Por Gonçalo Duarte Gomes O Francis Ford Coppola já está assim para o entradote, mas com jeitinho talvez ainda se lhe conseguisse vender a ideia de fazer um remake do magistral “Apocalypse Now”, mas nos tempos modernos, e em contexto urbano. O argumento está mais ou menos alinhavado: um batalhão de boçais pinguços, destacado das brenhas de Inglaterra, dirige-se ao Sul da Europa, tendo como missão destruir, por ingestão, todo o stock de bebidas alcoólicas existente numa pequena localidade, que coloca em risco os fígados da Grã-Bretanha em geral e de toda a Humanidade em particular. Nesta aventura de sacrifício hepático, estas bravas esponjas irão encontrar imensas adversidades, tendo mesmo que defrontar maléficas forças de repressão que, garganeiras, não querem deixar os bezanos heróis cumprir o seu etílico objectivo. No entanto, e após toda a sorte de peripécias, os intoxicados e cambaleantes protagonistas lá conseguem retornar a casa, exibindo, orgulhosos, as suas cirroses! Modéstia à parte, acho que a coisa está com grande pinta. O único senão, e que talvez possa desmotivar o Coppola, é o facto de ser um argumento demasiado próximo à realidade de Albufeira. O homem não é dado a documentários… Pois é, parece que parte de Albufeira foi (outra vez) tomada de assalto por uma malta que pratica a nobre arte do turismo de calçada.
Não porque sejam apaixonados da técnica construtiva desse pavimento tão português ou sequer pela arte que encerra. É só mesmo porque é o sítio onde passam mais tempo, seja arrochados devido às quantidades bíblicas de bebida que meteram no bucho, seja porque levaram uma bastonada nos dentes, cortesia do Corpo de Intervenção da Polícia de Segurança Pública, como prémio por inúmeros desacatos e actos de vandalismo. Parece que, desta feita, foram aproximadamente 1.000 os mamíferos que, sob o elevado, terno e inspirador mote “Portugal Invasion”, vieram passar uma semaninha a Albufeira, por 700 euros, mais coisa menos coisa, all included (excepto talvez fianças e despesas hospitalares). Very nice à farta! Pelo meio há relatos de objectos que inadvertidamente lhes foram parar aos bolsos, de cenas de pancadaria (até no aeroporto, o que na verdade é uma espécie de apresentação carinhosa do folcore deles, muito como o corridinho está para o Algarve, em jeito de agradecimento pela estadia) e outras tropelias. Para os amigos ingleses a coisa é gira à brava, mas para alguns de cá o negócio também deve compensar, pois de outra forma não haveria empresários que alinhassem em piolheiras deste género. Rentável deve ser, pois para além de uma alimentação intravenosa de álcool, e uma algália ou outra para os mais empenhados, não deve implicar grande investimento em comida ou alojamento. No fundo, Albufeira é a Lloret del Mar para os mais crescidinhos. Nas reacções oficiais que vão surgindo, ouvem-se umas indignações eufemísticas, cautelosamente moderadas, não vá um dos principais mercados emissores (responsável por entre 20 a 25% dos que nos visitam a partir do estrageiro, se não estou em erro) engalinhar-se. Para tal já bastou a actuação das nossas forças de segurança que, por terem feito o que deviam, levaram ainda uma bicada, mesmo que velada. Senhores agentes, da próxima vez que virem um gabiru com pinta de camone pendurado num lampião, ou a atirar pedras a uma montra, ou um grupo com blusas de alças ou camisolas de equipas da Premier League a virar um carro, perguntem (antes de aviar as criaturas, obviamente) se aquilo não faz parte de um experience package, ou outra carta de alforria turística. É que, nesse caso, sejam compreensivos, e pensem que dos prejuízos e incómodos dos comerciantes e residentes pouca gente quer saber, mas as nódoas negras e galos nos toutiços dos vândalos que nos honram com a sua visita… correm Mundo! Depois há o clássico discurso de “incidentes como este podem prejudicar a imagem do Algarve enquanto destino turístico”, que tenta não ver que, se a região é vendida para pacotes deste tipo… é porque esta é também a sua imagem enquanto destino turístico, principalmente em Albufeira! Aliás, se um dia o mercado evoluir para um posicionamento em que esta seja a procura maioritária, o Algarve faz o quê? Diz que não, ou aceita, com a resignação de quem não cultivou alternativas? Sendo certo que tal cenário é uma efabulação extrema, e que este segmento não representa a maioria da oferta turística do Algarve, nem tão pouco os seus objectivos propalados, não é menos verdade que o sector tarda em reagir e posicionar-se veementemente contra tais produtos – até porque a coisa não é de agora. Além disso, e atendendo à tendência autofágica que é subjacente ao modelo implantado na região, de desesperado turismo a todo o custo, é apenas previsível que fenómenos como este alastrem, contaminando e prejudicando outros segmentos, de qualidade mais elevada e geradores de maiores mais-valias, não apenas económicas, mas também de outras riquezas, culturais e sociais, que a experiência da partilha turística proporciona. É também por casos como este que se insiste na necessidade de alargar e diversificar a economia algarvia, concretamente para áreas ligadas à produção e a riqueza reprodutível, e de forma a (re)afirmar uma identidade para além de mero produto turístico – a este propósito, recomendo o apontamento do Pe. António de Freitas no Lugar ao Sul, disponível aqui, que sublinha a importância de uma atractividade baseada na vivência de algo genuíno, e não na comercialização de algo construído, para que nunca nos percamos e para que os outros possam reconhecer-nos quando nos encontram. Só assim teremos estrutura e recursos suficientes para uma maior autonomia em relação a economias de humores, e, para além de todas as óbvias vantagens de tal situação, poder recusar quaisquer exercícios de prostituição regional, como aquele que este lamentável episódio tipifica. Porque nesta adaptação algarvia do Apocalypse Now, não fica nada bem um qualquer Tenente-Coronel Kilgore, a proferir um épico “Adoro o cheiro a vomitado pela manhã”, ajoelhado numa rua tapetada a garrafas, com pálidos ou escaldados turistas alcoolicamente desmaiados aqui e acolá…
2 Comments
Teresa Pereira
13/7/2017 08:37:13
Bom dia
Reply
Gonçalo Duarte Gomes
14/7/2017 18:11:44
Muito obrigado pela partilha dessa visão de um local que vai mais adiantado no percurso que agora trilhamos, Teresa.
Reply
Leave a Reply. |
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|