Por Gonçalo Duarte Gomes Santos da casa não fazem milagres, já diz a sabedoria popular. Vai daí, e embora neste Lugar não existam santos, e se vá tentado falar de coisas boas e menos boas deste nosso Algarve, com o tema do turismo quase sempre à vir à baila, pouco efeito surte, por muita propriedade que os argumentos apresentados tenham. Tal como a torrada que cai sempre com a face amanteigada no chão, é assim, nada a fazer. Por isso mesmo, nada como invocar outras santidades, de renome, daquelas a que até as eminências pardas do provincianismo regional gostam de dar ouvidos, ainda que a mensagem lhes seja tão compreensível quanto um palácio para um boi. Entre então em cena o arquitecto Siza Vieira, porventura nome maior da praça portuguesa, internacionalmente reconhecido, como atesta o seu Pritzker.
Numa entrevista recente ao jornal Público (ver aqui), Siza alertou para as fragilidades e riscos de modelos de desenvolvimento apoiados no turismo. Referia-se, concretamente, ao boom turístico a que a cidade do Porto tem assistido (em linha com o que, de há uns anos a esta parte se passa com Lisboa, e há décadas com a “comunidade intermunicipal do Algarve”), manifestando também a expectativa de que o mesmo não dure muito, especialmente devido à perda de identidade e degradação da qualidade de vida que a excessiva terciarização da cidade provoca nos habitantes que resistem ao bullying imobiliário e aos processos de gentrificação oficialmente patrocinada. Concluiu, finalmente, pela necessidade de equilíbrio, e de um equilíbrio focado nas pessoas, que são – ou deveriam ser – afinal o foco das preocupações dos gestores territoriais. Numa linha semelhante, e no âmbito da 3.ª Conferência Internacional Creatour, realizada na Universidade do Algarve, o antropológo Jafar Jafari sublinhou que o turismo, enquanto negócio, não pode apenas focar-se no lucro, mas antes na Cultura e nas comunidades. No fundo, um alerta para que a proclamada “indústria” interrompa o voraz e paulatino ciclo de paulatina autofagia com que tem destruído a sua matéria-prima (à cultural acrescentaria também a natural). Tudo isto cairá, muito provavelmente, em saco roto. Porque o turismo no Algarve foi, e continua a ser, um híbrido entre especulação imobiliária, operações bancárias, capitais nem sempre claros, negligência institucional e, bem no final das preocupações, operação turística. Um cocktail em que a região surge como ingrediente consumível, e não recurso estratégico. No fundo, o Algarve é a boneca insuflável do turismo. Quem duvidar, basta olhar para abortos paisagísticos como o Ombria Resort, a megalómana ideia da Cidade Lacustre ou pseudo-eco-coiso da Praia Grande. O que representa uma perda tremenda, pois o turismo, desenvolvido de forma equilibrada, é das actividades mais fantásticas que existe, sendo mesmo designado de “indústria da paz”. E falta que ela nos faz. O acto de viajar – directa ou indirectamente, um instrumento turístico – provoca, através do contacto entre as pessoas (visitantes e visitados), um enriquecimento e aproximação, preenchendo vazios com compreensão, amizade e também amor (ingredientes da paz), espaços que, de outra forma, estariam disponíveis para o medo, a incompreensão e o ódio (ingredientes do conflito). Mais ainda quando os laços decorrentes deste contacto, mesmo que momentâneo, perduram para a vida, transformando as viagens – e, consequentemente, o turismo – numa autêntica aprendizagem humanitária, em que a tolerância e o respeito pelo próximo são os principais ensinamentos. Porque é uma experiência pessoal que nos demonstra que, ainda que física, cultural e socialmente distantes, estamos todos fenomenologicamente próximos. Mas, além do resto, falar de futuro do Algarve no seu contexto monofuncional enfrenta desde logo uma dificuldade intrínseca: dada a fraca rotatividade dos actores regionais, a faixa etária em que muitos se encontram e o que já conseguiram em proveito próprio, essa questão é meramente abstracta e concretamente irrelevante. Caso contrário, existiriam precisamente estratégias de gestão institucional promotoras de renovação, através de processos de continuidade em que a sem dúvida valiosa experiência dos mais veteranos seria incorporada organicamente no surgimento dos novos actores, desejavelmente purgando vícios e acrescentando novas, mais abrangentes e saudáveis visões. Do pouco que se vai vendo nesse capítulo, oscila entre o nepotismo e o mais do mesmo. Mas amanhã toma posse um novo Governo. Um Governo que, a julgar pela amálgama organizacional que promoveu ao nível dos secretários de estado (três deles algarvios, sendo que um anterior, Miguel Freitas, está de saída), está focado nas questões do desenvolvimento e coesão territorial, trazendo equilíbrio a estas matérias. O Henrique Pereira dos Santos resumiu isto brilhantemente, também num artigo publicado no jornal Público (ver aqui): “Se bem entendo, temos um secretário de Estado adjunto e da Administração Interna e uma secretária de Estado da Administração Interna, mas não devem ser confundidos com o secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, e muito menos com o secretário de Estado do Ordenamento do Território que, naturalmente, não se confunde com o secretário de Estado do Planeamento nem com o secretário de Estado das Infra-estruturas, sendo os dois diferentes do secretário de Estado da Mobilidade, mas também do secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, totalmente distinto da secretária de Estado da Valorização do Interior que, em qualquer caso, em momento nenhum pode ser associada ao secretário de Estado do Desenvolvimento Rural.” Esperemos então não dar por nós a orar a santos do pau oco.
2 Comentários
Ines
25/10/2019 13:11:43
Brilhante!!!
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Maria do Vale Cartaxo
28/10/2019 15:13:47
A única (UNIQUISSIMA!) vantagem de ser velho é ter conhecido outro mundo: em que a Praia da Rocha era linda - só com uma língua de areia e muitas rochas a entrar pelo mar adentro, onde anualmente se viam as mesmas famílias), Lisboa dos lisboetas, Veneza de gente educada e até Singapura provinciana. O turismo não era uma indústria, mas puro prazer e cultura.
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