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Algarve, do Reino à Regionalização: um debate com mais de 100 anos

21/2/2020

4 Comments

 
Por Andreia Fidalgo
“Quem pretende vencer os vícios do sistema ou sucumbe e se afasta ou, qual Calisto Elói, é pervertido por ele. Só há para o modificar um meio: é criar interesses mais fortes do que esses, que os substituam, que os batam, que os façam calar, e então teremos verdadeira «representação nacional», em vez de termos comédias nacionais postas em cena por empresários políticos, e as contendas parlamentares desenvolver-se-ão em volta dos interesses das regiões em vez de à roda dos interesses dos partidos.”

​Em A Queda de Um Anjo, romance publicado pela primeira vez em 1866, Camilo Castelo Branco satirizava a sociedade portuguesa e, muito em particular, a vida política do país, através do percurso de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, um fidalgo transmontano de bons costumes e suposta boa índole – um aparente anjo! –, que ao ser eleito deputado se instala em Lisboa e, progressivamente, se deixa corromper pela imoralidade e luxo que grassa na capital, sacrificando os seus próprios ideais políticos iniciais em prol de benefícios pessoais.
​
Em 1878, Eça de Queirós escreveria O Conde d’Abranhos, obra que só foi publicada postumamente, em 1925, mas que surge quase como uma “versão mais actualizada” de A Queda de um Anjo, na medida em que também retrata o percurso político do Conde Alípio Abranhos, um nobre rural que deseja escapar da província para a capital, que consegue ganhar notoriedade política com base em diversas artimanhas e discursos bacocos, e que se revela altamente impreparado para todos os cargos políticos que exerce.

Ambos os romances satíricos contêm em si ilações e lições que poderíamos aplicar ainda aos dias de hoje… Mas não, o que me traz aqui hoje não é nem o facto de ser aparentemente sempre obrigatório ir para Lisboa – porque o Estado é altamente centralizado – para ter uma intervenção política activa, nem o facto de uma parte, quiçá realmente significativa, da classe dirigente se parecer olvidar com demasiada frequência que quando é eleita passa a representar a maioria da população e que, logo, deve trabalhar em benefício do bem público, e não em benefício dos seus próprios interesses. O que me traz aqui hoje é a temática da reflexão inicial supracitada, a regionalização, que pela actualidade do conteúdo, quase poderíamos dizer que foi escrita nos dias de hoje. Só que não! Tem mais de uma centúria e foi extraída de um artigo de autoria de Gonçalo de Olivaes, publicado na revista Alma Nova (nº13) de Dezembro de 1915, intitulado “A organização regional e o nosso parlamentarismo”.

A regionalização está, pois, longe de ser um tema actual e consensual. De tal forma o não é, que andamos a debatê-lo, no Algarve e no país, há mais de 100 anos. Poucos anos volvidos após o 5 de Outubro de 1910 – que extinguiu oficialmente a designação simbólica de “Reino do Algarve”, remetendo-o para o mero estatuto de “província” – a região foi palco de uma iniciativa sem precedentes: o 1º Congresso Regional Algarvio, dinamizado e presidido por Tomás Cabreira (1865-1918) que decorreu entre os dias 3 e 7 de Setembro de 1915, no Casino da Praia da Rocha, em Portimão.

A realização deste Congresso surge na sequência dos congressos municipalistas realizados em Lisboa, em 1909, e no Porto, em 1910. E surge enquadrado num contexto político de debate sobre o alargamento da esfera de acção dos municípios: na Constituição de 1911 lançavam-se as bases de um poder local descentralizador, reforçadas pela lei nº88, de 7 de Agosto de 1913, que, até promulgação de um novo Código Administrativo, retomava em larga medida o de 1878, o qual descentralizava o poder local através da atribuição de competências em assuntos judiciais e fiscais.

O debate em torno do municipalismo estava, pois, na ordem do dia, aquando da realização do Congresso Regional Algarvio. Este, porém, ao contrário de outras iniciativas congéneres, teve muito mais do que contornos única e exclusivamente municipalistas, assumindo contornos verdadeiramente regionalistas, na medida em que teve por objectivo discutir as potencialidades de desenvolvimento da região algarvia, no seu todo, em diversos sectores, com especial enfoque no turismo. No Congresso, que contou com uma alargada participação de intelectuais republicados algarvios das mais variadas áreas profissionais e científicas, foram apresentadas a debate 26 teses sobre os mais diversos temas – pesca, agricultura, indústria, turismo, clima, ensino, transportes, etc. – teses estas que foram impressas e que apresentavam projectos de lei que deveriam ser rapidamente aprovados e implementados pelo Governo em benefício da região algarvia.

Só que nunca foram. E tampouco se conseguiu a almejada autonomia administrativa que, implicitamente, a facção republicana algarvia, ainda relativamente optimista à época, defendia. Portugal entra na I Guerra Mundial em 1916, causa de grande instabilidade social, a que acrescem problemas diversos de desenvolvimento económico do país e toda a instabilidade política vivida durante todo período de vigência da 1ª República, conjuntura esta que não terá beneficiado em nada os projectos de desenvolvimento da região algarvia. Nem terá beneficiado qualquer real tentativa de descentralização do poder central para os municípios.

Entrada a década de 20, o debate sobre a região algarvia reacende-se na Alma Nova, que havia sido, anos antes, o órgão oficial do 1º Congresso. Em Dezembro de 1923, por exemplo, Maurício Monteiro defendia que o Algarve possuía os “elementos mais aconselháveis para reclamar a sua autonomia”, considerando o desenvolvimento da região amplamente benéfico para o desenvolvimento e enriquecimento do país. Em Março de 1924, o engenheiro-agrónomo Ferreira Neto lamentava que o Algarve sempre tivesse sido “desprezado pelos poderes públicos, mas de há uns anos para cá, sobe de ponto esse desprezo: não é ele que tem concorrido para o louco desvario de aumento de despesas, que nos tem arruinado. Lisboa tem absorvido as riquezas do país e todas as províncias têm dado mais do que têm recebido, mas o Algarve tem concorrido com mais do que outra qualquer”. Qualquer semelhança com a actualidade (não) é pura coincidência…

Mas, uma vez mais, qualquer debate entretanto reacendido não passou de fogo-fátuo. A Ditadura Militar, implementada a 28 de Maio de 1926, pôs termo a qualquer tentativa de autonomia do poder municipal. Durante o Estado Novo, o Código Administrativo de 1936 aboliu a autonomia do poder local, ainda que a Constituição de 1933 reconhecesse a importância das autarquias. Doravante assiste-se a uma forte centralização do poder, dando continuidade à tendência em curso desde finais do Antigo Regime.

A história mais recente, por força do debate actual, é – ou, pelo menos, deveria ser! – do conhecimento geral. A Constituição de 1976, contrariando a tradição anti-democrática, centralista e burocrática da administração salazarista-caetanista, prevê a descentralização administrativa e institui as regiões administrativas como um nível de poder intermédio entre o Estado central e as autarquias locais. Desde então, este projecto fez parte de vários programas de Governo, mas tem sido sucessivamente adiado.

Adiado contra a vontade dos algarvios? Sim… E não! Tudo depende do período que escolhermos analisar e dos intervenientes no debate. Se olharmos única e exclusivamente para a actualidade, a mais recente sondagem indicia que o país, com a excepção nada surpreendente da região de Lisboa, é maioritariamente favorável à regionalização, com o Algarve a encabeçar a lista dos mais entusiastas. No entanto, ainda está bem presente na memória dos portugueses e dos algarvios o resultado do referendo de 1998… Onde, no Algarve, ganhou o “não”, quase empatado com o “sim”, é certo, mas, ainda assim, desmentindo a suposta vocação regionalista dos algarvios e num claro desencontro entre a opinião das elites, maioritariamente favoráveis, e a opinião da generalidade da população. Resultado que é fruto, quiçá, de debates pouco esclarecedores… ou da falta deles!

Certo é que desde 1976 que a regionalização tem sido alvo de sucessivos adiamentos. O último dos quais protagonizado por António Costa: o mesmo António Costa que, em 2015, enquanto secretário-geral do PS, defendia a regionalização para quando estivesse no governo; o mesmo António Costa que, em 2017, já primeiro-ministro, considerava que não existiam condições favoráveis à regionalização nessa legislatura; o mesmo António Costa que, em Março de 2019, ou seja, ainda na anterior legislatura, afirmou que a regionalização não avança por ser um tema fraturante, dada a oposição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa; o mesmo António Costa que, novamente primeiro-ministro e numa nova legislatura, veio em Dezembro do ano que findou anunciar o adiamento da regionalização para uma futura legislatura, em 2023… ou, melhor diríamos, veio adiá-la para as calendas gregas.

Enquanto se anda na dança do “empurra”, é a região que sofre com falta de investimento e com o desprezo por parte do poder central… Uma região que padece de problemas estruturais gritantes a nível dos cuidados de saúde, dos transportes públicos, das infraestruturas viárias – apenas para mencionar alguns – e que legislatura após legislatura vê as suas justas reivindicações serem menosprezadas pelas agendas políticas. Até quando? Será necessário esperar mais 100 anos?

Seja qual for o modelo, centralista ou regionalista, as necessidades da região e da população que aí reside não podem esperar, nem ficar esquecidas no meio de querelas político-partidárias. Podemos concluir relembrando aqui as palavras do autor da citação que abriu este artigo, ainda muito actuais: ideal seria se os debates parlamentares se desenvolvessem em volta dos interesses das regiões em vez de à roda dos interesses dos partidos. E, atrevo-me a acrescentar, ideal seria também se nos livrássemos dos “Calistos Elóis” e dos “Condes d’Abranhos” deste mundo, sejam eles singulares ou plurais, que atraídos e absorvidos pelo poder centralizador da capital, frequentemente se esquecem de dar prioridade aos interesses do bem público, nos quais se inclui toda a população que habita o território português. Afinal de contas, não existem cidadãos de primeira e cidadãos de segunda categoria… ou, pelo menos, não deveriam existir!
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4 Comments
João Baltazar
21/2/2020 14:49:11

Interessantíssima dissertação pelo que é a realidade actual e histórica da região.
Continuamos a pecar pela fraca envolvência do cidadão comum que, na nobre actividade do dia a dia, se encontra alheado destes problemas.

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Andreia Fidalgo
21/2/2020 18:08:02

Caro João Baltazar, muito obrigada pela leitura e pelo comentário. É, de facto, muito difícil criar uma cidadania activa e esclarecida que consiga estar presente em toda a população, envolvendo-a nos debates que realmente interessam ao país. O cidadão comum anda alheado de quase tudo. Até se alheia de ir votar, muitas vezes...

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Miguel
22/2/2020 14:28:47

Uma óptima dissertação histórica, sem a qual seria impossível compreender as vicissitudes, e injustiças - porque é sobretudo das mesmas que se trata - com que o Algarve sempre se debateu e continua a debater.
Relativamente a esta apatia geral, que é nacional e que no Algarve infelizmente assume proporções enormes, penso que merece uma reflexão detalhada com os contributos da história, da antropologia, e da psicologia social; pessoalmente creio numa construção nacional Top Down como um dos principais culpados (mas não só claro) da fraca participação cívica nacional, provavelmente conhecerá e se sim, o que acha da obra: As Cinco Grandes Revoluções da História de Portugal - André Canhoto Costa.

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Andreia Fidalgo
27/2/2020 12:05:15

Caro Miguel,
Muito obrigada pela leitura atenta e pelo comentário. Creio que tem toda a razão, seria de grande utilidade um estudo interdisciplinar para perceber melhor esta apatia generalizada Em termos de análise histórica, vale muita a pena regressar ao Antero de Quental e às "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares", cuja reflexão em muito se relaciona com essa construção top-down que refere, ao longo de séculos, seja em termos políticos ou até religiosos. Não obstante ter sido publicado em 1871, este e outros exercícios de reflexão são sempre úteis para percebermos como se foram construindo as idiossincrasias de uma determinada população/nação e a sua identidade e para se construir novas reflexões a partir daí. Quanto ao livro que refere, ainda não tive oportunidade de ler, mas, do pouco que conheço da divulgação que foi feita, acredito que seja um bom contributo precisamente para este tipo de reflexão.

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