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Adoro o fundo de uma barragem vazia ao pôr-do-sol!

10/9/2020

2 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Num tempo que está a acabar, em que a arte podia ser livre, o filme “Apocalypse Now” deixou um vasto legado na História do Cinema e também na cultura popular. Uma das pérolas que ficam para a posteridade – pelo menos até que alguém a decida sanear e/ou higienizar – é a fala do Tenente Coronel Kilgore, quando, do alto da sua serena mas entusiástica desumanização, afirma: “I love the smell of napalm in the morning” (adoro o cheiro do napalm pela manhã).

Pois bem, olhando para a barragem de Odeleite nos seus 33% de capacidade de armazenamento ao pôr-do-sol, também eu tive o meu momento Kilgore, pensando como era simultaneamente hipnotizante e angustiante o cenário diante dos meus olhos.

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Perante tal secura, não pude deixar de regressar à velha mas sempre nova – porque sempre ignorada e secundarizada – preocupação da falta de água no Algarve.

Mas, porque ontem foi publicada uma entrevista com o Director Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, foi inevitável a instalação de alguma confusão. Isto porque, na abordagem a variados temas, foram ali apresentadas algumas perspectivas importantes para a reflexão, de que destacaria três.

Primeiramente, importa subscrever o princípio veiculado nesta entrevista de que, nestas discussões, não se deve perseguir determinada cultura. Centrar obsessões numa determinada espécie, seja na agricultura, na silvicultura, ou em qualquer outro contexto, é centrar o olhar na árvore – aqui literalmente – perdendo de vista a floresta. Além de que é como multar um carro em excesso de velocidade, quando na verdade é para a pessoa que o conduz que devemos olhar com espírito crítico...

Das ideias a destacar, começo pela ideia de que o ordenamento de culturas agrícolas pode, de alguma forma, ser empurrado para a esfera dos Planos Directores Municipais, ficando então sob a alçada e responsabilidade dos Municípios. A necessidade – ou, no mínimo, a conveniência – de uma organização e avaliação estrutural da produção agrícola na região (consoante parâmetros de solo, clima, disponibilidades hídricas, canais comerciais, apostas estratégicas dentro de grandes opções de plano, etc.) não parece muito compatível com a sua transformação numa manta de retalhos casuística, feita do somatório das decisões municipais – o que tornaria, de resto, redundante a respectiva Direcção Regional. É um daqueles casos em que os cacos de uma jarra partida, mesmo depois de colados com muito cuidado, já não encantam prateleira alguma.

A segunda, a economia da coisa, ou de parte dela. Foi lançado à discussão um volume óptimo de facturação global do abacate no Algarve algures na casa dos 53 milhões de euros (1.600 hectares assumidos como plenamente produtivos, produzindo cerca de 15 toneladas por hectare, vendidas a 2,2 €/kg), o que é muita fruta. Resta saber quanto é lucro, deduzindo os custos operacionais.

Foi, inclusivamente, feito notar como, dessa forma, o abacate se posiciona competitivamente muito acima do sequeiro – considerado inviável para base da agricultura regional, excepto em visões líricas e românticas – sem no entanto apresentar números que possibilitassem a comparação.

No entanto, sabendo-se que, por exemplo, a alfarroba se vendeu – no circuito sério, não naquele em que as sacas caem misteriosamente da traseira de umas carrinhas – este ano entre 12 e 13 euros a arroba (cerca de 0,87 €/kg), que ocupa cerca de 13.500 hectares na região e que pode ter uma produtividade na casa das 3 toneladas por hectare, o valor de facturação ascenderia a algo como 35 milhões de euros – aos quais há que subtrair também custos de operação, naturalmente.

Ou seja, o abacate, numa área de cultivo 8 vezes inferior, obtém um valor 1,5 vezes superior. Dá que pensar.

Mas sequeiro não é só alfarroba, pelo que importaria também depois juntar a economia de outras culturas, nomeadamente o figo. E importaria ponderar o valor dos serviços de ecossistema que os pomares tradicionais de sequeiro prestam ao nível da biodiversidade ou da captura do carbono, que no caso da alfarrobeira atinge valores na casa das 17/18 toneladas por hectare.

Regadio também não é só abacate, dir-se-á, e muito bem, na mesma linha. Não dispondo de números mais abrangentes para os dois regimes, torna-se impossível o avanço nesta ideia, mas fica o desafio.

Finalmente, a água. Na entrevista, é referido que no Algarve a agricultura capta cerca de 75% dos seus consumos de rega nos aquíferos, e que os seus consumos correspondem a 56% do total regional (embora dados oficiais apontem para 67%, o que é diferente). Seja quanto for, será que esse custo operacional é efectivamente pago? Isto porque, embora as explorações paguem a electricidade que alimenta as bombas nos furos e as necessárias licenças e taxas sobre os mesmos, não pagam os volumes de água propriamente ditos, como fazem outros consumidores. Tendo que o fazer, manter-se-ia o regadio economicamente competitivo?

Além disso, nestas contas de somar e de sumir que se vão fazendo, a competitividade económica é ponderada face ao défice ecológico, que no fundo representa a socialização dos custos não internalizados no balanço do regadio?

E a água, independentemente de ser tirada do subsolo ou de barragens, não pertence toda ao mesmo ciclo? Não tem também um valor ecológico na paisagem, através das suas funções vitais, por exemplo no solo? Não existem riscos de intrusões salinas nas extremidades costeiras dos aquíferos que se vão esgotando, não há o problema da redução da qualidade da água – muita para consumo humano – nos volumes que se vão reduzindo?

Se tudo isto estiver a ser ponderado, óptimo. Caso contrário, boa sorte para todos nós.
​
De qualquer forma, já com tudo isto em mente, lancei um olhar bem mais descontraído à albufeira de Odeleite, apercebendo-me de que afinal está tudo controlado, e que esta coisa dos níveis da água engana muito...
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2 Comments
Miguel
16/9/2020 10:38:07

Uma triste entrevista, que causa a maior das perplexidades e indignação.
O Sequeiro será a principal cultura no Algarve ou não será cultura alguma, por força da realidade da escassez hídrica; aplica-se igualmente aos citrinos, que, em boa verdade não andarão longe dos consumos dos abacateiros.
E no meio de tudo isto, a maior perplexidade continua a ser a obstinação - arrisco a escrever, com todo o respeito, autista - que responsáveis continuam a apregoar e incentivar.

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
25/9/2020 18:14:53

Miguel, mais perturbador é constatar que o discurso do responsável máximo pela máxima entidade responsável na matéria reproduz, quase literalmente, a argumentação de um "project manager" de uma empresa de investimentos que, noutro contexto, defendia a mesma dama...

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