das árvores maternais. Em vez disso, escutaria o restolhar do vento no plástico das estufas, o rosnar da bomba de água de um qualquer regadio exportador ou o frenesim do formigueiro da construção civil. Que livros escrevemos hoje, para a reedição futura deste exercício que se saúda? Resta esperar que o Algarve se não compile futuramente em molhos amarrotados de folhetos publicitários, indistinguíveis na sua banalidade e efemeridade. Provavelmente escritos em inglês.
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