Por Luís Coelho. Anos de alguma reflexão levam-me a concluir que uma democracia funciona melhor quando está assente numa economia de mercado onde se dá primazia ao sector privado quando o tema é a alocação de recursos escassos. No entanto, para que esta abordagem à economia possa gerar resultados socialmente aceitáveis, é fundamental que exista um Estado com um forte papel Regulador. É ao Estado Regulador que cumpre impor regras de funcionamento ao mercado, forçando-o a organizar-se de forma virtuosa. Infelizmente, Portugal é em grande medida a negação deste racional. Todos nós temos uma ideia mais ou menos clara sobre se queremos ou não o Estado metido em tudo o que é sector económico. Talvez o mesmo não se aplique sobre a situação dos Reguladores a actuar em Portugal. Ainda assim, atrevo-me a especular que o nome de algumas destas instituições até soa familiar. De facto, quem não conhece o caso caricato da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) que mês após mês se mostra incapaz de perceber que há uma clara cartelização dos preços dos combustíveis em Portugal? Ou da ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), que parece nunca conseguir intervir de forma decisiva quando o assunto é colocar no devido lugar as grandes operadoras de telecomunicações? Isto já para não falar da minha preferida: a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários). De facto, ainda estou para perceber o que é este “importante” Regulador faz para promover a transparência, a vitalidade e a utilidade do nosso “mercado de capitais”…
Eis senão que no meio de uma interminável sopa de siglas (ERC, IMT, INAC, IRAR, ISP, ERS) dificilmente perceptível para a maioria dos Lusitanos, lá surgia um Regulador que parecia cativar o povo pelas melhores razões. Estou, claro, a falar do Banco de Portugal (BdP). Enquanto aluno de Economia sonhava trabalhar para o BdP. O rigor dos seus relatórios. A seriedade da palavra do seu Governador. A forma como os seus quadros eram cobiçados pelo sector privado e público. Enfim, um verdadeiro maná de competência e exigência, reconhecido por todos. É pois com tristeza que assisto ao que se tem vindo a passar nesta Nobre Instituição nos últimos anos. Muitos já não se recordarão mas a credibilidade do BdP começou a deteriorar-se com Vítor Constâncio (entretanto promovido a Vice-Presidente do Banco Central Europeu…). O incrível erro de avaliação das contas públicas deixadas pelo Governo de Santana Lopes e, sobretudo, a trapalhada geral do BdP na gestão dos dossiers BCP, BPN e BPP mostravam já nessa altura que o Regulador do sector financeiro não sabe lidar com as exigências que resultaram da introdução do Euro em Portugal. De facto, desde 1999 que a nossa política monetária é decidida em Frankfurt. Desta forma, o verdadeiro papel que cabe neste momento ao BdP é a promoção da estabilidade do sistema financeiro. Neste campo, infelizmente, os resultados têm sido simplesmente horríveis. Dando de barato a questão do Banif, é impossível falar deste tema sem mencionar o que se passou no Banco Espírito Santo (BES). Se é verdade que Ricardo Salgado parece ser um homem com uma criatividade notável, também não deixa de ser interessante notar a passividade com que o nosso Regulador lidou com tudo o que se ia passando. Neste contexto, a reportagem “Assalto ao Castelo” exibida pela SIC na semana passada é esmagadora. Não tenho forma de me pronunciar sobre a veracidade dos factos reportados; no entanto, se os mesmos corresponderem ao que realmente se passou, a cúpula directiva do BdP ficará para sempre ligada de forma triste ao espectáculo lamentável a que assistimos (e continuaremos a assistir) como resultado da derrocada do BES e do Grupo Espírito Santo. Carlos Costa pediu esta segunda-feira para falar (novamente) na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa para assim "esclarecer todos os pontos", "em defesa do BdP e para promover a confiança" na instituição que lidera. Espero sinceramente que o consiga fazer. De forma cabal e sem deixar qualquer margem de dúvida. Se assim não for, só tem uma saída. Sair (de outra forma que não a irrevogável).
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